terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Desorganização Administrativa e Consequências Processuais



Nos tempos que correm, em que muito se discute a reorganização administrativa do território, cabe indagar certamente, a necessidade ou desnecessidade da dita “reforma”. Porém, no presente artigo abstenho-me de considerações de ordem política, debruçando-me antes sobre as questões de direito que dizem respeito ao procedimento administrativo subjacente à reorganização administrativa do território. De certo se dirá, que é o “reverso da medalha”, não se podendo abordar o assunto com divisões estanques da mesma realidade. É verdade. Neste sentido, proponho tratar as questões de direito que legitimam algumas considerações politicas, no entanto, sempre com o propósito, de sempre que possível me distanciar das problemáticas que à ciência do Direito não lhe compete dar resposta.  Comecemos pelo inicio. A lei nº 22/2012 de 30 de Maio aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, a qual em termos sucintos, define elementos essências que o procedimento administrativo que lhe seguirá deverá obedecer. Ou seja, a referida lei consagra os princípios a que deve obedecer o procedimento (artigo 3º), define o objecto (artigo 1º), estabelece os parâmetros de agregação (artigo 6º), o prazo de pronúncia da Assembleia Municipal (artigo 12º), e destaque-se ainda a criação de um órgão administrativo ad hoc no seu artigo 13º, que funcionará junto da Assembleia da República  denominado Unidade Técnica para Reorganização Administrativa do Território (UTRAT).  Para que o leitor se familiarize (se bem que de modo superficial), com o procedimento administrativo que nestas breves linhas me ocupo, trace-se um breve esboço: nos termos da lei nº 22/2012 de 30 de Maio,  cabe às Assembleias Municipais de cada Município, depois de emitidos previamente pareceres das Assembleias de Freguesia que lhe são correspondentes, (observando o prescrito nos artigos 5º e 6º) deliberar uma proposta não vinculativa que se denomina pronúncia da Assembleia Municipal (artigo 11º nº 3); em caso de desconformidade da pronúncia e não sendo a mesma susceptível de convite de aperfeiçoamento (artigo 15º), consagra-se uma delegação tácita de poderes, pela qual após o termino do prazo conferido às Assembleias Municipais para se pronunciarem (com pronuncia desconforme ou sem pronuncia), considera-se que é a UTRAT o órgão competente para emitir uma proposta final (artigo 14º nº 1 e 2). Cabe por isso, e de forma preliminar, perguntar: Reorganização administrativa ou Desorganização administrativa? Estarão assegurados os direitos de todas as partes no procedimento?
Nos termos do artigo 164 alínea n) da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República a “criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime…”. Nada há a apontar ao preceito. Apesar de ser fundamental, distinguir o que é a função legislativa e o que é a função administrativa, não se pense que as mesmas não tenham pontos de intersecção. Por conseguinte, não se deve perder de vista o procedimento que antecede a votação global na referida Câmara, pois este protela-se no tempo, culminando com a emanação do acto legislativo.
O artigo 11º nº4 da referida lei diz o seguinte: “As assembleias de freguesia apresentam pareceres sobre a reorganização administrativa territorial autárquica, os quais, quando conformes com os princípios e os parâmetros definidos na presente lei, devem ser ponderados pela assembleia municipal no quadro da preparação da sua pronúncia”. Está bom de ver que, o parecer legitimamente emitido pelas Assembleias de Freguesia, na prática, independentemente da vontade que manifestem, poderão ser desconsiderados, quer pela não obtenção de maioria necessária para se obter uma pronúncia municipal, quer mesmo pelo carácter não vinculativo da pronuncia municipal, mesmo em caso de conformidade com os parâmetros exigidos pela lei nº 22/2012 de 30 de Maio (artigo 14º nº1 alínea c) ). Poder-se-á afirmar, no contexto do atrás exposto, que a Unidade Técnica possui o dominus da competência. À parte do juízo valorativo sobre o acerto opção legislativa em constituir este órgão administrativo com a competência que se lhe reconhece, cumpre trabalhar sobre o direito constituído, para se averiguar que alternativas dispõe nomeadamente uma autarquia local para poder reagir a uma proposta que considera juridicamente lesiva.
Sendo a Assembleia Municipal um órgão colegial, poderá ser possível (como na maioria dos casos sucedeu) não se encontrar verificada a maioria necessária para deliberar e obter neste sentido uma Pronúncia da Assembleia Municipal. Não nos esqueçamos que a referida lei, mesmo em caso de deliberação, equipara em certos casos uma pronúncia desconforme a falta de pronúncia (artigo 14º nº 2) com a consequente competência a tranferir-se ipso iure para a Unidade Técnica por via da delegação tácita prevista no artigo 14º nº 1 alínea b).
O que poderá fazer uma Freguesia que se considera lesada pela consequente proposta da Unidade Técnica? Este é um procedimento administrativo atípico, até pela “miscigenação” que se estabelece com a função legislativa. Uma coisa parece certa, a autarquia local em caso de recurso a meios contenciosos não vê a sua legitimidade processual precludida. Tem-se muito questionado se o uso de providências cautelares será o meio adequado. Penso objectivamente que não será o meio adequado. Passo a explicar. De forma sumária, as providências cautelares caracterizam-se pelos traços da instrumentalidade, da provisoriedade e da sumariedade. Haverá na possível proposta da UTRAT um risco de lesão efectiva dificilmente reparável que justifique o recurso a este meio contencioso? A meu ver, a resposta é clara, não existe risco de lesão, até porque a proposta da UTRAT, ao que tudo indica não é vinculativa, logo não há irreversibilidade. Não há lesão perante a existência de uma mera susceptibilidade. Caso contrário, estar-se-ia a desvirtuar o próprio fundamento do processo cautelar, aplicando-o a objectos  a que não se encontra  funcionalmente ligado. O processo cautelar, não pode ser utilizado como meio processual residual. Ou seja, este é um meio processual funcionalmente orientado, cumprindo-lhe assegurar valores axiológicos do sistema como o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, quando a mesma esteja em causa. Numa palavra, o processo cautelar pressupõe: efectividade. Não pode pois,  ser visto como “válvula de escape” sob pena de se esvaziar o mesmo de sentido útil.
Considero pois que a alternativa tem de ser outra. Neste sentido, proponho a impugnação do acto administrativo sob forma de acção administrativa especial, o meio contencioso adequado face à pretensão que se visa tutelar. Antes demais, afaste-se já o âmbito de aplicação do artigo 56 do CPTA, pois além da lei nº 22/2012 de 30 de Maio não estabelecer qualquer consequência em caso de falta de pronúncia (ressalve-se a preclusão de competência), nem sequer já há acto administrativo susceptível de aceitação. A proposta da UTRAT configura-se como um parecer não-vinculativo. Primeiramente, a interpretação da lei nº 22/2012 de 30 de Maio deixa transparecer isso mesmo: “Apresentar à Assembleia da República propostas concretas de reorganização administrativa do território das freguesias, em caso de ausência de pronúncia das assembleias municipais”. Também o artigo 164º alínea n) da CRP deixa transparecer isso mesmo, atribuindo competência legislativa (decisória) à Assembleia da República. Ainda se poderá argumentar, que o parecer não é formalmente vinculativo, mas materialmente vinculativo. Ou seja, pode afirmar-se que a proposta da UTRAT não poderá ser alterada em sede de discussão e votação na Assembleia da República, uma vez que a mesma câmara não disporá do conhecimento técnico suficiente para emitir um juízo modificador do parecer, nem se propicia discutir pormenorizadamente caso a caso, freguesia a freguesia o porquê da sua agregação. No entanto, considero que o argumento não é procedente, visto que não se pode afirmar que a Assembleia da República é um mero autómato da vontade da UTRAT, uma vez que em último caso, sempre terá competência para votar desfavoravelmente a proposta da UTRAT. O mesmo argumento da não-vinculatividade do parecer serve para afirmar a inimpugnabilidade do “possível acto”, uma vez que segundo o artigo 120º CPA, este não tem conteúdo decisório.
Feitas as objecções, á que vislumbrar uma solução. Considero que o único meio adequado seria a impugnação do acto que proviesse da Assembleia da República. Nem se pense que o facto do acto emanar da Assembleia da República, lhe retira a sindicabilidade pelos tribunais administrativos, bem pelo contrário. O que se impugna não é o acto legislativo, é o acto administrativo sob forma de acto legislativo. O facto de revestir a forma de acto legislativo, em nada altera o conteúdo do acto administrativo que se pretenda impugnar, este apenas detém uma maior dignidade formal, ou seja, uma maior solenidade.
Afirma-se então que o acto é impugnável. Olhando mais de perto:
·         É um acto de conteúdo decisório
·         Emanado pelo órgão competente
·         Não tem conteúdo meramente confirmativo ou executório
·         Tem conteúdo positivo
·         Susceptibilidade de lesão directa e individual
·         Há legitimidade activa
·         Há legitimidade passiva

A legitimidade activa, além de provir do facto da freguesia ser destinatária do acto administrativo, provém essencialmente do facto de às autarquias locais ser atribuída legitimidade processual para a defesa da legalidade objectiva, como resulta expressamente da cláusula geral do artigo 9 nº2 do CPTA. Neste sentido, poderia a autarquia local impugnar o acto administrativo que a lesaria (no caso de violação dos parâmetros da Lei º 22/2012 de 30 de Maio), assim como poderia impugnar actos administrativos que não fosse expressamente destinatária, por exemplo, relativamente a freguesias contíguas (ou quaisquer outras) caso se verificasse de novo violação dos parâmetros a que deve obedecer a agregação de freguesias.
Nestas breves linhas procurei dar um esboço de resposta (pois as dúvidas persistem) a um problema, que pela sua actualidade a todos deve inquietar. Pela complexidade da questão, esperam-se tempos conturbados ao que à matéria da reorganização administrativa diz respeito. Irá haver um recurso “em massa” à Justiça Administrativa? Não sabemos, porém só a Jurisprudência saberá definir o que é ou não “Desorganização Administrativa…”.




Diogo Giroto nº 18643 subturma 6




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