quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Âmbito de aplicação da intimação para protecção de direitos fundamentais



O âmbito de aplicação da Intimação para protecção de direitos fundamentais:
            Este meio processual inspira-se num meio congénere do Direito Espanhol e no référé-liberté do Direito Francês.
            Estando previsto no artigo 109º do CPTA a questão que se coloca é a seguinte: aplica-se apenas a direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal; a direitos liberdade e garantias estabelecidos como tal pela Constituição da República Portuguesa; ou será que se aplica a todos os direitos fundamentais?
            São conhecidas, pelo menos, duas posições - expostas infra, partindo do correspondente argumento utilizado:
i.                    Argumento de ordem restritiva – resultante da conjugação entre o artigo 109º e o artigo 20º/5 CRP – alguns autores e jurisprudência minoritária consideram que este mecanismo é restrito aos direitos, liberdades e garantias pessoais (Professora Carla Amado Gomes).
Crítica do Professor Vasco Pereira da Silva a esta tese: o legislador ao concretizar a Constituição pode ir além do que esta estabelece e foi isso que efectivamente fez pois nas normas do CPTA não consta nenhuma referência a direitos, liberdades e garantias pessoais – a lógica do mecanismo (reagir de forma urgente contra violações de direitos) aponta para a condenação (intimação corresponde a uma acção de condenação) e como tal é um mecanismo que não foi pensado para concretizar o artigo 20º/5 CRP e ainda que se considere que o concretiza em parte, tal não significa que o legislador ordinário não possa ir além da CRP.
ii.                  Argumento literalista quanto à previsão do CPTA – há autores que consideram que esta intimação só se aplica a direitos, liberdades e garantias, considerados como tal pela Constituição (Professor Viera de Andrade).
Crítica do Professor Vasco Pereira da Silva: considera a aplicabilidade deste mecanismo a todos os direitos fundamentais –entende o Professor que a distinção entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos e sociais é equívoca. À semelhança do Direito Alemão, os direitos fundamentais são simultaneamente direitos subjectivos e consubstanciam, ainda, uma estrutura objectiva que obriga a Administração Pública na adoptação determinados comportamentos. É necessário distinguir a propósito de todos os direitos (seja o direito à liberdade de expressão, seja o direito à saúde, por exemplo) aquilo que é um direito de defesa – este direito de defesa existe quanto a todos os direitos fundamentais. Isto é, para o Professor, os particulares têm direito a defender as suas esferas jurídicas seja qual for a geração do direito violado. Todos os direitos têm uma certa natureza programática, o que implica uma concretização por parte do legislador ordinário. Um direito fundamental é um direito subjectivo enquanto direito de defesa e enquanto ordem para comportamentos vinculados. Tudo o que seja vinculado não corresponde a direito enquanto subjectivo mas sim enquanto estrutura objectiva. Enfim, para o Professor a distinção entre direitos, liberdades e garantias e direitos sociais não se justifica – assim, este mecanismo aplica-se a qualquer direito fundamental.  
iii.                Já a Doutrina Tradicional (Professor Jorge Miranda) entende que a intimação em análise tutela os direitos, liberdades, garantias e outros direitos de natureza análoga – sendo que para tutela destes direitos é possível ir a Tribunal.
Crítica do Professor Vasco Pereira da Silva: Esses outros direitos que não são tutelados directa e imediatamente são protegidos através da criação de metas que permitem ao legislador estabelecer uma política pública com um determinado grau de discricionariedade.  

- A posição do Professor Vasco Pereira da Silva e seus argumentos:
            A figura do artigo 109º do CPTA protege direitos subjectivos e direitos fundamentais – ou seja, tudo aquilo que obriga os poderes públicos a actuar, no âmbito da concretização de direitos fundamentais, já não é direito de defesa, é uma realidade que fixa metas para comportamentos da Administração.
Ou seja, o problema não é dos direitos – o que se passa é que há uns direitos que permitem uma tutela directa e imediata, mas tal não obsta a que outros direitos (como a propriedade, a liberdade de expressão e a saúde, por exemplo) sejam tuteláveis jurisdicionalmente.
            Nestes termos há um direito subjectivo naquilo que corresponde a um direito de defesa e naquilo que corresponde a um poder vinculado – para o Professor o facto de haver uma vinculação a determinado comportamento (ex.: no direito à saúde a CRP exige que exista um serviço nacional de saúde) também consubstancia um direito subjectivo.
            Assim, deitando mão ao exemplo do serviço nacional de saúde – se uma Lei viesse abolir o serviço nacional de saúde seria inconstitucional, pois a exigência de existência deste serviço é um direito subjectivo. Já se uma Lei viesse estabelecer que o serviço nacional de saúde passa a ser configurado de uma forma diferente, aí já não era um direito subjectivo que estava em causa mas sim uma determinação da estrutura objectiva.
            Enfim, esta intimação deve aplicar-se a todos os direitos fundamentais.

Por fim, este mecanismo tem um âmbito de aplicação próprio/específico que se distingue do âmbito de aplicação derivado. Do ponto de vista temporal, tem de haver uma agressão instantânea, que aconteça num determinado momento, pois nesse caso o único mecanismo utilizável é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Contrariamente, se for uma ameaça/acto de/com efeitos duradouros a questão é discutível.
Esta distinção entre uma situação em que há um único meio disponível e aquelas situações em que há um meio alternativo, é uma distinção que corresponde à existência de um âmbito de aplicação próprio e um âmbito de aplicação dinamizado/derivado.
Ou seja, tudo depende da estratégia processual.

Quanto ao 109º nº 2 - este instrumento pode ser utilizado para fazer cessar uma actuação que esteja a lesar a esfera do particular – particular pode utilizar o mecanismo quer contra a Autoridade Pública, quer contra outros particulares. 

Ana Miranda
nº 19457


BIBLIOGRAFIA:

SILVA, Vasco Pereira da em A Cultura a que tenho Direito - Direitos Fundamentais e Cultura, Almedina, 2007

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