terça-feira, 18 de dezembro de 2012


ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO LEGALMENTE DEVIDO – OS PODERES DE PRONÚNCIA DO TRIBUNAL

I – Introdução:

O presente trabalho tem como objectivo analisar os poderes de pronúncia do juiz na acção de condenação da prática do acto legalmente devido, artigo 67.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativo.
A este propósito, iniciarei a minha dissertação através de um enquadramento da figura procurando explicitar qual a sua utilidade em sede do contencioso administrativo.
Para isso, e com o fim de tornar mais clara a minha dissertação irei começar com uma breve referência às características desta acção enunciando os pressupostos de admissibilidade da mesma, ou seja, procurarei analisar o mais sucintamente o objecto desta acção, os requisitos para a sua proposição, a legitimidade, os prazos e a alteração da instância.
Estes primeiros, de enquadramento da matéria, afiguram-se, para mim, essenciais, na medida em que, só desta forma se chamará à atenção acerca de certas especificidades desta matéria, que a meu ver, são essenciais para posteriormente se perceber a amplitude maior ou menor dos poderes de pronúncia do Tribunal.
Quanto, à matéria dos poderes de pronúncia em si, procurarei mostrar as diferenças decorrentes da maior ou menor vinculação, da Administração, à prática do acto devido, cuja condenação está em causa.
Através desta explanação, tentarei deixar claro como nos dias de hoje, cada vez mais são menores os espaços de insindicabilidade do desempenho administrativo, ainda que a discricionariedade não deixe de ser um limite aos poderes de controlo judicial, é certo que nem todo o espaço discricionário está livre da missão jurisdicional, como mais adiante veremos. Tal facto, importa um importante avanço no controlo jurisdicional atribuindo maiores poderes de pronúncia ao juiz, bem como a queda dos dogmas que alimentavam a ideia da imunidade administrativa.
Por fim, procurarei demonstrar os meios que auxiliam a eficácia das sentenças de condenação à prática do acto devido, quer em sede declarativa, as sanções pecuniárias compulsórias; quer em sede executiva, as sentenças substitutivas. Quanto a estas últimas discorrerei também acerca da sua relação com o princípio da separação de poderes.

II - A Acção de Condenação à Prática de Acto Devido – Enquadramento

A acção de condenação à prática do acto devido, surge-nos como uma decorrência do papel interventivo da Administração e da necessidade de assegurar uma tutela efectiva dos direitos dos particulares, na medida em que seria ingénuo considerar que a administração nunca falha e como tal temos de assegurar aos particulares um meio de fazer valer os seus direitos através de uma acção que permita a condenação da Administração na obrigação de alteração dos seus comportamentos, para que aja de determinada maneira ou realize certa tarefa, que lhe é legalmente imposta.
Entre nós, cumpre assinalar que esta acção surge-nos primeiro como um preceito constitucional, a partir da reforma de 1997, que veio introduzir no artigo 268.º, nº.4, da Constituição, entre as garantias de tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”, no entanto, só com a reforma de 2004, esta acção foi inscrita no Código de Processo dos Tribunais Administrativo (doravante CPTA).
Tal como, já foi enunciado, a Administração não está isenta de erros, pelo que esta acção ao condenar a Administração à realização de determinada conduta dá também um importante contributo para uma melhor administração, que proteja melhor as garantias dos particulares, uma vez que incentiva a Administração a reflectir melhor e não permite o flagelo da inércia.
Em suma, dada a configuração deste pedido, o legislador não só tornou mais efectiva a protecção dos direitos e garantias dos particulares, como também serve de impulso para uma nova e melhor Administração, na medida em que passa a ser alvo de um novo tipo de controlo, mais efectivo.

III - A Acção de Condenação à Prática de Acto Devido – Características

Quanto a esta acção foi discutido se deveria ser ou não inserido num tipo independente de acção, no entanto a opção do nosso legislador foi consagrá-la como um dos tipos da acção administrativa especial.
Nos termos do artigo 66.º, n.º 1 do CPTA, o pedido de condenação é descrito como a forma que o autor tem de ver satisfeita a sua pretensão, quando entende que por via de omissão ou recusa, lhe foi negada pela Administração a prática de certo acto, que na sua prespectiva deveria ter sido emitido e não foi, ou sendo não foi totalmente de encontro à sua pretensão.
Quanto ao objecto, estabelece o artigo 66.º, n.º2: “ Ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória.
Do preceito, acima elencado retira-se, que o objecto é a pretensão do interessado, resta-nos saber qual. Nesse sentido, deve ser entendida como a pretensão ver reconhecida a existência de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão de um acto administrativo.
Importa, ainda, salientar quanto ao objecto que o pedido de condenação à prática do acto devido não tem de dizer respeito a uma actuação estritamente vinculada, podendo dizer respeito a um acto discricionário, não deixando de existir consequências quanto à utilidade da sentença que será tanto maior, quanto maior for a vinculação, pois quanto aos poderes discricionários o juiz estará sempre limitado pelo princípio da separação de poderes.
Quantos aos pressupostos para esta acção enunciados no artigo 67.º do CPTA, parece exigir um “procedimento prévio, da iniciativa do interessado, em regra, um requerimento dirigido ao órgão competente, (…)”[1], como se retira de alíneas a), b) e c) do referido artigo, no sentido em que nos termos destes artigos, para que esta condenação possa ser pedida a administração tem de ter omitido uma decisão, quando tinha esse dever, ou quando a administração recuse a prática de um acto, ou ainda, quando tenha recusado a apreciação de requerimento dirigido à prática do acto.
Portanto, exige-se neste preceito que impenda sobre a Administração um dever de agir, artigo 9.º do CPA. Consequentemente o particular cujo direito ou interesse legalmente protegido foi posto em causa, tem de dirigir um requerimento à Administração exigindo a prática do acto legalmente devido. Este requerimento, como foi acima descrito deve ser feito ao órgão competente, no entanto caso não seja, o órgão incompetente a quem foi dirigida tem o dever de remeter oficiosamente para o órgão competente, sendo que se não o fizer imputa-se ao órgão competente a inércia do primeiro, pelo que a posição do particular em nada fica afectada, artigo 34.º do CPA e artigo 67.º, n.º 3 do CPTA.
Uma vez apresentado requerimento à Administração são três as posições que esta pode tomar e correspondem às três alíneas do n.º1 do artigo 67.º, ou seja, a pura omissão, na alínea a); a recusa expressa do acto devido, na alínea b) e por fim a recusa de apreciação do requerimento, na alínea c).
Relativamente aos casos referidos na alínea a), está em causa uma conduta omissiva por parte da Administração. Por omissão entende-se não só os casos em que a Administração não emite decisão no prazo legalmente devido, um dos casos de inércia, artigo 69.º, n.º1 do CPTA. Trata-se de uma omissão pura devendo entender-se que o legislador ao consagrar este preceito pretende fazer cessar a ficção do indeferimento tácito, artigo 109.º do CPA, ou seja a redação deste artigo, veio caducar esta disposição.
Quanto a alínea b) estamos perante casos em que a Administração nega expressamente a pretensão do interessado enunciada no requerimento, ou não o fazendo não satisfaz totalmente a pretensão do seu autor.
Finalmente, no que diz respeito à alínea c) estão em causa situações em que a Administração, recusa expressamente a apreciação do requerimento quanto ao fundo da questão. Nas palavras do professor Mário Aroso de Almeida[2] “ Esta última situação compreende duas sub-hipótese, dado que a recusa de apreciação tanto se pode basear em motivos de ordem formal, como em considerações que envolvam a formulação de juízos valorativos quanto à oportunidade de decidir. Por isso, a recusa tanto poderá ser contestada em juízo com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou na falta de fundamento normativo que permitisse a sua invocação – desde logo, (…) eventual discordância em relação à interpretação que a Administração faça quanto ao preenchimento dos pressupostos de exoneração do dever de decisão,previstos no artigo 9.º, n.º 2 do CPA -, como com base na existência de circunstâncias que, no caso concreto, restrinjam ou eliminem a discricionariedade de acção que, em abstracto, a lei confira à Administração e de que ela se arrogue para se recusar a agir.”.
Finalmente, cabe fazer uma breve referência à figura do recurso hierárquico necessário enquanto requisito eventual da acção de condenação à prática de acto devido. No que respeita a este problema, muita tem sido a discussão doutrinal existindo aqueles que propugnam a inconstitucionalidade de semelhante exigência e que portanto concluem, apesar da omissão do legislador processual, não poder ser este um requisito. Ao passo que, os outros autores que não perfilham a tese da inconstitucionalidade, entendem que o recurso hierárquico necessário continua a ser requisito sempre que ele seja exigido em lei especial, pelo que nestes casos, e só nestes, o particular terá de se defender primeiro através desta figura e só depois poderá recorrer à acção de condenação à prática do acto devido.
No que concerne à legitimidade activa não existem nesta acção especiais particularidades, assim no artigo 68.º, n.º 1 do CPTA, são partes legítimas as pessoas singulares e colectivas na defesa dos seus direitos, o Ministério Público na defesa da legalidade e do interesse público, bem como as demais entidades enunciadas no artigo 9.º, n.º 2 do CPTA. Já no que concerne à legitimidade passiva é parte legítima não só “a entidade responsável pela situação de omissão ilegal”, como também se exige a demanda dos contra-interessados, nos termos do artigo 68.º, n.º 2. A este propósito cumpre especificar que este conceito de contra-interessados deve ser interpretado de forma restrita, isto é, respeitando apenas aos contra-interessados directos.
Ainda no seguimento deste enquadramento geral, importa chamar atenção para os prazos para accionar esta acção, artigo 69.º do CPTA. Assim, no caso de se tratar de uma actuação omissiva, o particular tem uma ano para propor a acção, prazo que começa a contar desde o término do prazo legal de decisão, uma vez que não existe um prazo geral de decisão no CPA a doutrina considera o prazo de noventa dias dos indeferimento e deferimento tácitos, artigos 109.º e 108.º do CPA.
No caso de se tratar de uma recusa, artigo 69.º, n.º2 do CPTA, o prazo é de três meses. 
Finalmente resta fazer uma breve alusão aos poderes da Administração na pendência do processo, artigo 70.º, n.º1 do CPTA estão aqui em causa as situações em que a Administração decide vir dar resposta ao particular já na pendência do processo.[3]

IV - A Acção de Condenação à Prática de Acto Devido – Poderes de pronúncia do Tribunal

Terminadas estas conderações iniciais, cabe agora analisar os poderes de pronuncia do juiz nesta acção, artigo 71.º do CPTA.
A este propósito, não podemos deixar de ter assente que não é ao Tribunal que incumbe o dever de administrar, pelo que ao dar ordens à Administração tem de estar sempre perante uma manifestação ilegal da administração, isto é o Tribunal tem apenas de zelar pelo direito e pelo dever e não pelo mérito e conveniência das decisões administrativas.
Assim, quanto aos poderes de pronúncia, o juiz lidará sobretudo com duas situações distintas, a primeira em que a actuação da Administração está vinculada e uma segunda respeitante a uma discricionariedade de escolha.
Sendo a actuação administrativa vinculada, estão em causa as situações em que o conteúdo do acto a praticar obrigatoriamente pela Administração encontra-se determinado pela lei. Incluem-se também neste ponto os casos da discricionariedade reduzida a zero[4].
Nestes casos o Tribunal “(…) pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido”, artigo 71.º, n.º1 do CPTA, tendo o poder/dever de indicar o conteúdo do acto a praticar, artigo 71.º, n.º 2 do CPTA a contrario).
Aqui a decisão do tribunal, apesar de determinar o conteúdo do acto devido não está a pôr em causa o princípio da separação de poderes, uma vez que o legislador, já tinha imposto esse conteúdo, através de um acto normativo, pelo que a Administração deve ser censurada por estar conscientemente a ofender um preceito legal.
Facilmente se conclui que é quanto aos actos vinculados que os poderes de pronúncia do juiz são maiores, pelo que é também nestes casos que os particulares conseguem uma maior tutela das suas pretensões visto que só nestes casos a sentença se pode substituir ao acto, sendo aqui a sentença da maior utilidade.
Quanto a actuação administrativa discricionária, o espaço de intervenção do juiz é menor, pois está limitado pelo princípio da separação de poderes, artigo 3.º do CPTA. Este princípio serviu no passado para reduzir o controlo judicial a zero, no entanto, para não cometer os mesmos erros do passado, não podemos limitar indefinidamente o controlo judicial, no que se refere à actuação discricionária, sendo este controlo imprescindível. Importa perceber que discricionariedade e controlo judicial não são realidades opostas, já que o controlo judicial não impede o reconhecimento da discricionariedade, apenas visa garantir que estes poderes discricionários são exercidos dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
A diferença face à sentença de condenação de actos vinculados é que, neste caso, o juíz apesar de continuar a poder apreciar e condenar a prática do acto, não pode determinar o conteúdo do mesmo, podendo apenas explicitar as vinculações a observar pela administração na emissão do acto devido, artigo 71.º, n.º 2 do CPTA.
Apesar das diferenças de pronúncia, não deixamos de encontrar pontos comuns às duas situações. Desde logo, em ambos se verifica a censura do ente administrativo, sendo que o Tribunal em ambas está obrigado a pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado, artigo 71.º, n.º1 do CPTA.
Nem sempre o Tribunal terá de fazer uma delimitação da condenação, isto porque, por vezes não estará perante todos os elementos que envolvem e caracterizam o caso concreto e que seriam essenciais para a correcta delimitação, como por exemplo todos aqueles casos em que o acto em causa pressupõe uma avaliação técnica em que o Tribunal mesmo depois de se socorrer de peritos não se encontra em condições de substituir a Administração, sendo facilmente compreensível, que neste caso os poderes de pronuncia do juiz se encontram limitados, pelas circunstâncias de facto, na determinação dos parâmetros a observar na emissão do acto devido. Neste caso o Tribunal pronunciará uma condenação genérica, obrigando a Administração a decidir, sendo que este tipo de pronúncia deve surgir sempre como a última das possibilidades.
Outra especificidade, nestas situações de simples recusa de apreciação do requerimento, nestes casos não existe nenhum procedimento, pelo que o Tribunal apenas pode condenar a entidade administrativa a pronunciar-se sobre o mérito da questão.
A possibilidade da sentença substitutiva anteriormente aludida, não é de verificação automática, isto porque antes de mais a sentença condenatória, tal como o nome indica, condena a Administração à prática de determinado acto, pelo que é esta que deve em primeiro lugar cumprir essa sentença, assim apenas quando a Administração não cumpre é que o CPTA oferece poderes de substituição ao Tribunal.
A este propósito está consagrado no artigo 66.º, n.º 3 do CPTA, o poder do Tribunal fixar uma sanção pecuniária compulsória, em sede de acção declarativa, sempre que considere justificado, de forma a prevenir o incumprimento, aplicando-se o disposto no artigo 169.º do CPTA. Através desta permissão de estipulação de uma sanção nestes termos, cria-se uma forma de coacção sobre o comportamento administrativo legal muito forte. Esta sanção consubstancia uma contribuição muito forte para a efectividade da condenação à prática do acto devido, pois tendo em conta a sua construção no artigo 169.º do CPTA, é fácil perceber que faz com que os titulares dos órgãos, cujo património fica afecto ao cumprimento desta obrigação[5] tenham mais atenção e maior cuidado face às situações em causa e se sintam mais compelidos a cumprir as obrigações determinadas pela sentença condenatória.  
Quanto ao poder de substituição surge-nos apenas na fase executiva, artigo 167.º, n.º 6 do CPTA. A aplicação deste preceito pressupõe que a Administração não tenha cumprido voluntariamente a sentença, nos termos do artigo 162.º, n.º 2 do CPTA, trata-se de uma situação de desrespeito por parte da Administração face ao Tribunal, em que os direitos dos particulares permanecem por satisfazer.
Posto isto, resta-nos saber quais as armas que o particular tem ao seu dispor, a resposta a esta pergunta está contida em dois preceito do instituto de execução, no que à acção de condenação de acto devido diz respeito, artigos 164.º, n.º4, alínea c) e 167.º, n.º 6 do CPTA.
Neste âmbito, o CPTA determina que o particular apenas pode requerer a execução forçada do acto legalmente devido no caso do conteúdo desse acto ser estritamente vinculado.
Nestes casos, o juiz, nos termos do artigo 167.º, n.º 6 do CPTA, substitui-se à Administração na prática do acto legalmente devido, produzindo a sentença do Tribunal os efeitos do acto legalmente omitido. Esta substituição surge como uma necessidade de forma a assegurar tanto a integridade constitucional como a garantia da legalidade do actividade administrativa, pois não nos podemos esquecer que é aos órgãos do poder judicial que compete zelar pela integridade do sistema e pelo retorno ao equilíbrio rompido.
Assim, como podemos ver esta substituição tem uma dupla função, a primeira é a de garantir a defesa dos direitos dos particulares e a segunda diz respeito ao reequilíbrio dos poderes, através da reposição da legalidade e defesa da autoridade judicial, sendo que esta função em nada antagoniza como princípio da separação de poderes, como é facilmente perceptível, visto que estas ainda são atribuições decorrentes da função jurisdicional, bem como tal decisão não retira qualquer legitimidade ou poder à Administração, pois é indefensável um poder discricionário por parte da Administração de incumprir as decisões judiciais.
Quanto ao princípio da separação de poderes pode-se mesmo dizer o poder de pronúncia do juiz em sede de sentença substitutiva resulta como sendo uma das suas exigências, na medida em que, este princípio neste âmbito funciona como uma limitação da substituição e não como uma recusa da mesma. Cumpre mais uma vez, aludir para a importância destas sentenças para reequilibrar os poderes do Estado, na medida em que elas só são necessárias se houver um prévio incumprimento de uma sentença judicial por parte da Administração, pelo que o juiz, ao se pronunciar nesta sede acaba por não substituir à Administração, exercendo uma função administrativa, mas antes continua a exercer uma função jurisdicional, para defesa da legalidade da actividade administrativa.
Não podemos deixar de analisar o problema do perigo do activismo judicial, que decorre do aumento dos poderes de pronúncia do juiz, no entanto em face do que já foi dito, parece que estamos apenas perante uma ameaça em potencial, que não deve pôr em causa toda esta construção do sistema de controlo, até porque a sua concretização no nosso sistema não se afigura como uma realidade a temer.
Apesar, do Tribunal se poder socorrer da sentença substitutiva, não se pode esquecer que esta tem de ter uma relação de coerência com a sentença a executar. O juiz no uso do poder de substituição deve atender à necessidade da medida à sua razoabilidade e à proporcionalidade, sendo estas exigências um limite funcional ao poder de substituição.
Quanto ao problema da execução das sentenças de condenação à prática de acto devido discricionário o CPTA é omisso, no entanto estas sentenças não podem deixar de ter uma resposta em sede de execução de sentenças.
A este propósito avançam-se duas soluções:
- A primeira, com base na opcionalidade, isto é com “(…) a passagem do prazo para o cumprimento espontâneo a Administração perderia a opcionalidade, perderia a liberdade de escolha e passaria a campo vinculado, actuando o incumprimento como condição resolutiva; e, por outro lado, tendo o incumprimento administrativo colocado em causa o equilíbrio de poderes, deverá o Tribunal estar autorizado a reequilibrar o sistema em nome da correcta concretização constitucional.”[6];
- A segunda, consagra a perpetuação do deferimento tácito, sendo que os defensores desta posição entendem que a anterior é inaceitável, porque amplia em demasia os poderes do juiz passando este a imiscuir-se numa função que não é sua por direito, assim sendo concluem ser esta solução o último resquício da protecção dos direitos dos particulares. Funcionando este instituto, a Administração não dando cumprimento no prazo devido à sentença de condenação, veria actuar o mesmo, oferecendo dessa forma a concretização do direito do particular.

V- Conclusão:

O pedido de condenação à prática do acto devido, surge-nos como uma das formas que permite uma tutela efectiva dos direitos dos particulares, no âmbito do Contencioso Administrativo.
O objecto do processo identifica-se com a pretensão do particular, artigo 66.º, n.º 2 do CPTA.
Esta acção, tem como principal finalidade a protecção dos direitos e interesses dos particulares, mas não deixa de ter uma função pedagógica exercendo uma constrangimento sobre a Administração importando que esta tenha uma maior consciência e preocupação de forma a assegurar uma melhor administração.
De modo a satisfazer todas as necessidades dos particulares o acto de recusa deve ser entendido de forma lata, de maneira a incluir, não só os casos de recusa expressa, mas também os actos que não satisfazem total ou parcialmente, a pretensão do particular.
O núcleo dos actos em virtude dos quais se recorre a este pedido diz respeito sobretudo aos casos de actos decorrentes da Administração Constitutiva, sendo que nos casos da Administração Agressiva, esta tutela só se justifica se houver necessidade de contrariar a incerteza e a insegurança jurídicas.
No que respeita aos poderes de pronúncia do juiz é notório o aumento dos mesmos.
Estando em causa, a condenação à prática de um acto vinculado, o juiz tem o poder de indicar o conteúdo do acto a praticar, a não ser que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, tal se mostre manifestamente impossível.
Se por outro lado estivermos perante um acto discricionário, o juiz vê os seus poderes de pronúncia limitados, mas não excluídos, uma vez que nestes casos o juiz não pode desrespeitar o princípio da separação de poderes, podendo contudo, apreciar da legalidade do acto.
Em ambos os casos, o juiz é obrigado a proceder a uma apreciação material do caso e Administração vê a sua conduta necessária.
A condenação à prática do acto devido não assegura só por si a tutela efectiva dos direitos dos particulares, na medida em que a Administração depois de condenada e uma vez que a sentença em sede declarativa não tem força executiva, pode continuar a incumprir a sentença. Face a esta realidade, existem dois meios auxiliares que permitem assegurar esta efectividade, o primeiro em sede declarativa, através da estipulação de uma sanção pecuniária compulsória e o segundo em sede executiva, através da figura da sentença de substituição.
A sanção pecuniária compulsória tem uma finalidade preventiva impondo um constrangimento sobre o titular do órgão incumpridor a cujo património é afecta a sanção pecuniária.
O poder de substituição surge como consequência, da não actuação espontânea da administração, no âmbito do processo de execução, sendo que apenas pode ser utilizado quando se esteja perante actos legalmente devidos com conteúdo estritamente vinculado.
Este poder, surge face a um incumprimento da Administração de uma decisão judicial e portanto de um desrespeito pela função jurisdicional, assim, este poder tem como objectivo reequilibrar o equilíbrio do sistema e defender a legalidade, valendo a sentença como acto administrativo legalmente devido.
Finalmente, ainda que, à partida a substituição do acto administrativo pela sentença pudesse culminar numa ingerência do poder judicial nas atribuições do poder administrativo e portanto configurar uma violação do princípio da separação de poderes, tal construção não se afigura possível dada a limitação da possibilidade de substituição aos actos estritamente vinculados, ou seja já resultava da lei que a Administração deveria actuar naquele sentido, pelo que a actuação do Tribunal apenas visa repor a legalidade da actuação administrativa, pelo que esta ainda é uma das funções que cabem nas atribuições do poder judicial.

VI – Bibliografia:

·         Almeida, Mário Aroso de, “ Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra 2012;
·         Andrade, José Carlos Vieira de, “ A Justiça Administrativa”, 11.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011;
·         Cadilha, António, “ Os poderes de pronúncia jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites funcionais da justiça administrativa”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia - Volume II - Coimbra Editora, 2011;
·         Pires, Rita Calçada, “O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006;
·         Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009.

 Joana Filipa Pinto Martins Guerra Correia, subturma 6, n.º 18657



[1]  ANDRADE, JOSÉ VIEIRA DE, “ A Justiça Administrativa”, 11.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 202.
[2] ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, “ Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra 2012; p. 328                       
[3] “ Tal problemática aponta para o facto de, ao iniciar-se o processo, ainda se permitir que o infractor se arrependa e cumpra com o seu dever, como que dando a possibilidade de remissão pelo mal que fez. E mais, está o legislador, consciente que o pecador pode resolver cumprir deforma ilegal e por tal abre portas ao ofendido para que este possa continuar a defender-se de actuações indevidas.” – PIRES, RITA CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.91
[4]“ (…) apesar de a norma libertar a Administração das malhas da vinculação, concedendo-lhe poderes discricionários quanto ao conteúdo favorável do acto devido, na prática face ao caso concreto, é certo que apenas uma e só uma, poderá ser a opção do ente administrativo Calçado Pires.” - PIRES, RITA CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.95
[5] “A figura da sanção pecuniária compulsória, de matriz francesa, (…), foi assim adoptada no ordenamento jurídico português. Porém, com a importante alteração de que as astreintes portuguesas recaem  sobre o património pessoal do titular do órgão incumpridor e não sobre o património público, o que favorece a maior efectividade da figura, tal como do instituto que pretende assegurar, no nosso caso, a condenação da Administração à prática de acto devido.” – PIRES, RITA CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.104
[6] PIRES, RITA CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 110

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