A
EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
NO
ÂMBITO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
O Processo Executivo visa obter pela via judicial as
providências materiais necessárias que concretizem, no plano dos factos, aquilo
que foi juridicamente determinado pelo tribunal no processo declarativo, quer
se trate de pagamento de quantia certa, da entrega de coisa certa ou da prestação
de um facto positivo ou negativo.
No processo civil consideram-se as sentenças de condenatórias[1], onde se incluem:
a) as
sentenças de condenação stricto sensu;
b) a
parte condenatória de uma acção de simples apreciação ou de acção constitutiva em
que ao pedido principal de reconhecimento de existência ou inexistência de um
facto ou direito, o autor tenha cumulado um pedido de condenação;
c) a
sentença que condena em custas ou litigância de má fé;
No
processo administrativo existem algumas especificidades, que pretendemos
explicar com este texto.
A
execução de sentenças de tribunais administrativos está prevista nos artigos
157.º a 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante
CPTA), mas até se chegar à solução actual foi percorrido um longo e moroso
caminho, com regimes que em nada ajudavam os particulares a concretizar as suas
pretensões.
1. 1. Breve
Enquadramento Histórico:
Até
1977, em caso de falta de execução de uma sentença de um tribunal
administrativo pela Administração Pública, presumia-se a sua impossibilidade.
Para além disso o Governo podia escolher a forma de execução que fosse menos
prejudicial para o interesse público ou o momento mais conveniente, consoante
se tratasse de prestação de facto ou de obrigação de quantia certa,
respectivamente.
O Decreto-Lei
n.º 256-A/77[2]
constitui por isso, há época, um avanço significativo relativamente ao
cumprimento efectivo das sentenças de tribunais administrativos. No entanto, a
execução de sentenças continuou a ser limitada devido:
a) ao
contexto do sistema de justiça administrativa no que respeita aos meios de
acesso aos tribunais;
b) à
obrigatoriedade enfraquecida típica das sentenças anulatórias;
c) à
ausência de um verdadeiro processo executivo;
d) à
relativa inefectividade do processo em caso de inexecução ilícita[3].
Os
meios de execução de sentenças, apesar de estarem consagrados eram
impraticáveis, nas palavras de Freitas do Amaral: “Não é possível nem ao particular
nem ao tribunal, em hipótese limite, usar da força pública contra a
Administração. Não é possível ao tribunal administrativo requisitar a P. S. P.
para a mandar executar uma sentença contra o ministro da Administração Interna,
que é o superior hierárquico daquela polícia![4]”
A
reforma de 2004, norteando-se pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva
dos direitos dos particulares, alterou significativamente o regime da execução
de sentenças.
2. O
Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva
O
Principio da Tutela Jurisdicional Efectiva é antes de mais um direito
fundamental dos cidadãos que está consagrado, em termos gerais, no artigo 20.º
da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), e no artigo 268.º/4
CRP, onde é mais desenvolvido a propósito dos direitos e garantias dos
administrados.
No
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o artigo 2.º acolhe este
princípio e dá-lhe uma dimensão mais ampla e subjectiva em sede de processo
administrativo, visto que no seu n.º 1 insere o “direito de obter, em prazo
razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão
regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e
de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou conservatórias,
destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. E no seu n.º 2 reafirma que
“a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela
adequada junto dos tribunais administrativos”, indicando depois as diversas
formas de tutela consideradas.
3. A
Execução de Sentenças à Luz do Actual CPTA
Todas
as sentenças de tribunais administrativos que consubstanciam uma condenação
podem ser executadas. Acontece o mesmo relativamente às sentenças dos Tribunais
Judiciais, quando existe condenação são passíveis de execução.
Todavia,
no processo administrativo a doutrina e a lei adoptam um conceito amplo de
execução, que inclui as modalidades de cumprimento espontâneo ou voluntário da
sentença[5].
O
Tribunal competente para a execução de sentenças administrativas é o Tribunal
de Círculo onde a causa foi julgada, mesmo que a sentença a executar tenha sido
proferida por um tribunal superior devido a um recurso da decisão, isto porque
a regra do artigo 161.º/4 CPTA é alvo de uma interpretação sistemática e é por
isso influenciado pelo disposto nos artigos 90.º e seguintes do CPC.
Quanto
à legitimidade, este pressuposto processual não é regulado expressamente pelo
CPTA, este código limita-se a referir de forma genérica o conceito de “interessado”,
fazendo apenas uma ressalva quanto à legitimidade passiva dos contra
interessados, no âmbito da execução de sentenças anulatórias – artigo 177.º/1.
Deste conceito referido na lei, retira-se que a legitimidade pertence seguramente
às partes que ganharam a causa no processo declarativo. Todavia, alguma
doutrina estende a legitimidade a qualquer pessoa, mesmo que não tenha sido
parte na acção declarativa, desde que tenha um interesse directo nessa execução
e a sentença produza efeitos normativos ou erga omnes.
Relativamente
ao momento a partir do qual a sentença adquire força executiva o artigo 160.º/1
CPTA dispõe, também de forma idêntica ao processo civil[6], que as sentenças adquirem
força executiva depois do respectivo trânsito em julgado. Isto porque a regra
geral quanto aos recursos é o seu efeito suspensivo quanto à sentença. No
entanto, quando se possa conferir efeito meramente devolutivo ao recurso –
artigo 143.º CPTA – a sentença adquire desde a sua pronúncia força executiva
provisória.
O
CPTA elenca três formas de acção executiva: a execução para prestação de factos
ou de coisas, a execução para pagamento de quantia certa e a execução de
sentenças de anulação de actos administrativos. Cada uma destas formas é alvo
de um capítulo específico no Título dedicado à execução de sentenças do CPTA.
Quanto
à execução para prestação de factos ou de coisas, prevista nos artigos 162.º a
169.º do CPTA, existem algumas especialidades caso se trate de factos fungíveis
ou de factos infungíveis. Em relação aos primeiros, quando não haja execução
voluntária, a execução subrogatória pode ser conferida ao titular do órgão hierarquicamente
superior ou com poderes de superintendência. Para além disso, a lei equipara
aos factos fungíveis a prática de um acto administrativo legalmente devido de conteúdo
vinculado, permitindo a sua execução por substituição do acto por sentença do
próprio tribunal. Relativamente aos segundos, o juiz pode especificar a sentença
condenatória quanto aos actos e operações a adoptar identificando o órgão
responsável e fixando um prazo limite razoável para a realização da prestação,
que se não for cumprido dá origem a uma sanção pecuniária compulsória.
Quanto
à execução para pagamento de quantia certa, prevista nos artigos 170.º a 172.º
do CPTA, a maior especificidade é o facto de a Administração não poder invocar
a insuficiência de verbas próprias como causa legitima de inexecução.
Quanto
à execução de sentenças de anulação de actos administrativos, prevista nos
artigos 173.º a 179.º do CPTA, a lei não obriga à cumulação dos pedidos de
anulação de actos positivos com os de condenação à prática do acto devido ou ao
restabelecimento da situação hipotética, mas a não cumulação não significa a
preclusão da faculdade de exercer estas pretensões.
No
entanto, a doutrina entende que existem algumas lacunas na lei. Assim sendo, às
três formas supra mencionadas juntam-se a execução de sentenças que imponham
uma obrigação que tenha por objecto um facto negativo (de non facere ou de pati)
e a execução de sentença de declaração de ilegalidade por omissão de normas.
Quanto
às sentenças declarativas é normal que a lei nada consagre, visto que em princípio
estas não são passiveis de execução. Todavia, quando destas sentenças possam
resultar imposições para a Administração ou quando se trate de uma sentença de
declaração de nulidade, ainda que sejam meras sentenças declarativas podem ser
susceptíveis de execução.
4. Em
síntese…
O
problema da execução de sentenças administrativas – que adquiria uma dimensão
quase mítica devido à impossibilidade da Justiça dar ordens à Administração e por
se considerar que o cumprimento das sentenças era, nas palavras do Professor
Vasco Pereira da Silva, uma graça da
Administração, dado que ela era detentora do monopólio da força pública –
encontra-se actualmente resolvido de forma mais eficaz.
Isto
porque o regime consagrado no CPTA criou um novo contexto de plena jurisdição declarativa,
a partir do artigo 205.º/2 e 3 da Constituição da República Portuguesa passou a
retirar-se a obrigatoriedade das sentenças administrativas para as entidades
públicas, foi instituído um verdadeiro processo administrativo executivo devido
ao princípio da plena jurisdição executiva do artigo 3.º/3 CPTA e foi
assegurado o cumprimento efectivo pela Administração Pública do dever de
execução especifica das sentenças. Todas estas inovações que se traduzem numa
intensificação dos poderes judiciais de execução perante as autoridades
administrativas que, é importante referir, não ofende o princípio da separação
de poderes nem o respeito pela discricionariedade administrativa.
A
aproximação entre o processo executivo administrativo e o processo executivo
civil é evidente, por isso o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que as
regras do nosso ordenamento jurídico configuram um “processo especial de
execução”[7].
Joana Marques, 19657
BIBLIOGRAFIA:
·
ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE (2012) – Manual de Processo Administrativo,
Almedina
·
ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE (2004) – O Novo Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos, Almedina
·
AMARAL, DIOGO FREITAS (2011) – Curso de Direito Administrativo,
Almedina
·
ANDRADE, CARLOS VIEIRA DE (2009) – A Justiça Administrativa, Almedina
·
MACHETE, RUI (2002) – Execução de Sentenças Administrativas, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 34
·
OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; OLIVEIRA, RODRIGO
ESTEVES DE (2004) – Código de Processo
nos Tribunais Administrativos; Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
Anotado, Volume I Almedina
·
SILVA, VASCO PEREIRA DA (2009) – O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, Almedina
·
SILVA, VASCO PEREIRA DA (1989) – Para um Contencioso Administrativo dos
Particulares, Almedina
·
SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ
SALGADO DE (2006) – Direito
Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote
[1] Artigo 46.º/1/a)
do Código de Processo Civil
[2] Em vigor
até 2004
[3] vide Vieira
de Andrade
[4] vide Freitas
do Amaral
[5] O
Professor Freitas do Amaral acentua as limitações de uma execução forçada no
processo administrativo, no caso de serem as autoridades exequendas que detêm o
poder de coagir.
[6] Artigo 47.º
CPC
[7] vide Vasco
Pereira da Silva
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