terça-feira, 18 de dezembro de 2012


Do Decretamento Provisório da Providência Cautelar


O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) instituiu, no artigo 131º, um regime especialmente célere de decretamento, a título provisório, de providências cautelares destinadas a tutelar «direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil» ou, em todo o caso, a dar resposta a situações de especial urgência.

Este mecanismo permite assegurar que, quando as circunstâncias o justifiquem, o tribunal conceda a providência cautelar imediatamente após a apresentação do pedido. O decretamento provisório é concedido logo no início do processo e destina-se a evitar o periculum in mora do processo cautelar, evitando os danos que possam resultar da demora desse processo. Trata-se, assim, de antecipar, a título provisório, e apenas para dar resposta a situações de especial urgência durante a pendência do processo cautelar, a concessão de uma providência que, depois, cumprirá decidir se também deve valer durante toda a pendência do processo principal.

Assim, nos termos e para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 131º CPTA, quando a providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades ou garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil pode o interessado pedir o decretamento provisório da providência.

Por seu turno, o juiz pode, segundo o disposto no nº 3 do mesmo artigo, colhidos os elementos a que tenha acesso imediato e sem quaisquer outras formalidades ou diligências, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, quando a petição permita reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado ou outra situação de especial urgência.

De acordo com o art. 131º/3 CPTA, o decretamento provisório tem lugar quando «a petição permita reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado ou outra situação de especial urgência». O preceito tutela, assim, as situações em que o tribunal dê razão à avaliação que o requerente faça a propósito da urgência, em petição concretamente dirigida ao decretamento provisório, que tenha apresentado ao abrigo do nº1. Mas também parece que o preceito pode ser interpretado no sentido de que, mesmo que o interessado se limite a pedir uma providência cautelar, nos termos do artigo 114º CPTA, sem requerer o seu decretamento provisório, o tribunal deve avançar para o decretamento provisório quando reconheça, atenta a gravidade da situação, que essa é a única via capaz de assegurar a tutela jurisdicional efectiva do requerente. Esta parece ser, no entendimento do Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a interpretação mais consentânea com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

De facto, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, nada justifica que o decretamento provisório tenha de ser pedido logo no próprio requerimento mediante o qual é intentado o processo cautelar, a que se refere o artigo 114º. Neste sentido, PAULO PEREIRA GOUVEIA e CARLOS ESTEVES CADILHA, consideram que não é de excluir que a evolução das circunstâncias na pendência do processo cautelar possa vir a exigir um decretamento provisório que não se justificava ab initio, isto é, no momento em que o processo cautelar foi intentado.

Posto isto, concluímos que o decretamento provisório não tem de ser requerido podendo, ao invés, ser decidido oficiosamente pelo juiz, por aplicação directa do nº 3 do artigo 131º CPTA, quando este, no despacho liminar (art. 116º CPTA) reconheça a existência de uma situação de especial urgência, designadamente pela possibilidade de lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou garantia. Em suma, da análise do artigo 131º/3 CPTA, resulta que o juiz deve poder decretar provisoriamente a providência requerida atendendo ao princípio da tutela jurisdicional efectiva.

        A aplicação deste instituto levanta inúmeras dificuldades. A primeira tem que ver com a própria estrutura do instituto ou, mais propriamente, com a articulação que, no artigo 131º é estabelecida entre duas fases sucessivas, que se encontram previstas, respectivamente, no seu nº 3 e no seu nº 6.

O decretamento provisório está previsto no nº 3 e tem lugar apenas quando se encontrem preenchidos os requisitos aí enunciados. Uma vez decretada a providência provisória, nos termos do nº 3, acrescenta, no entanto, o nº6 que «é dado às partes o prazo de 5 dias para se pronunciarem sobre a possibilidade do levantamento, manutenção ou alteração da providência, sendo, em seguida, o processo concluso, por cinco dias, ao juiz ou relator, para proferir decisão confirmando ou alterando o decidido». Ora, a questão que se coloca é a de saber qual é o sentido e o alcance deste procedimento, regulado no nº 6.

                Neste ponto cabe distinguir duas posições:

1)      A primeira é a de conceber o processo de decretamento provisório como um processo complexo, constituído por duas fases, sendo que, na primeira (regulada no nº 3), o tribunal, em apenas 48 horas e, regra geral, sem contraditório, «decreta a providência», e na segunda (regulada no nº 6), principalmente destinada a assegurar o contraditório (mas sem lugar à produção de prova), é dada ao juiz a possibilidade de rever a decisão tomada – tudo no pressuposto de que o decretamento provisório se destina a vigorar durante a pendência do processo cautelar e, portanto, de que, entretanto, se decidirá em que termos deverá ficar a situação regulada durante a pendência do processo principal;

2)      A segunda é a de conceber o processo de decretamento provisório como um processo unitário, isto é, constituído por uma única fase, que se esgota na pronúncia prevista no nº 3, e de ver já no nº 6 uma tramitação especial a que, nestes casos, ficará submetido o processo cautelar propriamente dito, em ordem a estabelecer se a providência provisoriamente decretada se deverá ou não manter durante a pendência do processo principal.

O Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA entende que, em princípio, a segunda tese seria a mais natural. Nas palavras do Professor, a simples circunstância de estarmos perante um instituto pensado para evitar o periculum in mora do processo cautelar, em ordem a evitar os danos que possam ocorrer na própria pendência desse processo levaria, à partida, a pensar que, a preverem-se dois momentos no artigo 131º CPTA, esses momentos haveriam de corresponder ao decretamento provisório, que está indubitavelmente previsto no nº 3 e, depois, no nº 6, ao do eventual decretamento definitivo, que, pondo termo ao processo cautelar, determinaria em que termos deveria ficar regulada a situação durante toda a pendência do processo principal.

Contudo, o Professor reconhece, dada a configuração restrita do regime do artigo 131º/6 CPTA, que não terá sido essa a intenção do legislador. Pelo contrário, o legislador instituiu um processo de decretamento provisório composto por duas fases, sem prejuízo do processo cautelar propriamente dito. Na verdade, a tramitação prevista no nº 6 não parece capaz de comportar, sem adaptações que o preceito não admite, as indagações e valorações que são próprias de um processo cautelar. Deste modo, concluímos que, como o nº 3 dá apenas 48 horas ao juiz para decidir, num primeiro momento, sobre o decretamento provisório, e o nº 4 parece admitir que, por regra, o decretamento proferido nessas circunstâncias tenha lugar sem contraditório, o nº 6 terá sobretudo o propósito de dar ao juiz, ainda em sede de decretamento provisório, a oportunidade de rever a sua decisão, uma vez assegurado o contraditório.

Em suma, o processo de decretamento provisório de providências cautelares estrutura-se em duas fases, tal como reguladas ao longo do artigo 131º CPTA. Como tal, a decisão que, no âmbito desse processo, ao juiz cumpre proferir no termo da segunda fase, segundo o disposto no artigo 131º/6 CPTA, não prejudica o subsequente desenvolvimento do processo cautelar, processo em relação ao qual o decretamento provisório funcionou como um preliminar ou incidente.

                O instituto ora em análise coloca ainda a importante questão de saber quais os critérios em que deve assentar o decretamento provisório da providência.

           Da conjugação do disposto no artigo 131º/1 e 3 resulta que o decretamento provisório da providência requer a «possibilidade de lesão iminente e irreversível» de um direito, liberdade ou garantia «ou outra situação de especial urgência». Esta fórmula - «situação de especial urgência» - necessita de ser concretizada, de modo a obviar a que a sua densificação seja feita em termos tais que permitam a banalização de um mecanismo que, pelo excepcional grau de exigência que a sua celeridade impõe ao tribunal, deve ter um âmbito restrito de aplicação.

              O professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA defende que a utilização da fórmula «outra situação de especial urgência» dá a entender que o legislador reconhece, desde logo, que existe uma situação de «especial urgência» quando há a possibilidade de lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou garantia e pretende estender o mesmo regime de protecção a outras situações análogas, ou seja, a outras situações em que se verifique a possibilidade de consumação de uma lesão iminente e irreversível.

           O professor conclui, portanto, que está aqui presente um dos dois requisitos de que, em termos gerais, o artigo 120º/1 CPTA, faz depender, nas suas alíneas b) e c), a concessão de providências cautelares: o periculum in mora, que se concretiza no perigo de uma lesão irreversível. Acresce, contudo, que no âmbito do decretamento provisório, o periculum in mora tem de ser qualificado, uma vez que não se reporta apenas à morosidade do processo principal, mas à morosidade do próprio processo cautelar. Dir-se-á, portanto, que este mecanismo permite evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar e que, nesse sentido, visa assegurar a utilidade da decisão final a proferir no processo cautelar, garantindo aos interessados a possibilidade de obterem o decretamento provisório de uma providência cautelar, sempre que a situação carecida de tutela não se compadeça com o decurso normal inerente ao andamento processual do processo cautelar. Deste modo se justifica que o preceito associe ao perigo de uma lesão irreversível o perigo de uma lesão iminente. A ocorrência tem, na verdade, de estar iminente, por dias ou semanas. Só deste modo se compreende que a efectividade da tutela exija a adopção de uma providência destinada a vigorar já durante a própria pendência do processo cautelar.

         O professor defende ainda que o juiz não deve deixar de atender, no âmbito da decisão que lhe cumpre proferir nos termos do artigo 131º/6, aos demais critérios de decisão que são enunciados no artigo 120º. A tal não se opõe a circunstância de, no âmbito deste processo, o juiz não poder dispor de todos os elementos. Esta realidade determina tão-somente, atenta a gravidade dos interesses do requerente, que o decretamento provisório só deva ser recusado, por razões que manifestamente se contraponham ao periculum in mora.

Diversamente, JORGE MANUEL LOPES DE SOUSA, defende que, não havendo fundamento para rejeição liminar, o decretamento provisório da providência cautelar dependerá apenas da existência de periculum in mora e da sua iminência. Assim, o juiz deve perguntar-se o seguinte: «se não decretar imediatamente a providência e o autor, a final, vier a obter o sucesso no meio processual principal, o seu direito ou interesse legítimo poderá ficar irreversivelmente prejudicado, por não ser viável reconstituir a situação que existiria se esse direito ou interesse não tivesse sido lesado?».

           O artigo 131º CPTA tem em vista situações que requeiram a imediata concessão de uma providência cautelar, sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal e até sem prejuízo da decisão definitiva que, a respeito da manutenção ou não da providência provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar. Podemos dizer, portanto, que este instituto se aplica àquelas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é necessária para proteger o direito, liberdade ou garantia, na medida em que é, para o efeito, suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada.

         Situação paradigmática do decretamento provisório de uma providência cautelar, para efeitos do artigo 131º, é, no entendimento do professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a situação de recusa de visto de permanência de uma pessoa no território nacional. A questão não tem de ser decidida de imediato e compadece-se perfeitamente com uma definição cautelar. Deste modo, se o tribunal emitir, com a maior urgência e mesmo a título provisório uma providência cautelar para que a pessoa permaneça em território nacional, ele não está, por essa via, a dar em definitivo o que só à sentença final cumpre proporcionar. Ao invés, a pessoa pode permanecer em território nacional durante todo o tempo em que esteja pendente o processo principal e vir a ser expulsa se esse processo vier a ser julgado improcedente.

                Por último, importa ainda atentar na articulação do regime do artigo 131º CPTA com o regime do artigo 109º CPTA, que prevê a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. A questão que se coloca é essencialmente a de saber, quando estejam em causa direitos, liberdades ou garantias, em que ponto radica a delimitação entre o campo de aplicação de um e outro regime.

Em jeito de introdução, podemos referir que a intimação urgente foi, de certa forma, concebida para suprir as insuficiências inerentes a um processo cautelar, que resultam precisamente de ele ser cautelar, provisório e instrumental.

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias constitui um processo urgente e principal, caracterizado por uma tramitação sumária e dirigido à produção de uma sentença de mérito e, como tal, definitiva. Este processo deve ser utilizado, como refere FERNANDA MAÇAS, «quando for indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade ou garantia, e não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar».

Deste modo, se o particular não puder aguardar que o juiz de uma causa principal se pronuncie sobre a situação requerida, sob pena de ver lesados os seus direitos, liberdades ou garantias, deverá lançar mão do instituto da intimação urgente. Neste sentido, não é coerente recorrer-se ao decretamento provisório quando o mérito da causa deva ser decidido de forma imediata e definitiva, isto é, quando a própria natureza das coisas não se compadeça com uma definição cautelar.

O decretamento provisório da providência cautelar que se destina a tutelar direitos, liberdades e garantias, inscreve-se no âmbito de uma decisão urgente, mas que se satisfaz com uma decisão provisória, até que, no âmbito do processo principal, se decida definitivamente a questão de fundo. Trata-se de uma composição provisória e instrumental do litígio, que se mostra suficiente para proteger os direitos, liberdades e garantias em causa, desde que a providência seja decretada com a máxima urgência, imediatamente após o pedido. Assim, ao contrário da intimação urgente, o decretamento provisório é um processo que se caracteriza essencialmente pela sua provisoriedade e instrumentalidade.

Diversamente, no artigo 109º cabem aquelas situações em que é urgente a obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.

Questão pertinente que importa colocar é a de saber qual deve ser a decisão do juiz quando venha a constatar que, em concreto, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual mais adequado para uma determinada causa.

A doutrina tem entendido que o pedido formulado deve, nestes casos, ser requalificado como pedido cautelar, ou seja, o juiz deve convolar oficiosamente o processo de intimação em processo cautelar e, sendo caso disso, com decretamento provisório.

Por outro lado, pode o interessado pedir o decretamento da providência cautelar, quando os efeitos por ele pretendidos apenas possam ser obtidos mediante a prolação de uma decisão urgente. Nestes casos, caberá distinguir duas situações:

1)      A primeira corresponde à situação em que o juiz constata, após o recebimento da petição inicial de decretamento da providência cautelar, que este não é o meio processual adequado à tutela dos interesses em litígio, razão pela qual, no despacho liminar, convola o processo cautelar em processo de intimação;

2)      A segunda corresponde à situação em que a necessidade de conhecimento urgente do mérito da causa só se torna evidente depois da citação do requerido. Nesta situação tem aplicação o expediente consagrado no artigo 121º, que permite antecipar o juízo sobre a causa principal, pressupondo que estejam reunidos os requisitos aí previstos.

É, pois, coerente afirmar que a problemática da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias acaba, em última análise, por se reconduzir à questão de saber, em concreto, quando é que as pronúncias de mérito são necessárias para acautelar os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados ou se estes, pelo contrário, admitem uma mera pronúncia provisória e instrumental, providenciada pela tutela cautelar urgente.

Inversamente, sempre que o juiz for chamado a decidir uma intimação para protecção de direitos liberdades e garantias e verifique não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação deste meio processual por «ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º, o juiz deve proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para efeitos do disposto no artigo 131º. Esta actuação enquadra-se no âmbito do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do imperativo constitucional relativo à efectividade dos direitos, liberdades e garantias.


Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de; «O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos», 4ª edição, Almedina, 2005.

SOUSA, Jorge Manuel Lopes de; «Notas práticas sobre o decretamento provisório de providências cautelares», Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47.

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina.

MAÇÃS, Fernanda; «Meios urgentes e tutela cautelar – perplexidade quanto ao sentido e alcance de alguns mecanismos de tutela urgente», A nova justiça administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006.

GOUVEIA, Paulo Pereira; «As realidades da nova tutela cautelar administrativa», Cadernos de Justiça Administrativa, nº 55.


Andreia Fragoso
Nº 19509

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