terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Execução de Sentenças


A EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
NO ÂMBITO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO




            O Processo Executivo visa obter pela via judicial as providências materiais necessárias que concretizem, no plano dos factos, aquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal no processo declarativo, quer se trate de pagamento de quantia certa, da entrega de coisa certa ou da prestação de um facto positivo ou negativo.
            No processo civil consideram-se as sentenças de condenatórias[1], onde se incluem:
a) as sentenças de condenação stricto sensu;
b) a parte condenatória de uma acção de simples apreciação ou de acção constitutiva em que ao pedido principal de reconhecimento de existência ou inexistência de um facto ou direito, o autor tenha cumulado um pedido de condenação;
c) a sentença que condena em custas ou litigância de má fé;
No processo administrativo existem algumas especificidades, que pretendemos explicar com este texto.

A execução de sentenças de tribunais administrativos está prevista nos artigos 157.º a 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), mas até se chegar à solução actual foi percorrido um longo e moroso caminho, com regimes que em nada ajudavam os particulares a concretizar as suas pretensões.



1.    1.    Breve Enquadramento Histórico:

Até 1977, em caso de falta de execução de uma sentença de um tribunal administrativo pela Administração Pública, presumia-se a sua impossibilidade. Para além disso o Governo podia escolher a forma de execução que fosse menos prejudicial para o interesse público ou o momento mais conveniente, consoante se tratasse de prestação de facto ou de obrigação de quantia certa, respectivamente.
O Decreto-Lei n.º 256-A/77[2] constitui por isso, há época, um avanço significativo relativamente ao cumprimento efectivo das sentenças de tribunais administrativos. No entanto, a execução de sentenças continuou a ser limitada devido:
a) ao contexto do sistema de justiça administrativa no que respeita aos meios de acesso aos tribunais;
b) à obrigatoriedade enfraquecida típica das sentenças anulatórias;
c) à ausência de um verdadeiro processo executivo;
d) à relativa inefectividade do processo em caso de inexecução ilícita[3].
Os meios de execução de sentenças, apesar de estarem consagrados eram impraticáveis, nas palavras de Freitas do Amaral: “Não é possível nem ao particular nem ao tribunal, em hipótese limite, usar da força pública contra a Administração. Não é possível ao tribunal administrativo requisitar a P. S. P. para a mandar executar uma sentença contra o ministro da Administração Interna, que é o superior hierárquico daquela polícia![4]
           
A reforma de 2004, norteando-se pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, alterou significativamente o regime da execução de sentenças.



2.    O Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva

O Principio da Tutela Jurisdicional Efectiva é antes de mais um direito fundamental dos cidadãos que está consagrado, em termos gerais, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), e no artigo 268.º/4 CRP, onde é mais desenvolvido a propósito dos direitos e garantias dos administrados.
No Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o artigo 2.º acolhe este princípio e dá-lhe uma dimensão mais ampla e subjectiva em sede de processo administrativo, visto que no seu n.º 1 insere o “direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. E no seu n.º 2 reafirma que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, indicando depois as diversas formas de tutela consideradas.



3.    A Execução de Sentenças à Luz do Actual CPTA

Todas as sentenças de tribunais administrativos que consubstanciam uma condenação podem ser executadas. Acontece o mesmo relativamente às sentenças dos Tribunais Judiciais, quando existe condenação são passíveis de execução.
Todavia, no processo administrativo a doutrina e a lei adoptam um conceito amplo de execução, que inclui as modalidades de cumprimento espontâneo ou voluntário da sentença[5].
O Tribunal competente para a execução de sentenças administrativas é o Tribunal de Círculo onde a causa foi julgada, mesmo que a sentença a executar tenha sido proferida por um tribunal superior devido a um recurso da decisão, isto porque a regra do artigo 161.º/4 CPTA é alvo de uma interpretação sistemática e é por isso influenciado pelo disposto nos artigos 90.º e seguintes do CPC.
Quanto à legitimidade, este pressuposto processual não é regulado expressamente pelo CPTA, este código limita-se a referir de forma genérica o conceito de “interessado”, fazendo apenas uma ressalva quanto à legitimidade passiva dos contra interessados, no âmbito da execução de sentenças anulatórias – artigo 177.º/1. Deste conceito referido na lei, retira-se que a legitimidade pertence seguramente às partes que ganharam a causa no processo declarativo. Todavia, alguma doutrina estende a legitimidade a qualquer pessoa, mesmo que não tenha sido parte na acção declarativa, desde que tenha um interesse directo nessa execução e a sentença produza efeitos normativos ou erga omnes.
Relativamente ao momento a partir do qual a sentença adquire força executiva o artigo 160.º/1 CPTA dispõe, também de forma idêntica ao processo civil[6], que as sentenças adquirem força executiva depois do respectivo trânsito em julgado. Isto porque a regra geral quanto aos recursos é o seu efeito suspensivo quanto à sentença. No entanto, quando se possa conferir efeito meramente devolutivo ao recurso – artigo 143.º CPTA – a sentença adquire desde a sua pronúncia força executiva provisória.

O CPTA elenca três formas de acção executiva: a execução para prestação de factos ou de coisas, a execução para pagamento de quantia certa e a execução de sentenças de anulação de actos administrativos. Cada uma destas formas é alvo de um capítulo específico no Título dedicado à execução de sentenças do CPTA.
Quanto à execução para prestação de factos ou de coisas, prevista nos artigos 162.º a 169.º do CPTA, existem algumas especialidades caso se trate de factos fungíveis ou de factos infungíveis. Em relação aos primeiros, quando não haja execução voluntária, a execução subrogatória pode ser conferida ao titular do órgão hierarquicamente superior ou com poderes de superintendência. Para além disso, a lei equipara aos factos fungíveis a prática de um acto administrativo legalmente devido de conteúdo vinculado, permitindo a sua execução por substituição do acto por sentença do próprio tribunal. Relativamente aos segundos, o juiz pode especificar a sentença condenatória quanto aos actos e operações a adoptar identificando o órgão responsável e fixando um prazo limite razoável para a realização da prestação, que se não for cumprido dá origem a uma sanção pecuniária compulsória.
Quanto à execução para pagamento de quantia certa, prevista nos artigos 170.º a 172.º do CPTA, a maior especificidade é o facto de a Administração não poder invocar a insuficiência de verbas próprias como causa legitima de inexecução.
Quanto à execução de sentenças de anulação de actos administrativos, prevista nos artigos 173.º a 179.º do CPTA, a lei não obriga à cumulação dos pedidos de anulação de actos positivos com os de condenação à prática do acto devido ou ao restabelecimento da situação hipotética, mas a não cumulação não significa a preclusão da faculdade de exercer estas pretensões.  

No entanto, a doutrina entende que existem algumas lacunas na lei. Assim sendo, às três formas supra mencionadas juntam-se a execução de sentenças que imponham uma obrigação que tenha por objecto um facto negativo (de non facere ou de pati) e a execução de sentença de declaração de ilegalidade por omissão de normas.
Quanto às sentenças declarativas é normal que a lei nada consagre, visto que em princípio estas não são passiveis de execução. Todavia, quando destas sentenças possam resultar imposições para a Administração ou quando se trate de uma sentença de declaração de nulidade, ainda que sejam meras sentenças declarativas podem ser susceptíveis de execução.



4.    Em síntese…

O problema da execução de sentenças administrativas – que adquiria uma dimensão quase mítica devido à impossibilidade da Justiça dar ordens à Administração e por se considerar que o cumprimento das sentenças era, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, uma graça da Administração, dado que ela era detentora do monopólio da força pública – encontra-se actualmente resolvido de forma mais eficaz.
Isto porque o regime consagrado no CPTA criou um novo contexto de plena jurisdição declarativa, a partir do artigo 205.º/2 e 3 da Constituição da República Portuguesa passou a retirar-se a obrigatoriedade das sentenças administrativas para as entidades públicas, foi instituído um verdadeiro processo administrativo executivo devido ao princípio da plena jurisdição executiva do artigo 3.º/3 CPTA e foi assegurado o cumprimento efectivo pela Administração Pública do dever de execução especifica das sentenças. Todas estas inovações que se traduzem numa intensificação dos poderes judiciais de execução perante as autoridades administrativas que, é importante referir, não ofende o princípio da separação de poderes nem o respeito pela discricionariedade administrativa.
A aproximação entre o processo executivo administrativo e o processo executivo civil é evidente, por isso o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que as regras do nosso ordenamento jurídico configuram um “processo especial de execução”[7].





Joana Marques, 19657


BIBLIOGRAFIA:
·         ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE (2012) – Manual de Processo Administrativo, Almedina
·         ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE (2004) – O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina
·         AMARAL, DIOGO FREITAS (2011) – Curso de Direito Administrativo, Almedina
·         ANDRADE, CARLOS VIEIRA DE (2009) – A Justiça Administrativa, Almedina
·         MACHETE, RUI (2002) – Execução de Sentenças Administrativas, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 34
·         OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE (2004) – Código de Processo nos Tribunais Administrativos; Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotado, Volume I Almedina
·         SILVA, VASCO PEREIRA DA (2009) – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina
·         SILVA, VASCO PEREIRA DA (1989) – Para um Contencioso Administrativo dos Particulares, Almedina
·         SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE (2006) – Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote




[1] Artigo 46.º/1/a) do Código de Processo Civil
[2] Em vigor até 2004
[3] vide Vieira de Andrade
[4] vide Freitas do Amaral
[5] O Professor Freitas do Amaral acentua as limitações de uma execução forçada no processo administrativo, no caso de serem as autoridades exequendas que detêm o poder de coagir.
[6] Artigo 47.º CPC
[7] vide Vasco Pereira da Silva

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