domingo, 16 de dezembro de 2012

Luz, Câmara, Acção Comum!


O CPTA regula diferentes formas de processo ou meios processuais, ou, por outras palavras, diferentes “conjuntos ordenados de actos e formalidades que devem ser observados na propositura e desenvolvimento da acção em tribunal”.

Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, o legislador adoptou um método mais próximo do modelo latino em que se unificou todos os meios processuais, independentemente dos pedidos ou dos efeitos das sentenças, mesmo que, atendendo às formas de processo principais, se tenha optado por consagrar uma dicotomia de meios processuais: acção administrativa comum vs acção administrativa especial. Esta dicotomia assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração, sendo que sempre que no processo não sejam deduzidas tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma de acção administrativa comum (art. 37º CPTA). 

Existem, assim, duas tramitações principais no novo contencioso administrativo, sendo que os processos deverão seguir uma delas, art. 35º in fine do CPTA...e, neste caso, seguiremos o estudo da primeira.

A Acção Administrativa Comum vem consagrada no art.37.º ss do CPTA, tendo por objecto “todos os litígios sujeitos à jurisdição administrativa, relativamente aos quais não esteja expressamente estabelecida uma regulação especial, pelo CPTA ou por legislação avulsa, designadamente uma acção administrativa especial ou um processo urgente”.

A aparente delimitação por exclusão de partes a que se refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, segundo a qual pertenceriam ao âmbito da acção administrativa comum “todos os processos não especialmente regulados” assenta num critério substantivo. Tratado-se, na óptica do Prof. de uma “acção- quadro”, que abrange uma grande diversidade de pedidos (desde as acções de livre apreciação (as alíneas a) e b)), às de condenação (as alíneas c), d), e), f), g)), passando por outros de natureza mista, em que se combinam as vertentes de simples apreciação, com as constitutivas ou de condenação (as alíneas h), i), j)).

O seu objecto tem de ser delimitado pela negativa: será o meio adequado de recorrer à justiça administrativa sempre que “não estejam em causa litígios relativos à prática ou omissão de actos administrativos impugnáveis ou de normas”. Ex: Não pode ser utilizada para obter impugnação de acto administrativo impugnável, nem para os efeitos que o 38.º/2 expressamente veda. Pode ser utilizada em quaisquer outros processos, sendo que, grande parte do objecto da acção comum é o contencioso sobre a responsabilidade civil extra-contratual e sobre relações contratuais. O art.37.º/2 elenca, a título meramente exemplificativo, as mais tradicionais acções (abarcam contratos e responsabilidade (al.f)), pedidos de vários tipos, contra a Administração ou particulares, que se consubstanciam em pedidos de reconhecimento ou simples apreciação (al. a) e b), tendo em vista, contudo a crítica feita pelo Prof. Vasco Pereira da Silva a esta última alínea por entendê-la desnecessária, visto, na maior parte dos casos, essas hipóteses já estarem previstas na alínea anterior), as acções impositivas e uma tutela inibitória, ao pretender obter sentenças condenatórias (al.c), d) e e)).

Da análise do art. 37º/2, resulta a aplicação da forma da acção administrativa comum às acções tradicionais e a um conjunto de litígios, entre os particulares ou as próprias entidades públicas contra a Administração, em relação a diferentes situações, identificando os casos mais importantes.

Consta do elenco do art. 37º/2 a possibilidade dos particulares pedirem a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo, quando se preveja a emissão de um acto lesivo.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva o pedido de condenação à adopção de um acto administrativo não deve seguir a forma de processo da acção comum, mas antes especial (na modalidade de condenação à prática de acto administrativo devido, art. 66º e ss.), sob pena de deixar de fazer sentido o critério de delimitação dos meios processuais (arts. 37º e 46º).

O CPTA estabelece particularidades de regime quanto à legitimidade e ao prazo, quando estão em causa acções relativas a contratos (essencialmente quando respeitam à sua invalidade e execução).
A legitimidade quanto a estas acções vem prevista no art.40.º/1. 
Esta disposição do art.40.º é de extrema importância, visto que amplia a legitimidade para fazer valer a validade, total ou parcial, dos contratos celebrados pela Administração Pública e para suscitar questões relativas à execução desses contratos, bem para além das partes na relação contratual. 
A inovação é o alargamento desta legitimidade, que extravasou o âmbito das partes. Este alargamento tem o intuito de proteger terceiros, quer no tocante a contratos que tenham implicações com interesses comunitários relevantes, quer relativamente a contratos celebrados na sequência de concursos, ou mesmo quanto a contratos com efeitos externos.

No que concerne ao pedido de invalidação do contrato, pode este fundar-se em invalidade própria (exclusiva ou comum) ou em invalidade derivada de um procedimento pré-contratual (exemplos: casos da al.c)).

Quanto a prazos, estabelece o art.42.º/2 que “os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos no prazo de seis meses”, de forma a assegurar um período de estabilidade mínima e necessária.

Cabe finalizar a análise dos pedidos relativos a contratos com duas menções importantes que faz o Prof. Vieira de Andrade.
Primeiro, o CPTA veda que a possibilidade de a acção sobre contratos seja susceptível de impugnar um acto administrativo praticado em execução de um contrato: nestes casos há lugar a acção administrativa especial e não comum.
A outra questão é perceber qual dos tipos de acção tem lugar quando se pretenda obter a condenação da administração à pratica de um acto administrativo em cumprimento de um contrato que envolva o exercício de poderes públicos. Refere o Prof. Vieira de Andrade que, “tendo em conta a relevância decisiva do critério que distingue a acção comum da especial, concluí-se, por maioria de razão, que deve pedir-se a condenação da prática de um acto administrativo devido no âmbito da acção administrativa especial”, pois apesar da obrigação concreta decorrer de contrato, não altera o carácter substancial de autoridade e subordinação legal próprias de tal forma de actuação administrativa.

Exercício semelhante é feito a propósito dos pedidos relativos à responsabilidade civil. No seu âmbito cabem “questões sobre responsabilidade civil extra-contratual por actos (jurídicos ou materiais do Estado e dos demais entes públicos), mas também sobre  a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos, funcionários, agentes e servidores públicos, bem como dos sujeitos privados, e respectivos trabalhadores, a quem seja aplicável o regime específico da responsabilidade dos entes públicos”.

Em suma, a acção administrativa comum caracteriza-se por admitir a dedução de pedidos de condenação, de mera apreciação e constitutivos, sempre que não tenha sido emitido nem se pretenda a emissão de um acto administrativo ou de uma norma, não necessitando de tramitação específica.

A acção administrativa comum corresponde “ao meio processual que, podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebe no seu âmbito todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais”.

Concluindo, a acção administrativa comum é a forma de processo correspondente a todo e qualquer processo em que a pretensão é a condenação da Administração no cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, nem sejam pretensões de um dos dois processos urgentes que o CPTA prevê.


Bibliografia
“Elementos de Estudo de Contencioso Administrativo”, J.M. Sérvulo Correia, João Martins Claro, Alexandra Leitão

“A Justiça Administrativa (Lições)”,Prof.José Carlos Vieira de Andrade

“Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Prof. Vasco Pereira da Silva

“Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”

"O Novo Regime dos Processos nos Tribunais Administrativos", Mário Aroso Almeida


Laura Falcão
Nº19474




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