Do Decretamento
Provisório da Providência Cautelar
O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) instituiu,
no artigo 131º, um regime especialmente célere de decretamento, a título
provisório, de providências cautelares destinadas a tutelar «direitos,
liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo
útil» ou, em todo o caso, a dar resposta a situações de especial urgência.
Este mecanismo permite assegurar que, quando as circunstâncias o
justifiquem, o tribunal conceda a providência cautelar imediatamente após a
apresentação do pedido. O decretamento provisório é concedido logo no início do
processo e destina-se a evitar o periculum in mora do processo cautelar,
evitando os danos que possam resultar da demora desse processo. Trata-se,
assim, de antecipar, a título provisório, e apenas para dar resposta a
situações de especial urgência durante a pendência do processo cautelar, a
concessão de uma providência que, depois, cumprirá decidir se também deve valer
durante toda a pendência do processo principal.
Assim, nos termos e para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 131º CPTA,
quando a providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades ou
garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil pode o
interessado pedir o decretamento provisório da providência.
Por seu turno, o juiz pode, segundo o disposto no nº 3 do mesmo artigo,
colhidos os elementos a que tenha acesso imediato e sem quaisquer outras
formalidades ou diligências, decretar provisoriamente a providência requerida
ou aquela que julgue mais adequada, quando a petição permita reconhecer a
possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou
garantia invocado ou outra situação de especial urgência.
De acordo com o art. 131º/3 CPTA, o decretamento provisório tem lugar
quando «a petição permita reconhecer a possibilidade de lesão iminente e
irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado ou outra situação de
especial urgência». O preceito tutela, assim, as situações em que o tribunal dê
razão à avaliação que o requerente faça a propósito da urgência, em petição
concretamente dirigida ao decretamento provisório, que tenha apresentado ao
abrigo do nº1. Mas também parece que o preceito pode ser interpretado no
sentido de que, mesmo que o interessado se limite a pedir uma providência
cautelar, nos termos do artigo 114º CPTA, sem requerer o seu decretamento
provisório, o tribunal deve avançar para o decretamento provisório quando
reconheça, atenta a gravidade da situação, que essa é a única via capaz de
assegurar a tutela jurisdicional efectiva do requerente. Esta parece ser, no
entendimento do Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a interpretação mais
consentânea com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
De facto, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, nada
justifica que o decretamento provisório tenha de ser pedido logo no próprio
requerimento mediante o qual é intentado o processo cautelar, a que se refere o
artigo 114º. Neste sentido, PAULO PEREIRA GOUVEIA e CARLOS ESTEVES CADILHA,
consideram que não é de excluir que a evolução das circunstâncias na pendência
do processo cautelar possa vir a exigir um decretamento provisório que não se
justificava ab initio, isto é, no momento em que o processo cautelar foi
intentado.
Posto isto, concluímos que o decretamento provisório não tem de ser
requerido podendo, ao invés, ser decidido oficiosamente pelo juiz, por
aplicação directa do nº 3 do artigo 131º CPTA, quando este, no despacho liminar
(art. 116º CPTA) reconheça a existência de uma situação de especial urgência,
designadamente pela possibilidade de lesão iminente e irreversível de um
direito, liberdade ou garantia. Em suma, da análise do artigo 131º/3 CPTA,
resulta que o juiz deve poder decretar provisoriamente a providência requerida
atendendo ao princípio da tutela jurisdicional efectiva.
A aplicação deste instituto
levanta inúmeras dificuldades. A primeira tem que ver com a própria estrutura
do instituto ou, mais propriamente, com a articulação que, no artigo 131º é
estabelecida entre duas fases sucessivas, que se encontram previstas,
respectivamente, no seu nº 3 e no seu nº 6.
O decretamento provisório está previsto no nº 3 e tem lugar apenas quando
se encontrem preenchidos os requisitos aí enunciados. Uma vez decretada a
providência provisória, nos termos do nº 3, acrescenta, no entanto, o nº6 que
«é dado às partes o prazo de 5 dias para se pronunciarem sobre a possibilidade
do levantamento, manutenção ou alteração da providência, sendo, em seguida, o
processo concluso, por cinco dias, ao juiz ou relator, para proferir decisão
confirmando ou alterando o decidido». Ora, a questão que se coloca é a de saber
qual é o sentido e o alcance deste procedimento, regulado no nº 6.
Neste ponto cabe distinguir duas
posições:
1) A
primeira é a de conceber o processo de decretamento provisório como um processo
complexo, constituído por duas fases, sendo que, na primeira (regulada no nº
3), o tribunal, em apenas 48 horas e, regra geral, sem contraditório, «decreta
a providência», e na segunda (regulada no nº 6), principalmente destinada a
assegurar o contraditório (mas sem lugar à produção de prova), é dada ao juiz a
possibilidade de rever a decisão tomada – tudo no pressuposto de que o
decretamento provisório se destina a vigorar durante a pendência do processo
cautelar e, portanto, de que, entretanto, se decidirá em que termos deverá
ficar a situação regulada durante a pendência do processo principal;
2) A
segunda é a de conceber o processo de decretamento provisório como um processo unitário,
isto é, constituído por uma única fase, que se esgota na pronúncia prevista no
nº 3, e de ver já no nº 6 uma tramitação especial a que, nestes casos, ficará
submetido o processo cautelar propriamente dito, em ordem a estabelecer se a
providência provisoriamente decretada se deverá ou não manter durante a pendência
do processo principal.
O Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA entende que, em princípio, a segunda
tese seria a mais natural. Nas palavras do Professor, a simples circunstância
de estarmos perante um instituto pensado para evitar o periculum in mora do
processo cautelar, em ordem a evitar os danos que possam ocorrer na própria
pendência desse processo levaria, à partida, a pensar que, a preverem-se dois
momentos no artigo 131º CPTA, esses momentos haveriam de corresponder ao
decretamento provisório, que está indubitavelmente previsto no nº 3 e, depois,
no nº 6, ao do eventual decretamento definitivo, que, pondo termo ao processo
cautelar, determinaria em que termos deveria ficar regulada a situação durante
toda a pendência do processo principal.
Contudo, o Professor reconhece, dada a configuração restrita do regime do
artigo 131º/6 CPTA, que não terá sido essa a intenção do legislador. Pelo
contrário, o legislador instituiu um processo de decretamento provisório
composto por duas fases, sem prejuízo do processo cautelar propriamente dito.
Na verdade, a tramitação prevista no nº 6 não parece capaz de comportar, sem adaptações
que o preceito não admite, as indagações e valorações que são próprias de um
processo cautelar. Deste modo, concluímos que, como o nº 3 dá apenas 48 horas
ao juiz para decidir, num primeiro momento, sobre o decretamento provisório, e
o nº 4 parece admitir que, por regra, o decretamento proferido nessas
circunstâncias tenha lugar sem contraditório, o nº 6 terá sobretudo o propósito
de dar ao juiz, ainda em sede de decretamento provisório, a oportunidade de
rever a sua decisão, uma vez assegurado o contraditório.
Em suma, o processo de decretamento provisório de providências cautelares
estrutura-se em duas fases, tal como reguladas ao longo do artigo 131º CPTA.
Como tal, a decisão que, no âmbito desse processo, ao juiz cumpre proferir no
termo da segunda fase, segundo o disposto no artigo 131º/6 CPTA, não prejudica
o subsequente desenvolvimento do processo cautelar, processo em relação ao qual
o decretamento provisório funcionou como um preliminar ou incidente.
O instituto ora em análise
coloca ainda a importante questão de saber quais os critérios em que deve
assentar o decretamento provisório da providência.
Da conjugação do disposto no
artigo 131º/1 e 3 resulta que o decretamento provisório da providência requer a
«possibilidade de lesão iminente e irreversível» de um direito, liberdade ou
garantia «ou outra situação de especial urgência». Esta fórmula - «situação de
especial urgência» - necessita de ser concretizada, de modo a obviar a que a
sua densificação seja feita em termos tais que permitam a banalização de um
mecanismo que, pelo excepcional grau de exigência que a sua celeridade impõe ao
tribunal, deve ter um âmbito restrito de aplicação.
O professor MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA defende que a utilização da fórmula «outra situação de especial
urgência» dá a entender que o legislador reconhece, desde logo, que existe uma
situação de «especial urgência» quando há a possibilidade de lesão iminente e
irreversível de um direito, liberdade ou garantia e pretende estender o mesmo
regime de protecção a outras situações análogas, ou seja, a outras situações em
que se verifique a possibilidade de consumação de uma lesão iminente e
irreversível.
O professor conclui, portanto,
que está aqui presente um dos dois requisitos de que, em termos gerais, o artigo
120º/1 CPTA, faz depender, nas suas alíneas b) e c), a concessão de providências
cautelares: o periculum in mora, que se concretiza no perigo de uma lesão
irreversível. Acresce, contudo, que no âmbito do decretamento provisório, o
periculum in mora tem de ser qualificado, uma vez que não se reporta apenas à
morosidade do processo principal, mas à morosidade do próprio processo
cautelar. Dir-se-á, portanto, que este mecanismo permite evitar o periculum in
mora do próprio processo cautelar e que, nesse sentido, visa assegurar a
utilidade da decisão final a proferir no processo cautelar, garantindo aos
interessados a possibilidade de obterem o decretamento provisório de uma
providência cautelar, sempre que a situação carecida de tutela não se compadeça
com o decurso normal inerente ao andamento processual do processo cautelar. Deste
modo se justifica que o preceito associe ao perigo de uma lesão irreversível o
perigo de uma lesão iminente. A ocorrência tem, na verdade, de estar iminente,
por dias ou semanas. Só deste modo se compreende que a efectividade da tutela
exija a adopção de uma providência destinada a vigorar já durante a própria
pendência do processo cautelar.
O professor defende ainda que o
juiz não deve deixar de atender, no âmbito da decisão que lhe cumpre proferir
nos termos do artigo 131º/6, aos demais critérios de decisão que são enunciados
no artigo 120º. A tal não se opõe a circunstância de, no âmbito deste processo,
o juiz não poder dispor de todos os elementos. Esta realidade determina tão-somente,
atenta a gravidade dos interesses do requerente, que o decretamento provisório
só deva ser recusado, por razões que manifestamente se contraponham ao
periculum in mora.
Diversamente, JORGE MANUEL LOPES DE SOUSA, defende que, não havendo
fundamento para rejeição liminar, o decretamento provisório da providência
cautelar dependerá apenas da existência de periculum in mora e da sua
iminência. Assim, o juiz deve perguntar-se o seguinte: «se não decretar
imediatamente a providência e o autor, a final, vier a obter o sucesso no meio
processual principal, o seu direito ou interesse legítimo poderá ficar
irreversivelmente prejudicado, por não ser viável reconstituir a situação que
existiria se esse direito ou interesse não tivesse sido lesado?».
O artigo 131º CPTA tem em vista
situações que requeiram a imediata concessão de uma providência cautelar, sem
prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal e até sem
prejuízo da decisão definitiva que, a respeito da manutenção ou não da providência
provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar. Podemos
dizer, portanto, que este instituto se aplica àquelas situações em que a célere
emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é necessária para proteger o
direito, liberdade ou garantia, na medida em que é, para o efeito, suficiente o
decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a
providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o momento em
que seja solicitada.
Situação paradigmática do
decretamento provisório de uma providência cautelar, para efeitos do artigo
131º, é, no entendimento do professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a situação de
recusa de visto de permanência de uma pessoa no território nacional. A questão
não tem de ser decidida de imediato e compadece-se perfeitamente com uma
definição cautelar. Deste modo, se o tribunal emitir, com a maior urgência e
mesmo a título provisório uma providência cautelar para que a pessoa permaneça
em território nacional, ele não está, por essa via, a dar em definitivo o que
só à sentença final cumpre proporcionar. Ao invés, a pessoa pode permanecer em
território nacional durante todo o tempo em que esteja pendente o processo
principal e vir a ser expulsa se esse processo vier a ser julgado improcedente.
Por último, importa ainda
atentar na articulação do regime do artigo 131º CPTA com o regime do artigo
109º CPTA, que prevê a intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias. A questão que se coloca é essencialmente a de saber, quando estejam
em causa direitos, liberdades ou garantias, em que ponto radica a delimitação
entre o campo de aplicação de um e outro regime.
Em jeito de introdução, podemos referir que a intimação urgente foi, de
certa forma, concebida para suprir as insuficiências inerentes a um processo
cautelar, que resultam precisamente de ele ser cautelar, provisório e
instrumental.
A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias constitui
um processo urgente e principal, caracterizado por uma tramitação sumária e
dirigido à produção de uma sentença de mérito e, como tal, definitiva. Este
processo deve ser utilizado, como refere FERNANDA MAÇAS, «quando for
indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito,
liberdade ou garantia, e não seja possível ou suficiente o decretamento
provisório de uma providência cautelar».
Deste modo, se o particular não puder aguardar que o juiz de uma causa
principal se pronuncie sobre a situação requerida, sob pena de ver lesados os
seus direitos, liberdades ou garantias, deverá lançar mão do instituto da
intimação urgente. Neste sentido, não é coerente recorrer-se ao decretamento
provisório quando o mérito da causa deva ser decidido de forma imediata e
definitiva, isto é, quando a própria natureza das coisas não se compadeça com
uma definição cautelar.
O decretamento provisório da providência cautelar que se destina a
tutelar direitos, liberdades e garantias, inscreve-se no âmbito de uma decisão
urgente, mas que se satisfaz com uma decisão provisória, até que, no âmbito do
processo principal, se decida definitivamente a questão de fundo. Trata-se de
uma composição provisória e instrumental do litígio, que se mostra suficiente
para proteger os direitos, liberdades e garantias em causa, desde que a
providência seja decretada com a máxima urgência, imediatamente após o pedido.
Assim, ao contrário da intimação urgente, o decretamento provisório é um
processo que se caracteriza essencialmente pela sua provisoriedade e
instrumentalidade.
Diversamente, no artigo 109º cabem aquelas situações em que é urgente a
obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.
Questão pertinente que importa colocar é a de saber qual deve ser a
decisão do juiz quando venha a constatar que, em concreto, a intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual mais
adequado para uma determinada causa.
A doutrina tem entendido que o pedido formulado deve, nestes casos, ser
requalificado como pedido cautelar, ou seja, o juiz deve convolar oficiosamente
o processo de intimação em processo cautelar e, sendo caso disso, com
decretamento provisório.
Por outro lado, pode o interessado pedir o decretamento da providência
cautelar, quando os efeitos por ele pretendidos apenas possam ser obtidos
mediante a prolação de uma decisão urgente. Nestes casos, caberá distinguir
duas situações:
1) A
primeira corresponde à situação em que o juiz constata, após o recebimento da
petição inicial de decretamento da providência cautelar, que este não é o meio
processual adequado à tutela dos interesses em litígio, razão pela qual, no
despacho liminar, convola o processo cautelar em processo de intimação;
2) A
segunda corresponde à situação em que a necessidade de conhecimento urgente do
mérito da causa só se torna evidente depois da citação do requerido. Nesta
situação tem aplicação o expediente consagrado no artigo 121º, que permite
antecipar o juízo sobre a causa principal, pressupondo que estejam reunidos os
requisitos aí previstos.
É, pois, coerente afirmar que a problemática da subsidiariedade da
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias acaba, em última
análise, por se reconduzir à questão de saber, em concreto, quando é que as
pronúncias de mérito são necessárias para acautelar os direitos e interesses
legalmente protegidos dos administrados ou se estes, pelo contrário, admitem
uma mera pronúncia provisória e instrumental, providenciada pela tutela
cautelar urgente.
Inversamente, sempre que o juiz for chamado a decidir uma intimação para
protecção de direitos liberdades e garantias e verifique não se encontrarem
preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação deste meio processual
por «ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento
provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º, o
juiz deve proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para
efeitos do disposto no artigo 131º. Esta actuação enquadra-se no âmbito do
princípio da tutela jurisdicional efectiva e do imperativo constitucional
relativo à efectividade dos direitos, liberdades e garantias.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário
Aroso de; «O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos», 4ª edição,
Almedina, 2005.
SOUSA, Jorge
Manuel Lopes de; «Notas práticas sobre o decretamento provisório de
providências cautelares», Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47.
MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA – CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, «Comentário ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos», Almedina.
MAÇÃS, Fernanda;
«Meios urgentes e tutela cautelar – perplexidade quanto ao sentido e alcance de
alguns mecanismos de tutela urgente», A nova justiça administrativa, Centro de
Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006.
GOUVEIA, Paulo
Pereira; «As realidades da nova tutela cautelar administrativa», Cadernos de
Justiça Administrativa, nº 55.
Andreia Fragoso
Nº 19509
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