terça-feira, 18 de dezembro de 2012


PROCESSOS URGENTES – INTIMAÇÃO PARA A PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS

I-Introdução:

Com o surgimento das actuações prestativas por parte da Administração pôs-se a necessidade de criar novas formas de reacção contra a actividade administrativa.
As intimações incluem-se nessas novas formas, tendo sido introduzidas no contencioso administrativo português com a reforma de 1984-1985. Com esta reforma foram introduzidas dois tipos de intimação: a intimação para a consulta de documentos ou passagem de certidões e a intimação para um comportamento.
O novo CPTA vem autonomizar algumas intimações, no título IV, capítulo II, secções  I e II, sendo que procedeu a uma inovação ao consagrar um novo tipo de intimação, a intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, sendo esta a que vai ser tratada neste estudo.
Estas figuras processuais, as intimações, são entendidas como uma nova espécie de processos urgentes e são tratadas pelo legislador como meios processuais próprios, autónomos e céleres que permitem um conhecimento sumário e definitivo da causa.
O meu trabalho centrar-se-á na intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias.
Assim, começarei por analisar as características deste meio processual, seguir-se-á a comparação com outras figuras que com ela possam concorrer.

II – Intimação para a Protecção de Direitos Liberdades, e Garantias - Enquadramento

“Os Direito fundamentais consubstanciam-se em regras substantivas, procedimentais e processuais, daí que a sua concretização não seja possível sem que existam meios contenciosos adequados, de forma a assegurar a sua tutela plena e efectiva. A existência de um processo jurisdicionalizado, destinado a garantir a tutela dessas posições jurídicas subjectivas, representa assim uma dimensão essencial dos direitos fundamentais”.[1] É neste contexto, que o legislador criou este meio processual, de forma a que com rapidez e de forma sumária sejam tomadas decisões definitivas que assegurem o exercício, em tempo útil, de um direito liberdade e garantia. Concretiza-se o disposto no artigo 20, n.º 5 da Constituição.
Em termos de Direito Comparado pode-se dizer que esta figura do processo de intimação se aproxima do recurso de amparo espanhol, um meio processual rápido e simples, no entanto o processo de intimação para a a protecção de direitos, liberdades e garantias não é um verdaeiro recurso de amparo, na medida em que este, não tem as limitações que o nosso processo de intimação, como veremos adiante tem, nem se limita à matéria administrativa. Também no direito francês a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, apresenta fortes pontos de contacto com o référé-liberté e o référé-conservatoire, uma vez que permite ao juiz, em caso de urgência, ordenar todas as providências necessárias à salvaguarda de uma liberdade fundamental, que foi gravemente lesada pela Administração ou por organismo de direito privado encarregado da gestão de um serviço público, através de uma actuação manifestamente ilegal.

III – Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias  - Características

O processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias está regulado nos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Trata-se de um meio processual urgente , que só pode ser proposto quando a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, por não se possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar.
Apesar de ser um processo urgente, este meio processual distingue-se dos procedimentos cautelares, na medida em que produz uma decisão definitiva que antecipa o mérito, sendo que se trata de um processo autónomo. Esta decisão, ao contrário da proferida em sede de procedimento cautelar, forma caso julgado material.
Esta intimação tanto pode ser utilizada como meio de tutela repressiva, para reparar uma lesão, como para assegurar uma tutela preventiva, nos casos em que essa lesão ainda não se tenha verificado mas é muito provável que se venha a verificar.
Não esquecer, que este meio processual consiste na expressão de outra das exigências legais dos artigos 20.º, n.º4 e n.º5, 266.º, n.º1 e 268.º, n.º4 da Constituição, quanto à necessidade de se assegurar uma tutela efectiva.

IV – Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias - O Regime

Nos termos do artigo 109.º, nº1 e n.º2 do CPTA, o objecto intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias é a conduta positiva ou negativa da Administração ou de particulares.
Este meio processual não distingue entre os direitos previstos na Constituição. Neste sentido, apesar do artigo 20.º, n.º 5 da Constituição, apenas fazer referência aos direitos liberdades e garantias, a maneira como este preceito está redigido, não permite esta restrição, pelo que se devem admitir todos e ainda os direitos de natureza análoga, artigo 17.º da Constituição.
Quanto ao pedido, nesta intimação pede-se ao juiz que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa, que permita assegurar em tempo útil um direito, liberdade e garantia. Quando esse pedido diga respeito à prática de um acto administrativo estritamente vinculado, o Tribunal pode emitir uma sentença que produza os efeitos de acto devido, artigo 109.º, n.º3 do CPTA.
Dos artigos acima enunciados, retira-se que a intimação tanto pode ter um efeito repressivo como apenas preventivo.
Sendo este um meio processual urgente existem determinados pressupostos específicos que têm de estar presentes, para que se possa recorrer a este meio processual.
O primeiro desses pressupostos é a exigência de que o requerimento de uma decisão, nesta sede, se revele indispensável, por não ser possível ou suficiente, tendo em conta as circunstâncias concretas, o decretamento provisório de uma providência cautelar, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
Estes conceitos indeterminados de “indispensabilidade” e “urgência” de concretização incerta, têm de ser alvo de apreciação pelo Tribunal em face da situação em causa, além destes cabe também ao Tribunal concretizar os requisitos de decretação da providência cautelar substitutiva “impossibilidade” e “insuficiência”. Dado que está em causa um problema de tutela efectiva, artigo 20.º, n.º5 e 268.º, n.º4, da Constituição, estes conceitos devem ser interpretados da maneira mais ampla possível.
Tendo em conta o referido, o requerente, deverá logo com o articulado inicial oferecer prova sumária destes conceitos. Entende o professor Mário Aroso de Almeida, que ainda que, estes pressupostos não estejam preenchidos, não deve existir uma absolvição da instância, mas sim a convolação do processo de intimação num processo cautelar[2].
Quanto aos prejuízos sofridos pelo requerente, o facto de estar em causa a lesão de um direito, liberdade e garantia, é motivo bastante para se considerar existirem prejuízos para o requerente, tendo este apenas de demonstrar a lesão.
No que respeita à personalidade judiciária, são partes principais as pessoas singulares ou colectivas que requererem a intimação, artigos 109.º e 131.ºn.º 1 do CPTA, o artigo 5.º do Código de Processo Civil (CPC), por remissão do artigo 1.º do CPTA e os artigos 12.º e 15.º da Constituição. Além destes, pode também ser parte o Ministério Público, designadamente no exercício da acção popular.
Já quanto ao recorrido, tem personalidade jurídica pública a pessoa colectiva pública onde o órgão intimado se insere ou o particular, a quem se dirige a intimação, artigo 10.º, 109.º e 131.º, n.º1 do CPTA.
No que concerne à Legitimidade, estes pedidos podem ser apresentados por quem alegue e prove sumariamente ter necessidade de assegurar o exercício de direitos liberdades e garantias, como se retira dos artigos 9.º, 109.ºe 131.º, n.º1, do CPTA, o artigo 26.º do CPC, por remissão do artigo 1.º do CPTA.
Por sua vez, tem legitimidade passiva a pessoa colectiva pública ou o particular contra quem se pretende que seja dirigida a intimação. Além destes, deve se chamar a juízo também os contra-interessados, artigo 10.º, n.º1 do CPTA, sendo que entende-se por contra–interessados, todos aqueles que se subsumem no artigo 57.º do CPTA.
Quanto à oportunidade, esta intimação pode ser requerida a qualquer momento, desde que não se mostre possível o decretamento provisório de uma providência cautelar não se mostre possível, ou suficiente, para assegurar o direito, liberdade e garantia em causa.
Esta intimação segue a tramitação de processo urgente, artigos 36.º, 110.º e 111.º do CPTA.
Quando a complexidade da matéria o justifique, pode o juiz determinar que o processo siga a forma de administração especial, artigos 78.º e seguintes do CPTA, sendo neste caso os prazos reduzidos a metade, artigo 110.º, n.º3, do CPTA.
Tal como salientam os professores Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida, este é um processo que não deixa nunca de ser urgente, no entanto tendo em conta complexidade das circunstâncias do caso concreto pode existir uma maior ou menor urgência, cabendo ao juiz essa avaliação. O professor Mário Aroso de Almeida indica que a tramitação desta intimação segue um modelo polivalente, que se subdivide em quatro diferentes possibilidades. Deste modo, temos o modelo normal, que corresponde à tramitação indicada nos artigo 110.º,n.º2 e 3, do CPTA; seguidamente indica o que chama, modelo mais lento do que o normal, artigo 110.º, n.º 3, está em causa tal como na primeira uma situação de urgência normal mas em que estão em causa circunstâncias com uma complexidade fora do normal. Seguem-se as situações em que existe uma especial urgência, assim, temos o modelo mais rápido que o normal, artigo 110.º n.º 1 e n.º2, mas com prazo encurtado, nos termos do n.º1 do artigo 111.º do CPTA. Finalmente em situações de extrema urgência, a intimação seguirá o modelo ultra-rápido, artigo 111.º, n.º 1 e n.º 2.[3]
A notificação da decisão é feita de imediato a quem a deva cumprir, artigo 111.º,n.º 3 do CPTA.
O incumprimento da intimação sujeita a parte incumpridora ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, a fixar pelo juiz na decisão de intimação ou em despacho posterior, artigo 169.º do CPTA, podendo ainda pedir uma indemnização nos temos do artigo 159.º do CPTA.
Tal como já foi referido a decisão no processo de intimação consubstancia uma ordem para que a Administração ou o particular demandado, adoptem uma conduta positiva ou negativa, indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de direito, liberdade e garantia. Este comportamento é determinado, de forma concreta pelo juiz, e sendo caso disso, o prazo para o cumprimento, devendo indicar também o titular do órgão da Administração responsável pelo mesmo, artigo 110.º, n.º 4 do CPTA.
Sempre que esteja em causa a intimação para a execução de um acto administrativo, estritamente vinculado, já praticado, o juiz nos termos do artigo 109.º, n.º 3 do CPTA, pode emitir logo uma sentença com conteúdo substitutivo.
Esta intimação pode em caso de incumprimento, sujeitar aquele que incumpre a uma sanção pecuniária compulsória.
Esta intimação dispensa o recurso ao processo de execução de sentenças previsto no artigo 157 e seguintes do CPTA, para a sua concretização, isto que a decisão do juiz já determina o comportamento a que o destinatário é intimidado.

V – Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias - Distinção face a outros meios de tutela

As intimações distinguem-se dos demais processos do Título IV do CPTA, primeiro porque o objecto destes processos é diferente entre si, bem como seguem tramitações distintas.
Relativamente à acção administrativa comum e à acção administrativa especial, nos casos de condenação à prática de uma conduta para a defesa de direitos fundamentais, no primeiro e de condenação à prática do acto devido, no segundo.
Utilizando estes processos é possível obter pronúncias definitivas, com conteúdo condenatório, que formam caso julgado formal, e neste sentido, são semelhantes às pronúncias no processo de intimação. Contudo, e não obstante o carácter condenatório, não se confundem com as intimações. Além das diferenças de tramitação, que nas acções comuns e especiais é mais longa que nas intimações, estas acções visam abranger uma globalidade de pretensões e direitos, já as intimações visam garantir unicamente os direitos, liberdades e garantias.
Relativamente aos processos cautelares, mais concretamente a intimação para um comportamento, artigo 112.º, n.º 2 alínea f), do CPTA. Neste caso, a distinção respeita sobretudo à natureza cautelar deste processo, ou seja, tratando-se de um processo cautelar, sendo como a intimação um processo urgente, é, contudo, deduzido como um incidente ao meio principal e os seus efeitos extinguiam-se com a sentença final, sendo, portanto, instrumental e provisória relativamente ao meio principal, visando apenas assegurar a utilidade e a efectividade desta sentença principal. Esta instrumentalidade traduz-se em vários aspectos nomeadamente quanto à legitimidade para se propor a acção sendo que no processo cautelar, apenas tem legitimidade quem também a tiver para propor a acção principal. Tem carácter provisório caducando, nos termos dos artigos 122.º e 123.º do CPTA, podendo ser alterada, revogada ou substituída, artigo 124.º do CPTA.
A decretação da providência cautelar implica a obediência aos critérios elencados no artigo 120.º do CPTA.
No que respeita ao processo de intimação, as diferenças face ao processo cautelar centra-se sobretudo na autonomia deste processo, bem como a decisão proferida neste âmbito é uma decisão definitiva, que forma caso julgado material.
Já a diferença face ao artigo 121.º do CPTA, coloca maiores problemas, no sentido em que, pela forma como está configurada, trata-se de um processo cautelar residual, que se apresenta como processo urgente e sumário, permitindo decisões de mérito definitivas, quando atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos e tendo sido junto ao processo todos os elementos necessários, o Tribunal pode, depois de ouvidas as partes pelo prazo de dez dias, antecipar o juízo da causa principal.
Como pudemos constatar, é ao Tribunal que cabe decidir da urgência face a uma situação concreta, ao passo que na intimação estão em causa direitos, liberdades e garantias que correspondem a poderes tendencialmente vinculados, a condutas cujos termos estão legalmente fixados.
Nos casos do artigo 121.º tem de ser junta ao processo prova completa ou bastante, para que o tribunal possa formular um juízo sumário, que resultará numa decisão definitiva.
“ Em conclusão, o meio de tutela previsto no artigo 121.º do CPTA é também um processo urgente e sumário, que permite sentenças de mérito, definitivas, que poderão, eventualmente, consubstanciar injunções e, nesta medida, encontra-se muito próximo das intimações em estudo. O maior facto de distinção reside nos bens jurídicos que se visa tutelar: no caso das intimações, direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga, no caso do meio de tutela previsto no artigo 121.º do CPTA, bens jurídicos não tipificados pelo legislador[4].”

VI – Conclusão:

Do exposto, penso que fica claro que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias se trata de uma forma de tutela urgente e autónoma que visa assegurar em tempo útil o direito, liberdade e garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar, conforme diposto no artigo 109.º n.º 1 do CPTA.
Sendo um processo urgente constitui um processo célere, sumário, permitindo uma decisão de mérito, sendo possível desde logo acompanhá-la de diversas providências de execução.
A consagração destas intimações surge-nos não só enquanto imperativo constitucional, como também como imperativo do direito comunitário, na necessidade de consagrar uma tutela urgente, plena e completa.
Ficou também claro que face às insuficiências do processo cautelar, para garantir todas as situações de protecção jurisdicional efectiva, foi necessário criar meios autónomos também urgentes, mas que permitissem uma resolução definitiva do problema, para que a tutela jurisdicional efectiva seja de facto assegurada.
A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é uma figura completamente nova no Contencioso Administrativo, visa a protecção de direitos fundamentais, no entanto só pode ser accionada quando a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil de um direito, liberdade e garantia, caso não seja possível decretar uma providência cautelar, artigo 109.º do CPTA.
Trata-se de um processo urgente, com tramitação simplificada, sendo que essa tramitação pode ser alvo de diversas modificações, consoante a maior ou menor urgência da tutela, juízo que cabe sempre ao Tribunal em função do caso concreto.
Tal como várias vezes foi sendo apontado ao longo da exposição anterior este processo termina sempre com uma decisão definitiva, uma condenação dirigida à Administração ou a particulares. Podendo inclusive, o juiz, nos casos que se subsumam ao artigo 109.º, n.º 3 do CPTA, emitir sentença que produza os efeitos do acto devido.
Quanto à distinção face aos outros meios de tutela, baseia-se sobretudo em diferenças estruturais e funcionais, existindo variadas diferenças, quer quanto ao obejcto em apreço, à tramitação e aos efeitos da decisão proferida em sede desses diferentes meios processuais.

VI – Bibliografia:

·          Almeida, Mário Aroso de, “ Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2012;
·         Andrade, José Carlos Vieira de, “ A Justiça Administrativa”, 11.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011;
·         David, Sofia, “ Das intimações – Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 1.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2005;
·         Silva, Vasco Pereira da, “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009;
- “ Ventos de Mudança no Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2000.

Joana Filipa Pinto Martins Guerra Correia, subturma 6, n.º 18657

[1] SILVA, VASCO PEREIRA DA, “ Ventos de Mudança no Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2000, p. 64-65.
[2] ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, “ Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra 2012; p. 451-452.
[3] ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, “ Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra 2012; p.411-412.
[4] DAVID, SOFIA, “ Das intimações – Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 161.

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