A Acção de
Impugnação de Actos Administrativos: considerações gerais sobre este meio contencioso
A figura da impugnação de actos administrativos surge como
um substituto do anterior “recurso de anulação”, que consistia numa apreciação
do tribunal de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa
praticado no seguimento de um acto da Administração. Tratava-se então de um
meio processual de impugnação de actos administrativos destinado a obter uma
primeira definição do direito. De assinalar uma enorme diferença: o recurso de
anulação não se apresentava apenas como de anulação uma vez que se abria a
possibilidade de as sentenças ditas de anulação produzirem efeitos
relativamente às partes, revestindo nomeadamente natureza repristinatória.
Neste sentido, o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA invoca que podiam, sob a
designação de recurso de anulação, ser proferidas tanto sentenças condenatórias
como de simples apreciação. A reforma do Contencioso Administrativo optou então
por pôr fim a este instituto, surgindo no enquadramento a actual impugnação de
actos administrativos, onde se possibilita a apreciação da integralidade da
relação jurídica administrativa.
Dentro das várias formas de impugnação de actos administrativos concebidas no
Código de Processo dos Tribunais Administrativos, distinguem-se as chamadas
formas ordinárias, que seguem o processo estabelecido para a acção
administrativa especial (aplicação dos artigos 78º e seguintes ex vi do artigo 46º CPTA), e as urgentes,
que se referem ao contencioso eleitoral e ao contencioso pré-contratual. Para
além de os pressupostos processuais não serem os mesmos nestas duas
modalidades, a celeridade que é imposta para as impugnações urgentes é
naturalmente maior. O objecto deste estudo recai na primeira destas categorias.
Importa iniciar pela conceito de acto administrativo para se conseguir entender
o que é e quais os actos administrativos impugnáveis. Por acto administrativo
entende-se o acto jurídico
unilateral praticado no exercício do poder administrativo por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada, para tal habilitada por
lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. É esta a definição apontada pelo
Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, correspondente à noção legal de acto
administrativo constante do artigo 120º do Código do Procedimento
Administrativo (doravante CPA).
Quanto a este defende, porém, o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA que o artigo
120º do CPA expõe um conceito relativamente restritivo uma vez que apenas se
circunscreve às decisões, aos actos com conteúdo decisório. Como consequência,
é afastada a impugnabilidade da generalidade dos actos preparatórios dos
procedimentos administrativos (pareceres, informações e propostas, por exemplo,
enquanto puros actos instrumentais) bem como as acções ou operações materiais
(de exercício ou de execução) e comportamentos (informações ou avisos, por
exemplo). Posto isto, vem o autor defender que é do artigo 55º do CPTA que
surgem os requisitos que, implicitamente, irão permitir a caracterização dos tipos de efeitos
que o acto se deve destinar a introduzir para que possa ser impugnado pelas
diferentes entidades legitimadas para o efeito.
O Professor JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE vem, por seu turno, defender que o conceito
de acto administrativo impugnável para efeitos processuais não coincide com o
conceito de acto administrativo do artigo 120º do CPA. Este ponto de vista
revela-se a meu ver pertinente na medida em que afirma que o primeiro é por um lado mais
vasto e por outro mais restrito relativamente ao segundo. Apresenta-se mais
vasto em termos orgânicos pelo facto de a qualidade administrativa do autor do
acto incluir tanto as decisões tomadas por entidades privadas que exerçam
poderes públicos como os actos emitidos por autoridades não integradas na
Administração Pública (artigo 51º, número 2 do CPTA). Ao invés, é também mais
restrito por apenas abranger decisões administrativas que tenham eficácia
externa, ainda que estejam inseridas num procedimento administrativo, sendo os
actos com eficácia externa aqueles que produzem ou constituem efeitos nas
relações jurídicas administrativas externas, independentemente da sua concreta
eficácia. Estão assim excluídos os actos internos, ou seja, aqueles que
pretendem produzir efeitos nas relações intra-pessoais.
Coloca-se igualmente a questão
de saber se poderá defender-se neste âmbito a impugnabilidade das decisões
administrativas preliminares que determinem peremptoriamente a decisão final do
procedimento com efeitos externos mas que não tenham capacidade para constituir
elas próprias tais efeitos externos, uma vez que estes só se produzem com a
decisão final. Para o referido Professor, tal impugnabilidade poderá vir a ser
sustentada na medida se corresponder a uma defesa
antecipada ou precoce dos interessados, pois a probabilidade de se
verificarem danos no seu seguimento é elevada. Uma vez não estando esta
prevista no artigo 51º do CPTA, defende porém, em jeito de conclusão, que esta
solução deveria decorrer expressamente da lei e que não pode resultar daqui um
ónus de impugnação para o particular, dado que o não exercício do direito de
impugnar não pode obstar à
impugnação das decisões finais respectivas com fundamento na ilegalidade da
pré-decisão ou do parecer vinculante, sob pena de se transformar numa
desprotecção efectiva (daquilo que) pretendia
ser uma garantia do particular (artigo
51º, número 3 do CPTA).
A impugnação de actos jurídicos administrativos apresenta-se como um meio
contencioso que tem como primordial objectivo o controlo da legalidade de actos
administrativos, como o próprio nome indica. Distinguem-se duas modalidades
dentro da impugnação de actos administrativos ditas ordinárias: a declaração de
inexistência de um acto administrativo e a invalidação de um acto
administrativo. Nesta última, inserem-se as declarações de nulidade e de
anulabilidade dos actos. Por sua vez, quando se refere a invalidade está-se
perante um acto administrativo que põe em causa uma situação jurídica estática
detida pelo impugnante, inserindo-se pois a questão no plano da legalidade
desse acto. No caso de estar em causa uma declaração de inexistência de um acto
administrativo está-se perante o reconhecimento por parte do tribunal de que
naquele caso apenas existe a aparência de um acto administrativo que, a bom
ver, não foi produzido.
Uma vez que estão em causa conceitos diferentes, a existência e a validade
apresentam diferentes pressupostos de aplicação. Desta forma, e como afirma o
Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, um
acto administrativo só existe se preencher os requisitos de existência e só é
válido se, para além dos requisitos de existência, também preencher os
requisitos de validade.
Os seis elementos já elencados na definição de acto administração adoptada pelo
CPA (jurídico; unilateral; praticado no exercício do poder administrativo;
praticado por um órgão administrativo; decisório; que versa sobre uma situação
individual e concreta) são exactamente os pressupostos de existência de um acto
administrativo, ou seja, os elementos constitutivos do conceito de acto
administrativo. Precisamente pela existência se considerar indispensável para a
avaliação da validade de certo acto, não pode ser defendido que a mesma (a
existência) seja vista como uma forma de invalidade que afecte o acto em apreço.
Já no que concerne à invalidação dos actos administrativos, apresentam-se como
requisitos de validade aqueles que a lei estabelecer para que se considerem os
actos como instrumentos aceites e incontestáveis de modificação da ordem
jurídica. Dito de outra forma, se um acto for praticado sem se terem verificado
os pressupostos exigidos para a sua validade, este estará susceptível de ser
contestado diante da Administração. A consequência desta acção é o
desaparecimento do acto administrativo impugnado da ordem jurídica com efeitos
retroactivos, como se ele nunca tivesse sido praticado.
Considera-se relevante expor, sucintamente, em que consistem na verdade estas
figuras.
A declaração de inexistência de
um acto administrativo pretende o reconhecimento, por parte do tribunal, de que
no caso concreto não se está na verdade perante nenhum acto administrativo.
O regime de nulidade dos
actos administrativos está regulado no artigo 134º do CPA do qual decorre a
consequência principal de o acto ser ineficaz desde o início. Para além de
poder ser invocado por qualquer interessado, está ainda previsto o direito de
resistência passiva contra as eventuais consequências desse acto nulo. Está em
questão uma sentença meramente declarativa ou de simples apreciação,
reconhecendo-se aqui apenas a nulidade do acto. Uma vez que o acto nunca
produziu efeitos jurídicos, não existe o ónus de se proceder à impugnação de um
acto nulo perante os tribunais administrativos. O que existe, porém, é um eventual
interesse em se requerer a declaração da nulidade de forma a tornar claro que
não poderão ser extraídas daquele quaisquer consequências ou no sentido de que
sejam adoptadas medidas conducentes ao restabelecimento de uma situação que se
aproxime o mais possível daquela que se deveria verificar caso o acto nunca
tivesse sido executado.
Tendo em consideração o disposto
nos artigos 53º e 54º do CPTA, a impugnação poderá recair sobre actos
confirmativos ou sobre actos administrativos ineficazes. Quanto ao primeiro
cumpre dizer que o acto se designa por confirmativo pelo facto de a sua
finalidade pretender evitar que se possam permanentemente reabrir litígios
através da apresentação de requerimentos sucessivos. No entanto, não se devem
ignorar todos os interesses que poderão estar em jogo nos diferentes tipos de
acção. O artigo 53º está deste modo limitado à invocação do carácter
confirmativo do acto impugnado para efeitos da rejeição da impugnação.
Já em relação ao artigo 54º pode
dizer-se que é admissível a impugnação de actos ineficazes em duas ocasiões:
quando tenha sido desencadeada a sua execução (embora possam sempre ser
utilizados meios alternativos) e quando seja seguro ou muito provável que o
acto irá produzir efeitos (por exemplo, quando estejamos perante um termo
inicial).
Quanto à legitimidade para a
impugnação da acção, dispõe o artigo 55º do CPTA, de acordo com o supra
mencionado, que a legitimidade activa pertence aos titulares de meros
interesses de facto, abrangendo acções de grupo, acções populares, a
legitimidade do Ministério Público e a acção pública nas relações
inter-administrativas. Já no respeita à legitimidade passiva, anteriormente
cabia ao órgão autor do acto (ou da norma se estivéssemos perante um caso de
impugnação de uma norma). Actualmente, introduziu a reforma administrativa que
a parte no processo passa a ser a pessoa colectiva pública ou, quando o que
está em causa é o Governo, o Ministério, se o acto for da autoria de um órgão
integrado numa estrutura ministerial (de acordo com o disposto no artigo 10º
número 2 do CPTA). Excepcionam-se, claro está, as situações em que o que está
em jogo são impugnações de actos administrativos por outros órgãos da mesma
pessoa colectiva (número 6 do mesmo artigo).
A acção administrativa especial
de impugnação de acto administrativo, devido ao seu objecto (artigo 50º do
CPTA), faz permanecer a importância do problema da determinação dos efeitos da
sentença de anulação. As sentenças que do pedido resultam poderão ser ou
constitutivas – sentença de anulação – ou declarativas – sentença de declaração
da nulidade ou da inexistência do acto. Apesar de previsto no artigo 136º do
CPA, a verdade é que não se encontra aí estabelecido o regime concreto da
anulabilidade dos actos administrativos. No entanto, de acordo com o defendido
pelo Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, não se trata aqui de um acto que não
produz efeitos mas antes de um acto que produz efeitos de forma precária por
poderem ser destruídos desde o início em caso de anulação. Poderá haver lugar à
anulação de um acto caso haja um posterior acto administrativo de revogação
(revogação anulatória) ou uma sentença de anulação. Ao decretarem a anulação do
acto, estes meios tanto reconhecem e declaram que ele é anulável como o
eliminam, destruindo-o e fazendo com que ele desapareça da ordem jurídica, tudo
se passando como se ele não tivesse sido nunca praticado.
Encontra-se aqui em confronto,
por um lado, a tendência para alargar a legitimidade e, por outro, a tendência
para limitar os efeitos do caso julgado. Especificamente no que concerne à
acção de anulação, pode afirmar-se então que a sentença elimina o acto do
ordenamento jurídico, produzindo necessariamente efeitos erga omnes.
Concluindo, cumpre referir que
as sentenças de provimento irão gerar, por força da retroactividade dos seus
efeitos, a obrigação de a Administração reconstruir a situação de facto de
acordo com o que foi decidido e embora haja muitas vezes lugar a cumulação de
pedidos (de restabelecimento da situação e de anulação), o facto de se ter
requerido apenas um pedido anulatório não impede a produção destes mesmo
efeitos.
Inês dos
Santos Mateus
Nº de aluno:
19632
BIBLIOGRAFIA:
Monografias,
Artigos e Teses
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PEREIRA, Vasco Pereira da; O contencioso administrativo no
divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo,
Almedina, Coimbra, 2009.
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