No Acórdão do Tribunal Central
Administrativo do Norte, no âmbito do Processo n.º 6158/02, decidiu-se pela ilegitimidade do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do
Norte para, em nome de uma trabalhadora associada a esse Sindicato, impugnar um
despacho do Senhor Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das
Pescas. Não pondo em causa o direito em abstrato das
associações sindicais a intervir em processos judiciais e em procedimentos
administrativos, consagrado de forma categórica no artigo 443º, nº1, alínea d),
para defesa dos interesses dos seus associados nos respectivos processos ou
procedimentos, entendeu-se que o mesmo apenas se verificaria em casos de defesa coletiva dos interesses dos
seus associados, o Tribunal Central que no caso não se verificava, carecendo o
Sindicato de interesse direto, pessoal e legítimo para exercer contenciosamente
a tutela jurisdicional da defesa dos interesses individuais de uma determinada
trabalhadora (que havia sido transferida da Divisão de Intervenção Veterinária
de Braga para a Divisão de Ajudas de Produção em Barcelinhos), por não se inserir tal defesa no conceito de “defesa coletiva de interesses individuais” a
que faz referência o art. 55.º do CPTA. baseando-se
para tal no art. 4º, nº3 do D.L. nº84/99, de 19 Março, que, segundo o Tribunal,
apenas se refere à legitimidade processual em casos de defesa coletiva.
No que diz respeito à legitimidade como um pressuposto processual, o
Código de Processo nos Tribunais Administrativos pretende indicar que a mesma,
nas palavras de Mário Aroso de Almeida (in “Manual de Processo
Administrativo”), “não se reporta, em abstrato, à pessoa do autor ou do
demandado, mas afere-se em função da concreta relação que (alegadamente) se
estabelece entre as partes e uma concreta ação, com um objeto determinado”.
O CPTA começa por regular na sua parte geral, separadamente, a
legitimidade ativa (art.º 9.º) e a legitimidade passiva (art.º 10.º), sendo
que, quanto à primeira, volta a estabelecer regras no artigo 40.º (em matéria
de ações relativas a contratos) e no âmbito das ações administrativas especiais
(art.º 55. e 57.º, a propósito da impugnação de atos administrativos; 68.º, a
propósito da condenação à prática de ato devido e 73.º, a propósito de
impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão). Em regra, possui
legitimidade ativa quem alegue a titularidade de uma situação cuja conexão com
o objeto da ação proposta o apresente como em condições de nela figurar como
autor. Este pressuposto não se confunde com o interesse processual ou com o
interesse em agir. Em segundo lugar, no n.º 2 do art.º 9.º encontra-se
estabelecida a chamada legitimidade para defesa de interesses difusos.
Conferindo desenvolvimento ao art.º 9.º, no contexto da impugnação de
atos administrativos, o art.º 55.º, n.º 1, determina quem tem legitimidade para
efeitos processuais: quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal
(designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos); ao Ministério Público; às pessoas coletivas públicas e
privadas, quanto aos direitos que lhes cumpra defender; aos órgãos
administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma
pessoa coletiva; aos presidentes de órgãos colegiais, em relação a atos
praticados pelo respetivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da
legalidade administrativa, nos casos previstos na lei; às pessoas e entidades
mencionadas no n.º 2 do art.º 9.º (qualquer pessoa, associações e fundações
defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério
Público).
Pronunciando-se sobre a decisão do Tribunal Central Administrativo
referida supra, veio o Supremo
Tribunal de Justiça, no Processo 0655/03, de 22 de Outubro de 2003, conceder
provimento ao recurso interposto pelo Sindicato, concluindo pela sua
legitimidade processual no caso dos autos.
Entendeu no fundo o Supremo Tribunal que o ar. 55.º, n.º 1 do CPTA
deveria ser entendido da seguinte forma: “defesa de
muitas pessoas, várias pessoas, muitos associados, todos os associados, alguns
associados, um associado, etc. tendo em atenção a natureza coletiva que uma
associação é”. Justifica-se assim a defesa dos direitos de um único
associado por parte do Sindicato. Também é feita referência ao disposto no
Acórdão 103/2001 do Tribunal Constitucional, que defende a consagração expressa da legitimidade ativa na “defesa de
interesses individuais dos trabalhadores”, recorrendo a uma interpretação
extensiva do artigo 56º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Assume-se então
que, a ser “excluída a possibilidade das
associações sindicais promoverem o início do
procedimento administrativo ou de nele intervirem e, depois, de poderem iniciar
o recurso contencioso administrativo para defesa coletiva dos interesses individuais
dos seus associados significaria uma amputação dos poderes que necessariamente
decorrem das finalidades que a Constituição lhes reconhece e lhes são
garantidas pelo n.º 1 do artigo 56º”.
Entende assim o Tribunal Constitucional que a legitimidade processual das
associações sindicais não se limita aos interesses coletivos dos trabalhadores,
mas também aos seus interesses individuais.
O tribunal Constitucional veio a firmar jurisprudência sobre essa extensão da
legitimidade das associações, nomeadamente nos Acórdãos. Nº 75/85 de 6 de Maio,
118/97 de 19 de Fevereiro e 160/99 de 10 de Março.
Entende-se
então sobre a legitimidade do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do
Norte para iniciar o procedimento administrativo, sendo então aplicáveis ao caso
os artigos 55º. N.º1, alíneas a) e f), assim como o artigo 9º, nº2 do Código de
Processo dos Tribunais Administrativos
Decidiu assim o STA conceder provimento ao recurso apresentado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do
Norte (revogando consequentemente a decisão que vinha do Recurso) declarando
então que o Sindicato possuía legitimidade ativa. Tendo sido concluído que a
proteção dos direitos dos trabalhadores representa um valor constitucional que,
quando inserido no conjunto de direitos que dita pessoa coletiva deve defender,
oferece legitimidade ativa à mesma.
A
figura constitucionalmente prevista das associações sindicais e do seu papel de
defesa dos interesses de cada um dos seus associados ficaria irreversivelmente
amputada por um entendimento que lhes negasse a possibilidade de transpor os
seus deveres de defesa desses associados na barra do tribunal.
João Nunes dos Santos, nº18549
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