O âmbito de aplicação da Intimação
para protecção de direitos fundamentais:
Este meio processual inspira-se num
meio congénere do Direito Espanhol e no référé-liberté
do Direito Francês.
Estando previsto no artigo 109º do
CPTA a questão que se coloca é a seguinte: aplica-se apenas a direitos,
liberdades e garantias de natureza pessoal; a direitos liberdade e garantias estabelecidos
como tal pela Constituição da República Portuguesa; ou será que se aplica a
todos os direitos fundamentais?
São conhecidas, pelo menos, duas
posições - expostas infra, partindo
do correspondente argumento utilizado:
i.
Argumento de ordem restritiva – resultante da
conjugação entre o artigo 109º e o artigo 20º/5 CRP – alguns autores e
jurisprudência minoritária consideram que este mecanismo é restrito aos
direitos, liberdades e garantias pessoais (Professora Carla Amado Gomes).
Crítica do Professor Vasco Pereira da Silva a
esta tese: o legislador ao concretizar a Constituição pode ir além do que esta
estabelece e foi isso que efectivamente fez pois nas normas do CPTA não consta
nenhuma referência a direitos, liberdades e garantias pessoais – a lógica do
mecanismo (reagir de forma urgente contra violações de direitos) aponta para a
condenação (intimação corresponde a uma acção de condenação) e como tal é um
mecanismo que não foi pensado para concretizar o artigo 20º/5 CRP e ainda que
se considere que o concretiza em parte, tal não significa que o legislador
ordinário não possa ir além da CRP.
ii.
Argumento literalista quanto à previsão do CPTA –
há autores que consideram que esta intimação só se aplica a direitos,
liberdades e garantias, considerados como tal pela Constituição (Professor
Viera de Andrade).
Crítica do Professor Vasco Pereira da Silva: considera
a aplicabilidade deste mecanismo a todos os direitos fundamentais –entende o
Professor que a distinção entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos
e sociais é equívoca. À semelhança do Direito Alemão, os direitos fundamentais
são simultaneamente direitos subjectivos e consubstanciam, ainda, uma estrutura
objectiva que obriga a Administração Pública na adoptação determinados
comportamentos. É necessário distinguir a propósito de todos os direitos (seja
o direito à liberdade de expressão, seja o direito à saúde, por exemplo) aquilo
que é um direito de defesa – este direito de defesa existe quanto a todos os
direitos fundamentais. Isto é, para o Professor, os particulares têm direito a
defender as suas esferas jurídicas seja qual for a geração do direito violado. Todos
os direitos têm uma certa natureza programática, o que implica uma
concretização por parte do legislador ordinário. Um direito fundamental é um
direito subjectivo enquanto direito de defesa e enquanto ordem para
comportamentos vinculados. Tudo o que seja vinculado não corresponde a direito
enquanto subjectivo mas sim enquanto estrutura objectiva. Enfim, para o Professor
a distinção entre direitos, liberdades e garantias e direitos sociais não se
justifica – assim, este mecanismo aplica-se a qualquer direito fundamental.
iii.
Já a Doutrina Tradicional (Professor Jorge
Miranda) entende que a intimação em análise tutela os direitos, liberdades, garantias
e outros direitos de natureza análoga – sendo que para tutela destes direitos é
possível ir a Tribunal.
Crítica do Professor Vasco Pereira da Silva: Esses
outros direitos que não são tutelados directa e imediatamente são protegidos
através da criação de metas que permitem ao legislador estabelecer uma política
pública com um determinado grau de discricionariedade.
- A posição do Professor Vasco
Pereira da Silva e seus argumentos:
A figura do artigo 109º do CPTA protege
direitos subjectivos e direitos fundamentais – ou seja, tudo aquilo que obriga os
poderes públicos a actuar, no âmbito da concretização de direitos fundamentais,
já não é direito de defesa, é uma realidade que fixa metas para comportamentos
da Administração.
Ou
seja, o problema não é dos direitos – o que se passa é que há uns direitos que
permitem uma tutela directa e imediata, mas tal não obsta a que outros direitos
(como a propriedade, a liberdade de expressão e a saúde, por exemplo) sejam
tuteláveis jurisdicionalmente.
Nestes termos há um direito
subjectivo naquilo que corresponde a um direito de defesa e naquilo que corresponde
a um poder vinculado – para o Professor o facto de haver uma vinculação a
determinado comportamento (ex.: no direito à saúde a CRP exige que exista um
serviço nacional de saúde) também consubstancia um direito subjectivo.
Assim, deitando mão ao exemplo do serviço nacional de saúde – se uma Lei
viesse abolir o serviço nacional de saúde seria inconstitucional, pois a
exigência de existência deste serviço é um direito subjectivo. Já se uma Lei
viesse estabelecer que o serviço nacional de saúde passa a ser configurado de
uma forma diferente, aí já não era um direito subjectivo que estava em causa
mas sim uma determinação da estrutura objectiva.
Enfim, esta intimação deve
aplicar-se a todos os direitos fundamentais.
Por
fim, este mecanismo tem um âmbito de
aplicação próprio/específico que se distingue do âmbito de aplicação
derivado. Do ponto de vista temporal, tem de haver uma agressão instantânea,
que aconteça num determinado momento, pois nesse caso o único mecanismo
utilizável é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Contrariamente,
se for uma ameaça/acto de/com efeitos duradouros a questão é discutível.
Esta
distinção entre uma situação em que há um único meio disponível e aquelas
situações em que há um meio alternativo, é uma distinção que corresponde à
existência de um âmbito de aplicação próprio e um âmbito de aplicação
dinamizado/derivado.
Ou
seja, tudo depende da estratégia processual.
Quanto
ao 109º nº 2 - este instrumento pode ser utilizado para fazer cessar uma
actuação que esteja a lesar a esfera do particular – particular pode utilizar o
mecanismo quer contra a Autoridade Pública, quer contra outros particulares.
Ana Miranda
nº 19457
BIBLIOGRAFIA:
SILVA, Vasco Pereira da em A Cultura a que tenho Direito - Direitos Fundamentais e Cultura, Almedina, 2007
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