sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Este acto? Nem pensar!


A Acção de Impugnação de Actos Administrativos: considerações gerais sobre este meio contencioso


            A figura da impugnação de actos administrativos surge como um substituto do anterior “recurso de anulação”, que consistia numa apreciação do tribunal de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa praticado no seguimento de um acto da Administração. Tratava-se então de um meio processual de impugnação de actos administrativos destinado a obter uma primeira definição do direito. De assinalar uma enorme diferença: o recurso de anulação não se apresentava apenas como de anulação uma vez que se abria a possibilidade de as sentenças ditas de anulação produzirem efeitos relativamente às partes, revestindo nomeadamente natureza repristinatória. Neste sentido, o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA invoca que podiam, sob a designação de recurso de anulação, ser proferidas tanto sentenças condenatórias como de simples apreciação. A reforma do Contencioso Administrativo optou então por pôr fim a este instituto, surgindo no enquadramento a actual impugnação de actos administrativos, onde se possibilita a apreciação da integralidade da relação jurídica administrativa.
            Dentro das várias formas de impugnação de actos administrativos concebidas no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, distinguem-se as chamadas formas ordinárias, que seguem o processo estabelecido para a acção administrativa especial (aplicação dos artigos 78º e seguintes ex vi do artigo 46º CPTA), e as urgentes, que se referem ao contencioso eleitoral e ao contencioso pré-contratual. Para além de os pressupostos processuais não serem os mesmos nestas duas modalidades, a celeridade que é imposta para as impugnações urgentes é naturalmente maior. O objecto deste estudo recai na primeira destas categorias.
            Importa iniciar pela conceito de acto administrativo para se conseguir entender o que é e quais os actos administrativos impugnáveis. Por acto administrativo entende-se o acto jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada, para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. É esta a definição apontada pelo Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, correspondente à noção legal de acto administrativo constante do artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA).
            Quanto a este defende, porém, o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA que o artigo 120º do CPA expõe um conceito relativamente restritivo uma vez que apenas se circunscreve às decisões, aos actos com conteúdo decisório. Como consequência, é afastada a impugnabilidade da generalidade dos actos preparatórios dos procedimentos administrativos (pareceres, informações e propostas, por exemplo, enquanto puros actos instrumentais) bem como as acções ou operações materiais (de exercício ou de execução) e comportamentos (informações ou avisos, por exemplo). Posto isto, vem o autor defender que é do artigo 55º do CPTA que surgem os requisitos que, implicitamente, irão permitir a caracterização dos tipos de efeitos que o acto se deve destinar a introduzir para que possa ser impugnado pelas diferentes entidades legitimadas para o efeito.
            O Professor JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE vem, por seu turno, defender que o conceito de acto administrativo impugnável para efeitos processuais não coincide com o conceito de acto administrativo do artigo 120º do CPA. Este ponto de vista revela-se a meu ver pertinente na medida em que afirma que o primeiro é por um lado mais vasto e por outro mais restrito relativamente ao segundo. Apresenta-se mais vasto em termos orgânicos pelo facto de a qualidade administrativa do autor do acto incluir tanto as decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos como os actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública (artigo 51º, número 2 do CPTA). Ao invés, é também mais restrito por apenas abranger decisões administrativas que tenham eficácia externa, ainda que estejam inseridas num procedimento administrativo, sendo os actos com eficácia externa aqueles que produzem ou constituem efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da sua concreta eficácia. Estão assim excluídos os actos internos, ou seja, aqueles que pretendem produzir efeitos nas relações intra-pessoais.
Coloca-se igualmente a questão de saber se poderá defender-se neste âmbito a impugnabilidade das decisões administrativas preliminares que determinem peremptoriamente a decisão final do procedimento com efeitos externos mas que não tenham capacidade para constituir elas próprias tais efeitos externos, uma vez que estes só se produzem com a decisão final. Para o referido Professor, tal impugnabilidade poderá vir a ser sustentada na medida se corresponder a uma defesa antecipada ou precoce dos interessados, pois a probabilidade de se verificarem danos no seu seguimento é elevada. Uma vez não estando esta prevista no artigo 51º do CPTA, defende porém, em jeito de conclusão, que esta solução deveria decorrer expressamente da lei e que não pode resultar daqui um ónus de impugnação para o particular, dado que o não exercício do direito de impugnar não pode obstar à impugnação das decisões finais respectivas com fundamento na ilegalidade da pré-decisão ou do parecer vinculante, sob pena de se transformar numa desprotecção efectiva (daquilo que) pretendia ser uma garantia do particular (artigo 51º, número 3 do CPTA).
            A impugnação de actos jurídicos administrativos apresenta-se como um meio contencioso que tem como primordial objectivo o controlo da legalidade de actos administrativos, como o próprio nome indica. Distinguem-se duas modalidades dentro da impugnação de actos administrativos ditas ordinárias: a declaração de inexistência de um acto administrativo e a invalidação de um acto administrativo. Nesta última, inserem-se as declarações de nulidade e de anulabilidade dos actos. Por sua vez, quando se refere a invalidade está-se perante um acto administrativo que põe em causa uma situação jurídica estática detida pelo impugnante, inserindo-se pois a questão no plano da legalidade desse acto. No caso de estar em causa uma declaração de inexistência de um acto administrativo está-se perante o reconhecimento por parte do tribunal de que naquele caso apenas existe a aparência de um acto administrativo que, a bom ver, não foi produzido.
            Uma vez que estão em causa conceitos diferentes, a existência e a validade apresentam diferentes pressupostos de aplicação. Desta forma, e como afirma o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, um acto administrativo só existe se preencher os requisitos de existência e só é válido se, para além dos requisitos de existência, também preencher os requisitos de validade.
            Os seis elementos já elencados na definição de acto administração adoptada pelo CPA (jurídico; unilateral; praticado no exercício do poder administrativo; praticado por um órgão administrativo; decisório; que versa sobre uma situação individual e concreta) são exactamente os pressupostos de existência de um acto administrativo, ou seja, os elementos constitutivos do conceito de acto administrativo. Precisamente pela existência se considerar indispensável para a avaliação da validade de certo acto, não pode ser defendido que a mesma (a existência) seja vista como uma forma de invalidade que afecte o acto em apreço.
            Já no que concerne à invalidação dos actos administrativos, apresentam-se como requisitos de validade aqueles que a lei estabelecer para que se considerem os actos como instrumentos aceites e incontestáveis de modificação da ordem jurídica. Dito de outra forma, se um acto for praticado sem se terem verificado os pressupostos exigidos para a sua validade, este estará susceptível de ser contestado diante da Administração. A consequência desta acção é o desaparecimento do acto administrativo impugnado da ordem jurídica com efeitos retroactivos, como se ele nunca tivesse sido praticado.
            Considera-se relevante expor, sucintamente, em que consistem na verdade estas figuras.
        A declaração de inexistência de um acto administrativo pretende o reconhecimento, por parte do tribunal, de que no caso concreto não se está na verdade perante nenhum acto administrativo.
          O regime de nulidade dos actos administrativos está regulado no artigo 134º do CPA do qual decorre a consequência principal de o acto ser ineficaz desde o início. Para além de poder ser invocado por qualquer interessado, está ainda previsto o direito de resistência passiva contra as eventuais consequências desse acto nulo. Está em questão uma sentença meramente declarativa ou de simples apreciação, reconhecendo-se aqui apenas a nulidade do acto. Uma vez que o acto nunca produziu efeitos jurídicos, não existe o ónus de se proceder à impugnação de um acto nulo perante os tribunais administrativos. O que existe, porém, é um eventual interesse em se requerer a declaração da nulidade de forma a tornar claro que não poderão ser extraídas daquele quaisquer consequências ou no sentido de que sejam adoptadas medidas conducentes ao restabelecimento de uma situação que se aproxime o mais possível daquela que se deveria verificar caso o acto nunca tivesse sido executado.
Tendo em consideração o disposto nos artigos 53º e 54º do CPTA, a impugnação poderá recair sobre actos confirmativos ou sobre actos administrativos ineficazes. Quanto ao primeiro cumpre dizer que o acto se designa por confirmativo pelo facto de a sua finalidade pretender evitar que se possam permanentemente reabrir litígios através da apresentação de requerimentos sucessivos. No entanto, não se devem ignorar todos os interesses que poderão estar em jogo nos diferentes tipos de acção. O artigo 53º está deste modo limitado à invocação do carácter confirmativo do acto impugnado para efeitos da rejeição da impugnação.
Já em relação ao artigo 54º pode dizer-se que é admissível a impugnação de actos ineficazes em duas ocasiões: quando tenha sido desencadeada a sua execução (embora possam sempre ser utilizados meios alternativos) e quando seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos (por exemplo, quando estejamos perante um termo inicial).
Quanto à legitimidade para a impugnação da acção, dispõe o artigo 55º do CPTA, de acordo com o supra mencionado, que a legitimidade activa pertence aos titulares de meros interesses de facto, abrangendo acções de grupo, acções populares, a legitimidade do Ministério Público e a acção pública nas relações inter-administrativas. Já no respeita à legitimidade passiva, anteriormente cabia ao órgão autor do acto (ou da norma se estivéssemos perante um caso de impugnação de uma norma). Actualmente, introduziu a reforma administrativa que a parte no processo passa a ser a pessoa colectiva pública ou, quando o que está em causa é o Governo, o Ministério, se o acto for da autoria de um órgão integrado numa estrutura ministerial (de acordo com o disposto no artigo 10º número 2 do CPTA). Excepcionam-se, claro está, as situações em que o que está em jogo são impugnações de actos administrativos por outros órgãos da mesma pessoa colectiva (número 6 do mesmo artigo).
A acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, devido ao seu objecto (artigo 50º do CPTA), faz permanecer a importância do problema da determinação dos efeitos da sentença de anulação. As sentenças que do pedido resultam poderão ser ou constitutivas – sentença de anulação – ou declarativas – sentença de declaração da nulidade ou da inexistência do acto. Apesar de previsto no artigo 136º do CPA, a verdade é que não se encontra aí estabelecido o regime concreto da anulabilidade dos actos administrativos. No entanto, de acordo com o defendido pelo Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, não se trata aqui de um acto que não produz efeitos mas antes de um acto que produz efeitos de forma precária por poderem ser destruídos desde o início em caso de anulação. Poderá haver lugar à anulação de um acto caso haja um posterior acto administrativo de revogação (revogação anulatória) ou uma sentença de anulação. Ao decretarem a anulação do acto, estes meios tanto reconhecem e declaram que ele é anulável como o eliminam, destruindo-o e fazendo com que ele desapareça da ordem jurídica, tudo se passando como se ele não tivesse sido nunca praticado.
Encontra-se aqui em confronto, por um lado, a tendência para alargar a legitimidade e, por outro, a tendência para limitar os efeitos do caso julgado. Especificamente no que concerne à acção de anulação, pode afirmar-se então que a sentença elimina o acto do ordenamento jurídico, produzindo necessariamente efeitos erga omnes.
Concluindo, cumpre referir que as sentenças de provimento irão gerar, por força da retroactividade dos seus efeitos, a obrigação de a Administração reconstruir a situação de facto de acordo com o que foi decidido e embora haja muitas vezes lugar a cumulação de pedidos (de restabelecimento da situação e de anulação), o facto de se ter requerido apenas um pedido anulatório não impede a produção destes mesmo efeitos.

Inês dos Santos Mateus
Nº de aluno: 19632


BIBLIOGRAFIA:
Monografias, Artigos e Teses

ALMEIDA, Mário Aroso de; «Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano: no centenário do seu nascimento, volume II, Lisboa, 2006.

ALMEIDA, Mário Aroso de; Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010.

ANDRADE, José Carlos Vieira de; A Justiça Administrativa (lições), 10ª Edição, Almedina, 2009.

CARMONA, Mafalda; «Relações Jurídicas Poligonais, Participação de Terceiros e Caso Julgado na Anulação de Actos Administrativos», in Estudos em homenagem ao Professor Sérvulo Correia, volume II, Coimbra, 2010.

CORREIA, Sérvulo; «Impugnação de Actos Administrativos», in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16 (Julho-Agosto), 1999.

DUARTE, Tiago; PINTO, Cláudia Saavedra; «A Suspensão e a Interrupção do Prazo para a Impugnação Judicial de Actos Administrativos: Vale a Pena Arriscar?», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Paulo da Pitta Cunha, Coimbra, 2010.

GONÇALVES, Pedro Costa; Relações entre as impugnações administrativas necessárias e o recurso contencioso de anulação de actos administrativo: em especial, o objecto e o âmbito do recurso contencioso precedido de impugnação administrativa necessária, Almedina, Coimbra, 1996.

PEREIRA, Vasco Pereira da; O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Almedina, Coimbra, 2009.

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