terça-feira, 18 de dezembro de 2012

15 ANOS DEPOIS, UM NOVO COMENTÁRIO.


15 ANOS DEPOIS, UM NOVO COMENTÁRIO.

Em defesa da inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
(Pleno da 1ª Secção) de 15.1.1997 P. 37 428

Competência própria mas não exclusiva dos Diretores-gerais. Recurso hierárquico necessário.
I — É própria mas não exclusiva a competência dos Diretores-gerais exercida nos termos dos artigos 11º e 12º  de DL nº323/89, de 26 de Setembro, quanto aos actos previstos no Mapa II, anexo àquele diploma.
II — Daí que da prática de tais atos caiba recurso hierárquico necessário para abrir a via contenciosa, salvo se tiver havido delegação de competência da referida matéria no autor do ato.
III — Impugnado contenciosamente um ato dos referidos em I, deve o respetivo recurso ser rejeitado por falta de definitividade vertical.

Acordam no pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

JOSÉ AGOSTINHO NASCIMENTO AGUIAR, casado, técnico tributário do quadro de pessoal da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, residente na Rua 31 de Janeiro, n.º 1, Moimenta da Beira, inconformado com o acórdão da Secção, de 12 de Outubro de 1995, proferido a fls. 64 e segs., dos presentes autos, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do indeferimento tácito imputado ao Diretor-geral das Contribuições e Impostos, interpôs do mesmo recurso para este Pleno, com fundamento em oposição de julgados.
Admitido o recurso e após ter sido reconhecida a invocada oposição com o aresto da mesma Secção de 14.3.95, proferido no Proc. N.º36 212, o recorrente alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1) O douto acórdão recorrido decidiu manter o despacho recorrido de rejeição do recurso contencioso interposto do ato tácito do Sr. Diretor-geral das Contribuições e Impostos melhor identificado nos autos, por entender que o ato tácito imputado ao Sr. Diretor-geral foi praticado no uso de competência própria mas não exclusiva, o que determina a falta de definitividade vertical do ato o que o torna contenciosamente irrecorrível.
2) Pelo contrário, o douto Acórdão fundamento (proferido in Rec. 36212) decidiu, perante uma situação de facto idêntica à do Acórdão recorrido, fluir das mesmas disposições legais aplicáveis, constantes dos arts. 11.º e 12.º do DL 323/89 de 26/9 conjugadas com o n.º 10 do Mapa II anexo ao mesmo diploma, que as competências cometidas aos Diretores-gerais, são competências resolutivas finais, como tal sendo os atos praticados com base nelas, desde logo contenciosamente recorríveis.
3) Ora, a interpretação dos preceitos em causa sustentada pelo douto Acórdão recorrido segundo a qual as competências atribuídas aos Diretores-gerais no Mapa II anexo ao DL 323/89 seriam próprias mas não exclusivas ou reservadas daqueles retiraria qualquer sentido útil aos preceitos em questão os quais se inserem no espírito de modernização da função pública em ordem a conferir maior dinamismo, eficácia e presteza à resolução dos problemas inerentes designadamente à gestão do pessoal sendo certo, ainda, que tendo sido tais competências integradas no próprio estatuto dos Diretores-gerais, é porque se entendeu conferir-lhes o carácter de exclusividade.
Assim, e invocando o douto suprimento de V. Exas. deve reconhecer-se a existência da alegada oposição de julgados, resolvendo-se o conflito de jurisprudência de acordo com a tese sustentada pelo douto Acórdão fundamento, e, assim, se revogando o douto Acórdão recorrido por ter feito errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis (cfr. arts 11.º e 12.º e n.º 10 do Mapa II anexo ao DL 323/89 de 26/9) com todas as legais consequências (cfr art. 768.º do C.P.C.)”.130
1. O Diretor-geral das Contribuições e Impostos sustentou que o indeferimento tácito estava sujeito a recurso hierárquico necessário, porquanto a sua competência na matéria sendo própria não é exclusiva.
1.1. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“A meu ver o recurso não merece provimento, devendo ser confirmado o acórdão recorrido pelos fundamentos do mesmo, constantes, pois fez correta interpretação e adequada aplicação da lei”.
2. Colhidos os vistos, cumpre conhecer e decidir.
Deu o acórdão recorrido como provada a seguinte matéria de facto:
“I - O recorrente solicitou ao Diretor-Geral das Contribuições e Impostos, em 8-11-89 e quando detinha a categoria de liquidador tributário de 1 a classe, a sua promoção à classe imediata, com fundamento nos arts. 45.º e 114.º. do Decreto Regulamentar n.º 42/85, de 25 de Junho.
II - Este requerimento foi indeferido por aquele Diretor Geral e por despacho de 28-8-90.
III - Em 5-8-93 o recorrente formulou ao Diretor-Geral das Contribuições e Impostos o mesmo pedido, nos termos do requerimento fotocopiado a fls. 6 e 7 e que aqui se dá por reproduzido.
IV - Sobre o dito requerimento de 5-8-93 não foi proferida qualquer decisão.
V - Presumindo o seu indeferimento tácito, o recorrente interpôs, deste, recurso contencioso para o TAC de Coimbra
VI - Tal recurso foi rejeitado pelo despacho judicial, de 28-11-94, em exame, no presente recurso”.
3. O acórdão recorrido considerou que tal indeferimento por parte do Diretor-Geral das Contribuições e Impostos estava sujeito a recurso hierárquico obrigatório quanto à abertura da via contenciosa, por a competência na matéria atribuída àquela entidade pelo DL n.º 323/89, de 26 de Setembro, ser própria mas não exclusiva.
Entendimento contrário teve-o o acórdão fundamento segundo o qual a competência na matéria em causa é exclusiva do Diretor-Geral das Contribuições e Impostos, pelo que do aludido indeferimento tácito cabia recurso contencioso.
Há, assim, evidente oposição de julgados, confirmando-se, por isso, o já decidido sobre o assunto.

O Direito
A questão não é nova. Este Supremo Tribunal Administrativo já a decidiu em Pleno, por seu acórdão de 30/09/93, in Proc. N.º 29 391, no sentido da tese do acórdão fundamento: que dos atos do Diretor-Geral cuja competência para a sua prática esteja prevista no mapa II anexo ao DL n.º 323/89, de 26 de Setembro, cabe recurso contencioso e não hierárquico, por representarem a última palavra da Administração.
Esse acórdão do Pleno, de 30 de Setembro de 1993, que teve por relator o mesmo do presente aresto, assentou na seguinte argumentação:
“[. . .] estatui o nº 2 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º323/89, de 26 de Setembro, diploma este que veio estabelecer o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado, que compete ao diretor-geral “superintender em todos os serviços da sua direção-geral, assegurar a unidade de direção, submeter a despacho os assuntos que careçam de resolução superior, representar o serviço e exercer as competências constantes do mapa II, anexo ao presente diploma, de que faz parte integrante, bem como as que lhe houverem sido delegadas ou subdelegadas”.
“[. . .]”
“Trata-se, efetivamente, de competência exclusiva do diretor-geral pois não é outro o significado do preâmbulo de tal diploma, ao acentuar: “Uma Administração eficaz pressupõe a existência de dirigentes competentes, dinâmicos, leais, capazes de decidir no momento próprio os múltiplos problemas organizativos, que se equacionam diariamente, de prever a evolução das solicitações externas e das necessidades dos públicos que serve, de enfrentar com denodo o desafio da modernidade, em suma, de gerir com eficiência crescente os serviços sob a sua responsabilidade.
A resposta a esses problemas passa necessariamente pela definição de um estatuto do pessoal dirigente, o que ocorre pela primeira vez na nossa Administração. Trata-se, como é fácil de concluir, de um passo decisivo na tarefa de modernizar a Administração e a função pública, objctivo de relevo no contexto do Programa do Governo».
E acrescenta-se no citado aresto:
“Ora, seria contrário ao espírito de modernização da Administração e da função pública, nem corresponderia à gestão eficiente dos serviços sob a sua responsabilidade, que as decisões do diretor-geral nas áreas referidas no mapa II do citado diploma, onde se insere a competência para autorizar a reversão do vencimento de exercício, não fossem definitivas.
Por outro lado, se tais competências se integram no seu estatuto é porque são efecivamente exclusivas.
Acresce que o teor do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 323/89 reforça este entendimento ao determinar que: “As competências constantes do mapa II anexo ao presente diploma não prejudicam a existência de competências mais amplas conferidas aos diretores-gerais pelas leis orgânicas dos respetivos serviços.”. Isto é: para além das previstas no mapa II podem as leis orgânicas respetivas atribuir mais competências exclusivas aos diretores-gerais, pois não “faria sentido que se referisse a competências próprias destes, já que seria desnecessário e até redundante, uma vez que tais competências se inserem no sistema hierárquico.”
E a terminar, acentua-se no acórdão do Pleno em referência:
“De resto, do n.º 2 do artigo 11.º do citado Decreto-Lei n.º 323/89, conclui-se que a competência conferida ao diretor-geral e constante do mapa II, anexo ao mesmo diploma, não é “delegada”, pois aí se diz que compete àquele exercer as competências aí referidas para além das que lhe forem delegadas ou subdelegadas”.
No caso vertente a competência do Diretor-Geral para promover o pessoal do quadro, no que se consubstancia a pretensão do recorrente, pois detendo a categoria de liquidador tributário de 1.ª classe, requereu àquele a sua promoção à classe imediatamente superior, está prevista no n.º 10 do citado mapa anexo.
Assim, a argumentação desenvolvida no acórdão do Pleno, de 30.9.93, tem inteiro cabimento nos presentes autos, sob pena de ter de considerar-se letra morta a reforma que se pretendeu implementar com o DL n.º 323/89, onde no início do seu preâmbulo se diz: “Após uma década de vigência do Decreto-Lei n.º 191-F/79, de 26 de Junho, é por demais evidente a sua desadequação face às estruturas e necessidades organizativas de uma Administração em desenvolvimento e, por isso mesmo, em contínua adaptação face aos objetivos que prossegue, às exigências da evolução tecnológica e às influências endógenas e exógenas, designadamente comunitárias, que sobre aquela se exercem”.
É, assim, fora de dúvida, o desejo, por parte do legislador, de munir o pessoal dirigente de um estatuto moderno que respondesse às exigências da celeridade imposta pela progresso tecnológico dos nossos dias, rompendo com um sistema ultrapassado e obsoleto de administração, em que a última palavra, mesmo em questões de “lana caprina”, como, por exemplo, na autorização de um simples destacamento de um funcionário ou uma mera permuta, cabia ao ministro respetivo.
Assoberbado com tais minudências que tempo poderá restar a um ministro que tem a eu cargo o exercício da altas funções políticas atinentes ao bem estar das populações e ao progresso social?”
Anote-se que a favor de tal tese poderia ainda invocar-se o preâmbulo do DL n.º 191-F/79, de 28 de Junho, prenunciador do próprio DL n.º 323/89, no que concerne à competência do pessoal dirigente e à celeridade das questões organizativas que surgem no dia-a-dia da Administração.
Aí se salienta:
“Como princípios fundamentais respeitantes ao regime dos cargos dirigentes podem apontar-se:
[. . .]
A definição de competências a fazer em diploma autónomo que há-de permitir uma maior segurança na tomada de decisões e uma celeridade na resolução dos problemas até agora dificultada face à maior complexidade originada pela intervenção obrigatória dos membros do Governo, que se deseja possam ser libertados da resolução de problemas de rotina, sobretudo os de gestão dos serviços de pessoal”.
Poderia, pois, dizer-se, como o acórdão do Pleno de 1993, que só olvidando-se a hermenêutica do ordenamento jurídico e o esforço desenvolvido pelo legislador para tornar a administração mais célere e menos burocrática é que a competência do director-geral para a prática dos atos constantes do anexo II ao DL n.º 323/89, é própria mas não exclusiva.
No sentido de que a competência dos Diretores-Gerais prevista no anexo II ao DL n.º 323/89, é exclusiva, vidé os acs. da Secção, entre outros, os de 21.5.91, 20.6.91, 17.10.94, 13.12.94, 9.3.95 e de 14.3.95 proferidos nos procs. N.º 28 179, 28 579, 31 310, 34 385, 3 889 e 36 212, respetivamente.
Mas o certo é que a jurisprudência da Secção, a que, por certo, não foi estranha a entrada de novos juízes e a saída de outros em consequência da jubilação, veio a inclinar-se, maioritariamente, para a tese contrária à do citado acórdão do Pleno, podendo citar-se, a título de exemplo, os acs. de 17.11.94 (publicado nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 401, págs. 512 e segs.), 1.3.95 (também publicado na referida Coletânea, n.º 403, págs. 787), 4.5.95, 11.5.95, 11.7.95, 28.9.95, 26.2.96, 29.2.96, 24.4.96, 23.5.96, 4.6.96, 11.6.96, e 18.6.96, para além de muitos outros, proferidos, respetivamente, nos procs. n.º 34 709, 34 640, 35 59, 35 127, 36 917, 36 585, 32 588, 39 466, 38 175, 39 387, 34 510, 39 159 e 40 008.
Refira-se, ainda, a tentativa de uma terceira tese, que de certa forma entronca na da competência própria, mas não exclusiva, dos Diretores Gerais, quanto à prática de actos prevista no anexo II ao DL n. 323/89, segundo a qual a competência daqueles é primária exclusiva, no sentido de que o superior não pode decidir, nessas matérias, primariamente, mas só em decisão de recurso hierárquico - cfr. Ac. da secção de 9.6.93, publicado, só o sumário, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 428, págs. 640, e ac. do Pleno de 25.10.94, que confirmou o referido aresto, no proc. N.º 31 458.
Em face do exposto e tendo em vista a interpretação e aplicação uniforme da lei, revê-se neste aresto, por parte do relator, aquela posição tomada no referido acórdão do Pleno, tanto mais que não foi uma decisão unânime, visto ter sido tirado com dois votos de vencido, concluindo-se agora que os Diretores-Gerais ao praticarem os actos previstos no anexo II ao DL n.º 323/89, de 26 de Setembro, o fazem no uso de competência própria mas não exclusiva.
O principal argumento favorável a esta tese é a de que a competência exclusiva é excecional pelo que só pode concluir-se pela sua existência quando a lei o refira expressamente ou quando a interpretação que dela se fizer seja inequívoca a esse respeito, e o DL n.º 323/89, nem atribui expressamente aos Diretores-Gerais competência separada ou exclusiva para a prática dos atos a que se alude no anexo II daquele diploma, nem dele se infere inequivocamente tal competência, ao contrário do que já se decidiu relativamente ao Diretor-Geral de Pessoal do Ministério da Educação, face ao disposto no art. 4º do DL n.º 552/77, de 31 de Dezembro - cfr. Ac. da 1.ª Secção de 12.6.90, proferido no proc. n.º 21 311, in Apêndice ao Diário da República, de 31 de Janeiro de 1995, págs. 4 191 e segs.
Ensinava Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 468, 10 a ed. (reimpressão) que ”Os poderes conferidos pela lei a cada órgão formam a sua competência própria, a qual, nos casos em que não é admissível avocação nem revogação por superior hierárquico, permitindo a prática de atos definitivos, se diz competência exclusiva”.
Para Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, pág. 173, nota 2, “Em regra, a competência do superior hierárquico compreende todos os poderes dados por lei aos seus subordinados, mas há casos em que só o subalterno pode praticar certos atos, embora sujeito às ordens do superior. Diz-se então que a competência daquele é uma competência exclusiva”.
Rogério Ehrhardt Soares, nas Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra, no ano letivo de 1977/78, lições policopiadas, fls. 63, depois de salientar que se um particular pretender mover um recurso contencioso contra um ato cujo autor não se situa no topo da hierarquia respetiva, deve antes impugná-lo administrativamente, acrescenta: ”É possível, todavia, acontecer que a atribuição de competência ao órgão inferior exclua o poder de decisão do superior: para tais efeitos aquele funciona como se fosse o órgão mais elevado da hierarquia. Para outros efeitos, nomeadamente responsabilidade disciplinar, continua de pé o vínculo hierárquico; no que toca à manifestação de vontade do ente, a última palavra, uma vez produzida, é, porém, a do órgão inferior”
E logo de seguida:
“Nestes casos, extremamente difíceis de individualizar quando falte uma disposição legal concreta, fala-se duma competência exclusiva. E é para caracterizar uma qualidade dos atos praticados no exercício dela que se usa a expressão definitividade”, A competência exclusiva está assim ligada ao poder do subalterno praticar atos definitivos,134 constituindo a última palavra da Administração, tal como se fossem praticados pelo topo da hierarquia, não sendo admissível que os atos praticados no seu exercício sejam objeto de recurso hierárquico necessário para abrir a via contenciosa, mas tão-só de recurso hierárquico facultativo, não podendo o superior hierárquico revogá-los, salvo disposição legal em contrário - cfr. o n.º 1 do art. 142.º do Código do
Procedimento Administrativo - como no caso de haver recurso hierárquico facultativo, face ao disposto no n.º 1 do art. 174 do Código do Procedimento Administrativo. - Neste sentido Marcelo Rebelo de Sousa, Regime do ato administrativo, José Carlos Vieira de Andrade, Revogação do ato administrativo, ambos em Direito e Justiça, vol. VI, 1992, págs. 51 e 56, respetivamente, e Diogo Freitas do Amaral, Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 2.ª ed., pág. 261: o superior hierárquico não pode revogar espontaneamente os atos praticados pelo subalterno no exercício da competência exclusiva - art. 142.º, n.º 1 do CPA - mas já pode revogar tais atos em consequência de recurso hierárquico facultativo ( intervenção provocada) – n.º 1 do art. 174.º do referido Código.
Do exposto se infere a importância da distinção entre competência exclusiva cujos atos, quando praticados no seu exercício, podem ser logo objeto mediato de recurso contencioso e competência própria mas não exclusiva, devendo os respetivos atos, para se tornarem verticalmente definitivos, ser objeto de recurso hierárquico necessário para abrir a via contenciosa.
Como deixámos dito a competência exclusiva tem carácter excecional e só existe quando a lei a refira expressamente ou da sua interpretação não possa deixar de concluir-se pela sua exclusividade.
Isto porque a competência exclusiva restringe, sem dúvida, a eficácia da hierarquia administrativa, ou altera em muito o seu normal funcionamento, retirando ao superior hierárquico poderes de supervisão ou superintendência e fiscalização sobre o subalterno que apenas no caso do recurso hierárquico facultativo pode ver o seu ato revogado, nos aludidos termos do n.º 1 do art. 174.º do CPA.
Ora, nos termos do art. 185.º da Constituição da República, o Governo é o órgão superior da Administração Pública, e nessa vertente compete-lhe dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na administração, e praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas - alíneas d) e e) do art. 202.ºda Lei Fundamental.
Mas a interpretar-se o mapa II anexo ao DL 323/89, como consagrando a competência exclusiva dos Diretores-Gerais e sendo inúmeros os atos aí referidos, por exemplo, só o n.º 10 prevê a prática por aqueles de atos de nomeação, promoção e exoneração de funcionários e agentes, teria de concluir-se que o vértice ou a cúpula da Administração Pública seria não o Governo, através dos seus ministros e secretários de Estado, mas antes os Diretores-Gerais, o que seria incompatível com o consagrado na Constituição quanto à competência do Governo em matéria administrativa.
Por outro lado há que reconhecê-lo que se o mapa II anexo ao citado DL previsse a competência exclusiva dos diretores-gerais ter-se-ia feito uma verdadeira revolução no nosso sistema administrativo com a entrada em vigor de tal diploma, com todas as consequências daí decorrentes, o que iria prejudicar a maioria dos administrados que, cientes de que a regra na nossa administração é a hierarquia, ante um ato elencado no referido Mapa II, sem que aí se consagre expressamente a competência exclusiva, procurariam muitas vezes abrir a respetiva via contenciosa interpondo recurso hierárquico para o superior do autor de tal ato, assim deixando firmar-se este na ordem jurídica, pois a decisão que nesse recurso viesse a ser dada é meramente confirmativa do ato impugnado graciosamente, já que nada inovaria na ordem jurídica face a uma decisão por parte de quem atuou no exercício de competência exclusiva.
Sem dúvida que a Constituição, no seu art. 267º, n.º 2, impõe a descentralização e desconcentração administrativa, mas tal desiderato pode obter-se através da delegação de poderes, a qual não representa, ao contrário da competência exclusiva dada, neste caso, a imitada intervenção do superior hierárquico, qualquer prejuízo para a necessária eficácia e unidade de ação e dos poderes de direção e superintendência do Governo, que aquele normativo também acautela.
Pelo exposto, conclui-se que o indeferimento tácito do Diretor-Geral das Contribuições e Impostos relativo à pretensão do recorrente - liquidador tributário de 1.ª classe - de ser promovido à classe imediata, e cometido ao abrigo do disposto no art. 11.º do DL nº 323/89, de 26 de Setembro, e do n.º 10 do Mapa constante do anexo II àquele diploma, o foi no exercício de competência própria mas não exclusiva, pelo que, não tendo havido delegação de poderes, não podia ser objeto mediato de recurso contencioso, como o foi, antes deveria o recorrente interpor do mesmo recurso hierárquico necessário para abrir a via contenciosa.
Por consequência, acordam em negar provimento ao recurso e, pelos fundamentos expostos, em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça e a procuradoria, respetivamente, em 20.000$00 e 15.000$00.
Lisboa, 15 de Janeiro de 1997. — António Fernando Samagaio (relator) — Artur Joaquim de Faria Maurício — Fernando Manuel Azevedo Moreira — João Vaz Rebordão — Francisco Manuel Lucas Ferreira de almeida — Rui Manuel Pinheiro Moreira — Joaquim Eugénio de Sousa Correia de Lima — José da Cruz Rodrigues — José Acácio Dimas de Lacerda. 

 Anotação
Antes da anotação, propriamente dita, duas breves notas quanto à nossa disposição para o tema.
Primeiramente, referir então que aquando da feitura do nosso anterior comentário – que se prendia com a suspensão do prazo de impugnação contenciosa no n.º4 do artigo 59.º do CPTA[1] – sentimo-nos ofuscados pela agitação doutrinária que tem embrulhado o recurso hierárquico necessário, antes de depois da revisão constitucional de 1989. É portanto com grande pundonor que nos debruçamos sobre tal assunto.
Seguidamente, esclarecer que este acórdão já havia sido comentado em 1998 pelo agora (nosso) Professor João Miranda, que muito assisadamente espremeu o acórdão supra citado e hoje nos aguça o grado pelo Contencioso Administrativo. Não se trata pois de acrescentar ou modificar (se possível fosse) o que quer que seja ao anterior comentário, mas sim de lançar mão de um novo ponto de vista do tema – já que nos é tão atual –, e desta vez por uma nova geração da Faculdade de Direito de Lisboa.
Lançadas as notas, prendamo-nos então no acórdão do STA.
O aresto vem negar provimento ao recurso do acórdão que já havia rejeitado o recurso contencioso do ato tácito do Diretor-Geral das Contribuições e Impostos, por falta do pressuposto da recorribilidade. O aresto suporta-se noutro, anterior portanto, datado de 14 de Março de 1995, que define como “resolutivas finais”, as competências dos Diretores-Gerais, sendo que os atos assentes nestas, seriam imediatamente recorríveis.
O Tribunal vem, contudo, confirmar o acórdão recorrido, permitindo assim que JOÃO MIRANDA lhe depusesse várias críticas e, como estas nos parecem bastante pertinentes, cabe-nos fazer-lhes aqui a devida referência.
O Professor começa então por apontar em erro do tribunal na interpretação do conceito de definitividade, arguindo que este conceito deve ser entendendo “à luz do conceito constitucional de ato lesivo”. De facto a revisão constitucional de 1998 parece que nos vem estabelecer como critério para recurso contencioso, os atos administrativos lesivos de direitos dos particulares.
O comentário – bem como, claro está, o acórdão – prende-se e grande parte com a qualificação das competências que o nosso ornamento jurídico confere – ou conferia, à data – ao Diretor Geral das Contribuições e Impostos, a fim de aferir se estamos perante uma competência própria ou exclusiva deste órgão administrativo, resultando dessa apreciação se há ou não lugar a recurso hierárquico necessário. Contudo, não nos interessa aqui rebater este assunto, que aliás, em nosso entendimento chega a bom porto pelas palavras de JOÃO MIRANDA. Como referimos inicialmente vamos então centrar-nos no recurso hierárquico necessário para com isso perceber em que medida (se é que o faz) interfere com a Constituição.
As águas em que nos movemos não são nada calmas. São várias as figuras que, entre nós, têm agitado estas águas, quer defendendo a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário, quer defendendo a sua constitucionalidade. Entre os primeiros, podemos encontrar PAULO OTERO[2], GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES[3], VASCO PEREIRA DA SILVA[4] e como se pode ver na anterior anotação desde acórdão, JOÃO MIRANDA; entre os segundos, VIEIRA DE ANDRADE[5], MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA[6], JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS E FERNANDA PAULA OLIVEIRA[7].
A ideia de inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário não é nova na doutrina; VASCO PEREIRA DA SILVA, por exemplo, já tinha sustentado a inconstitucionalidade, mesmo antes da revisão constitucional de 1998. De facto, fere-nos imediatamente a sensibilidade jurídica a ideia de não caber ao particular a faculdade de impugnar imediatamente o ato administrativo, ficando dependente do recurso hierárquico.
Perece-nos desde logo que o princípio constitucional da separação entre a administração e a justiça é imediatamente atingido quando limitamos o acesso à justiça pela não utilização de uma garantia administrativa que é conferida ao particular e por isso mesmo se torna facultativa (cfr. 114.º, 205.º e ss e 266.º todos da CRP). Lembra-nos contudo que o recurso hierárquico tem mais fundamentos que não apenas de garantia para o particular, como vermos adiante.
O direito a recurso contencioso, tout court, por conseguinte, é também violado sempre que haja lugar a recurso hierárquico necessário, por não estar garantido o princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares com prevê o artigo 268.º n.º 4 da CRP.
Um ponto que deixou claro JOÃO MIRANDA no anterior comentário, é o gritante esquecimento, no comentado aresto, do princípio constitucional da desconcentração administrativa, que nos aparece disposto no artigo 267.º n.º 2 da CRP e que, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, «implica a imediata recorribilidade dos atos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da lógica do modelo hierárquico de organização administrativa, pois o superior continua a dispor da competência revogatória»[8].
Não esquecemos, claro, que ao abrigo do artigo 168.º n.º 2 do CPA, fica também ferido o principio da efetividade da tutela plasmado no artigo 268.º n.º4 da CRP, percutindo em 30 dias o impugnabilidade da decisão administrativa, reduzindo assim drasticamente o prazo de impugnação contenciosa de atos administrativos.
Parece-nos, contudo, que defender irrestritamente a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário, acarretaria uma enorme estocada naquilo que nos parece ser a ratio do artigo 58.º e ss do CPA, através de uma interpretação sistemática dos preceitos. Assim, se considerássemos inconstitucional o recurso hierárquico necessário como que passávamos do “8 ao 80”, transformando o recurso de qualquer matéria facultativo, o que faz que a decisão dos órgãos hierarquicamente superiores, não tenham qualquer dignidade por o serem.
Devemos tem em conta que o recurso hierárquico necessário faz com que a administração tenha oportunidade de rever, mais calma e detalhadamente toda a sua decisão anterior. Claro que com isto prejudicamos, como referimos supra, o princípio fundamental da plenitude da tutela dos direitos dos particulares, contudo não o prejudicamos na sua plenitude mas apenas temporariamente, já que depois de exauridas as impugnações graciosas, o particular poderá fazer valer seu direito constitucional à tutela dos seus direitos (que podem, aliás, ter sido melhor tutelados pelos meios de impugnação graciosa, com por exemplo, a revogação da decisão impugnada).
Parece-me porém, dentro das esquizofrenias do Contencioso Administrativos, ouvir a voz de VASCO PEREIRA DA SILVA que, decerto de se insurgiria contra esta posição, perguntar «Mas então, quem define o que pode ou não ser objeto de recurso hierárquico necessário? Quem mais se pode pronunciar sobre o princípio fundamental da plenitude da tutela dos direitos dos particulares, além da Constituição». Pois não é infundada, de todo, a pergunta e neste caso a pergunta que se ouve, já que nos parece também que assim se abre porta gigantesca suprimindo-se da esfera jurídica dos particulares o direito fundamental de acesso à justiça administrativa, que é, sem dúvida um dos grandes baluartes de um Estado de Direito.
Não pode ficar esquecido o interesse dos particulares, em ver a sua situação administrativa resolvida com a maior brevidade possível. Assim é de notar que em muitos casos o recurso hierárquico necessário corrige a decisão tomada anteriormente, e com isso pode libertar os tribunais de processos que tornariam o contencioso administrativo cada vez mais vagaroso.
Contudo, dentro das limitação da existência humana, e certos que não haverá neste caso uma solução perfeita, tentámos encontrar uma solução que garanta o menor prejuízo para o interesse coletivo e para o interesse de cada particular.
O Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça, na nossa opinião, já nos deixaram uma primeira pista para a resolução deste enigma, quando afirmaram que não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação dos atos administrativos. E a nós esta parece se a base para a solução do problema. Não pode ser inconstitucional o recurso hierárquico necessário, sob pena de congestionarmos os nossos tribunais (que, como consequência da situação económica do país parecem estar com cada vez menos recursos) e impedirmos a administração de corrigir as suas decisões.
Parece-nos então que caberá ao legislador ordinário definir em que casos haverá recurso hierárquico necessário e à nossa Constituição, os casos em que o não há; sendo que aí estaria constitucionalmente salvaguardado o imediato recurso contencioso, em todas as matérias que o nosso legislador constitucional achasse fundamental.
Esta nossa posição não parece estar muito longe da perfilhada por JOÃO PACHECO DE AMORIM, que defende que só “tudo dependerá do concreto regime das impugnações necessárias”, e que “só depois da análise de cada regime (quer do próprio regime geral do CPA, quer de cada um dos regimes especiais) se poderá aferir a respetiva constitucionalidade.[9]
Assim, cabe-nos fazer concordar – neste ponto – com a decisão tomada pelo aresto em análise – pese embora não concordarmos com a fundamentação – pela ordem de razões que acima discorremos.



[1] Publicado no blog de subturma, A suspensão do prazo de impugnação contenciosa no n.º4 do artigo 59.º do CPTA: a notificação da decisão posterior ao decurso do prazo legal que o órgão administrativo dispõe para decidir, disponível em http://contenciosoano4sub6.blogspot.pt/2012/11/a-suspensao-do-prazo-de-impugnacao.html

[2] Cfr. PAULO OTERO, “As Garantias Impugnatórias dos Particulares no Código do Procedimento Administrativo”, in Scientia Ivridica, Tomo XLI, 1992, pp. 60 a 62
[3] Cfr. LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, “Anulação administrativa ou nulla annullatio sine juditio?”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 79, Janeiro/Fevereiro de 2010, pp. 3 e 4)
[4] Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 346 ss.
[5] Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Em defesa do recurso hierárquico”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/Dezembro de 1996, pp. 19 e 20.
[6] Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Volume I, Almedina, Coimbra, cit., p. 347.
[7] Cfr. JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2.º edição, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 191, 192 e 319, nota 137.
[8]  Cfr. PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 348.
[9] JOÃO PACHECO DE AMORIM, “As garantias administrativas no Código dos Contratos Públicos”, in Estudos de Contratação Pública – II, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, cit. p. 201, nota 2


Jorge Pinto de Almeida
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