ACÇÃO
ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO LEGALMENTE DEVIDO – OS
PODERES DE PRONÚNCIA DO TRIBUNAL
I – Introdução:
O presente trabalho tem como objectivo
analisar os poderes de pronúncia do juiz na acção de condenação da prática do
acto legalmente devido, artigo 67.º, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativo.
A este propósito, iniciarei a minha
dissertação através de um enquadramento da figura procurando explicitar qual a
sua utilidade em sede do contencioso administrativo.
Para isso, e com o fim de tornar mais clara a
minha dissertação irei começar com uma breve referência às características
desta acção enunciando os pressupostos de admissibilidade da mesma, ou seja,
procurarei analisar o mais sucintamente o objecto desta acção, os requisitos
para a sua proposição, a legitimidade, os prazos e a alteração da instância.
Estes primeiros, de enquadramento da matéria,
afiguram-se, para mim, essenciais, na medida em que, só desta forma se chamará
à atenção acerca de certas especificidades desta matéria, que a meu ver, são
essenciais para posteriormente se perceber a amplitude maior ou menor dos
poderes de pronúncia do Tribunal.
Quanto, à matéria dos poderes de pronúncia em
si, procurarei mostrar as diferenças decorrentes da maior ou menor vinculação,
da Administração, à prática do acto devido, cuja condenação está em causa.
Através desta explanação, tentarei deixar
claro como nos dias de hoje, cada vez mais são menores os espaços de
insindicabilidade do desempenho administrativo, ainda que a discricionariedade
não deixe de ser um limite aos poderes de controlo judicial, é certo que nem
todo o espaço discricionário está livre da missão jurisdicional, como mais
adiante veremos. Tal facto, importa um importante avanço no controlo jurisdicional
atribuindo maiores poderes de pronúncia ao juiz, bem como a queda dos dogmas
que alimentavam a ideia da imunidade administrativa.
Por fim, procurarei demonstrar os meios que
auxiliam a eficácia das sentenças de condenação à prática do acto devido, quer em
sede declarativa, as sanções pecuniárias compulsórias; quer em sede executiva,
as sentenças substitutivas. Quanto a estas últimas discorrerei também acerca da
sua relação com o princípio da separação de poderes.
II - A Acção de Condenação à Prática de Acto
Devido – Enquadramento
A acção de condenação à prática do acto
devido, surge-nos como uma decorrência do papel interventivo da Administração e
da necessidade de assegurar uma tutela efectiva dos direitos dos particulares,
na medida em que seria ingénuo considerar que a administração nunca falha e
como tal temos de assegurar aos particulares um meio de fazer valer os seus
direitos através de uma acção que permita a condenação da Administração na
obrigação de alteração dos seus comportamentos, para que aja de determinada
maneira ou realize certa tarefa, que lhe é legalmente imposta.
Entre nós, cumpre assinalar que esta acção
surge-nos primeiro como um preceito constitucional, a partir da reforma de
1997, que veio introduzir no artigo 268.º, nº.4, da Constituição, entre as
garantias de tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos “a determinação da
prática de actos administrativos legalmente devidos”, no entanto, só com a
reforma de 2004, esta acção foi inscrita no Código de Processo dos Tribunais
Administrativo (doravante CPTA).
Tal como, já foi enunciado, a Administração
não está isenta de erros, pelo que esta acção ao condenar a Administração à
realização de determinada conduta dá também um importante contributo para uma
melhor administração, que proteja melhor as garantias dos particulares, uma vez
que incentiva a Administração a reflectir melhor e não permite o flagelo da
inércia.
Em suma, dada a configuração deste pedido, o
legislador não só tornou mais efectiva a protecção dos direitos e garantias dos
particulares, como também serve de impulso para uma nova e melhor
Administração, na medida em que passa a ser alvo de um novo tipo de controlo,
mais efectivo.
III - A Acção de Condenação à Prática de Acto
Devido – Características
Quanto a esta acção foi discutido se deveria
ser ou não inserido num tipo independente de acção, no entanto a opção do nosso
legislador foi consagrá-la como um dos tipos da acção administrativa especial.
Nos termos do artigo 66.º, n.º 1 do CPTA, o
pedido de condenação é descrito como a forma que o autor tem de ver satisfeita
a sua pretensão, quando entende que por via de omissão ou recusa, lhe foi
negada pela Administração a prática de certo acto, que na sua prespectiva
deveria ter sido emitido e não foi, ou sendo não foi totalmente de encontro à
sua pretensão.
Quanto ao objecto, estabelece o artigo 66.º, n.º2:
“ Ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada o
objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento,
cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia
condenatória.
Do preceito, acima elencado retira-se, que o
objecto é a pretensão do interessado, resta-nos saber qual. Nesse sentido, deve
ser entendida como a pretensão ver reconhecida a existência de um direito ou
interesse legalmente protegido, dirigido à emissão de um acto administrativo.
Importa, ainda, salientar quanto ao objecto
que o pedido de condenação à prática do acto devido não tem de dizer respeito a
uma actuação estritamente vinculada, podendo dizer respeito a um acto
discricionário, não deixando de existir consequências quanto à utilidade da
sentença que será tanto maior, quanto maior for a vinculação, pois quanto aos
poderes discricionários o juiz estará sempre limitado pelo princípio da
separação de poderes.
Quantos aos pressupostos para esta acção
enunciados no artigo 67.º do CPTA, parece exigir um “procedimento prévio, da
iniciativa do interessado, em regra, um requerimento dirigido ao órgão
competente, (…)”[1],
como se retira de alíneas a), b) e c) do referido artigo, no sentido em que nos
termos destes artigos, para que esta condenação possa ser pedida a
administração tem de ter omitido uma decisão, quando tinha esse dever, ou
quando a administração recuse a prática de um acto, ou ainda, quando tenha recusado
a apreciação de requerimento dirigido à prática do acto.
Portanto, exige-se neste preceito que impenda
sobre a Administração um dever de agir, artigo 9.º do CPA. Consequentemente o
particular cujo direito ou interesse legalmente protegido foi posto em causa,
tem de dirigir um requerimento à Administração exigindo a prática do acto
legalmente devido. Este requerimento, como foi acima descrito deve ser feito ao
órgão competente, no entanto caso não seja, o órgão incompetente a quem foi
dirigida tem o dever de remeter oficiosamente para o órgão competente, sendo
que se não o fizer imputa-se ao órgão competente a inércia do primeiro, pelo
que a posição do particular em nada fica afectada, artigo 34.º do CPA e artigo
67.º, n.º 3 do CPTA.
Uma vez apresentado requerimento à
Administração são três as posições que esta pode tomar e correspondem às três
alíneas do n.º1 do artigo 67.º, ou seja, a pura omissão, na alínea a); a recusa
expressa do acto devido, na alínea b) e por fim a recusa de apreciação do requerimento,
na alínea c).
Relativamente aos casos referidos na alínea
a), está em causa uma conduta omissiva por parte da Administração. Por omissão
entende-se não só os casos em que a Administração não emite decisão no prazo
legalmente devido, um dos casos de inércia, artigo 69.º, n.º1 do CPTA. Trata-se
de uma omissão pura devendo entender-se que o legislador ao consagrar este
preceito pretende fazer cessar a ficção do indeferimento tácito, artigo 109.º
do CPA, ou seja a redação deste artigo, veio caducar esta disposição.
Quanto a alínea b) estamos perante casos em
que a Administração nega expressamente a pretensão do interessado enunciada no
requerimento, ou não o fazendo não satisfaz totalmente a pretensão do seu
autor.
Finalmente, no que diz respeito à alínea c)
estão em causa situações em que a Administração, recusa expressamente a
apreciação do requerimento quanto ao fundo da questão. Nas palavras do
professor Mário Aroso de Almeida[2] “ Esta última situação
compreende duas sub-hipótese, dado que a recusa de apreciação tanto se pode
basear em motivos de ordem formal, como em considerações que envolvam a
formulação de juízos valorativos quanto à oportunidade de decidir. Por isso, a
recusa tanto poderá ser contestada em juízo com fundamento na inexistência de
facto dos motivos de ordem formal ou na falta de fundamento normativo que
permitisse a sua invocação – desde logo, (…) eventual discordância em relação à
interpretação que a Administração faça quanto ao preenchimento dos pressupostos
de exoneração do dever de decisão,previstos no artigo 9.º, n.º 2 do CPA -, como
com base na existência de circunstâncias que, no caso concreto, restrinjam ou
eliminem a discricionariedade de acção que, em abstracto, a lei confira à
Administração e de que ela se arrogue para se recusar a agir.”.
Finalmente, cabe fazer uma breve referência à
figura do recurso hierárquico necessário enquanto requisito eventual da acção
de condenação à prática de acto devido. No que respeita a este problema, muita
tem sido a discussão doutrinal existindo aqueles que propugnam a
inconstitucionalidade de semelhante exigência e que portanto concluem, apesar
da omissão do legislador processual, não poder ser este um requisito. Ao passo
que, os outros autores que não perfilham a tese da inconstitucionalidade,
entendem que o recurso hierárquico necessário continua a ser requisito sempre
que ele seja exigido em lei especial, pelo que nestes casos, e só nestes, o
particular terá de se defender primeiro através desta figura e só depois poderá
recorrer à acção de condenação à prática do acto devido.
No que concerne à legitimidade activa não
existem nesta acção especiais particularidades, assim no artigo 68.º, n.º 1 do
CPTA, são partes legítimas as pessoas singulares e colectivas na defesa dos
seus direitos, o Ministério Público na defesa da legalidade e do interesse
público, bem como as demais entidades enunciadas no artigo 9.º, n.º 2 do CPTA.
Já no que concerne à legitimidade passiva é parte legítima não só “a entidade
responsável pela situação de omissão ilegal”, como também se exige a demanda
dos contra-interessados, nos termos do artigo 68.º, n.º 2. A este propósito
cumpre especificar que este conceito de contra-interessados deve ser
interpretado de forma restrita, isto é, respeitando apenas aos
contra-interessados directos.
Ainda no seguimento deste enquadramento
geral, importa chamar atenção para os prazos para accionar esta acção, artigo
69.º do CPTA. Assim, no caso de se tratar de uma actuação omissiva, o
particular tem uma ano para propor a acção, prazo que começa a contar desde o
término do prazo legal de decisão, uma vez que não existe um prazo geral de
decisão no CPA a doutrina considera o prazo de noventa dias dos indeferimento e
deferimento tácitos, artigos 109.º e 108.º do CPA.
No caso de se tratar de uma recusa, artigo
69.º, n.º2 do CPTA, o prazo é de três meses.
Finalmente resta fazer uma breve alusão aos
poderes da Administração na pendência do processo, artigo 70.º, n.º1 do CPTA
estão aqui em causa as situações em que a Administração decide vir dar resposta
ao particular já na pendência do processo.[3]
IV - A Acção de Condenação à Prática de Acto
Devido – Poderes de pronúncia do Tribunal
Terminadas estas conderações iniciais, cabe
agora analisar os poderes de pronuncia do juiz nesta acção, artigo 71.º do
CPTA.
A este propósito, não podemos deixar de ter
assente que não é ao Tribunal que incumbe o dever de administrar, pelo que ao
dar ordens à Administração tem de estar sempre perante uma manifestação ilegal
da administração, isto é o Tribunal tem apenas de zelar pelo direito e pelo
dever e não pelo mérito e conveniência das decisões administrativas.
Assim, quanto aos poderes de pronúncia, o
juiz lidará sobretudo com duas situações distintas, a primeira em que a
actuação da Administração está vinculada e uma segunda respeitante a uma
discricionariedade de escolha.
Sendo a actuação administrativa vinculada,
estão em causa as situações em que o conteúdo do acto a praticar
obrigatoriamente pela Administração encontra-se determinado pela lei.
Incluem-se também neste ponto os casos da discricionariedade reduzida a zero[4].
Nestes casos o Tribunal “(…) pronuncia-se
sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido”,
artigo 71.º, n.º1 do CPTA, tendo o poder/dever de indicar o conteúdo do acto a
praticar, artigo 71.º, n.º 2 do CPTA a
contrario).
Aqui a decisão do tribunal, apesar de
determinar o conteúdo do acto devido não está a pôr em causa o princípio da
separação de poderes, uma vez que o legislador, já tinha imposto esse conteúdo,
através de um acto normativo, pelo que a Administração deve ser censurada por
estar conscientemente a ofender um preceito legal.
Facilmente se conclui que é quanto aos actos
vinculados que os poderes de pronúncia do juiz são maiores, pelo que é também
nestes casos que os particulares conseguem uma maior tutela das suas pretensões
visto que só nestes casos a sentença se pode substituir ao acto, sendo aqui a
sentença da maior utilidade.
Quanto a actuação administrativa discricionária,
o espaço de intervenção do juiz é menor, pois está limitado pelo princípio da
separação de poderes, artigo 3.º do CPTA. Este princípio serviu no passado para
reduzir o controlo judicial a zero, no entanto, para não cometer os mesmos
erros do passado, não podemos limitar indefinidamente o controlo judicial, no
que se refere à actuação discricionária, sendo este controlo imprescindível.
Importa perceber que discricionariedade e controlo judicial não são realidades
opostas, já que o controlo judicial não impede o reconhecimento da
discricionariedade, apenas visa garantir que estes poderes discricionários são
exercidos dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
A diferença face à sentença de condenação de
actos vinculados é que, neste caso, o juíz apesar de continuar a poder apreciar
e condenar a prática do acto, não pode determinar o conteúdo do mesmo, podendo
apenas explicitar as vinculações a observar pela administração na emissão do
acto devido, artigo 71.º, n.º 2 do CPTA.
Apesar das diferenças de pronúncia, não
deixamos de encontrar pontos comuns às duas situações. Desde logo, em ambos se
verifica a censura do ente administrativo, sendo que o Tribunal em ambas está
obrigado a pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado, artigo 71.º,
n.º1 do CPTA.
Nem sempre o Tribunal terá de fazer uma
delimitação da condenação, isto porque, por vezes não estará perante todos os
elementos que envolvem e caracterizam o caso concreto e que seriam essenciais
para a correcta delimitação, como por exemplo todos aqueles casos em que o acto
em causa pressupõe uma avaliação técnica em que o Tribunal mesmo depois de se socorrer
de peritos não se encontra em condições de substituir a Administração, sendo
facilmente compreensível, que neste caso os poderes de
pronuncia
do juiz se encontram limitados, pelas circunstâncias de facto, na determinação
dos parâmetros a observar na emissão do acto devido. Neste caso o Tribunal
pronunciará uma condenação genérica, obrigando a Administração a decidir, sendo
que este tipo de pronúncia deve surgir sempre como a última das possibilidades.
Outra especificidade, nestas situações de
simples recusa de apreciação do requerimento, nestes casos não existe nenhum
procedimento, pelo que o Tribunal apenas pode condenar a entidade
administrativa a pronunciar-se sobre o mérito da questão.
A possibilidade da sentença substitutiva
anteriormente aludida, não é de verificação automática, isto porque antes de
mais a sentença condenatória, tal como o nome indica, condena a Administração à
prática de determinado acto, pelo que é esta que deve em primeiro lugar cumprir
essa sentença, assim apenas quando a Administração não cumpre é que o CPTA
oferece poderes de substituição ao Tribunal.
A este propósito está consagrado no artigo
66.º, n.º 3 do CPTA, o poder do Tribunal fixar uma sanção pecuniária
compulsória, em sede de acção declarativa, sempre que considere justificado, de
forma a prevenir o incumprimento, aplicando-se o disposto no artigo 169.º do
CPTA. Através desta permissão de estipulação de uma sanção nestes termos,
cria-se uma forma de coacção sobre o comportamento administrativo legal muito
forte. Esta sanção consubstancia uma contribuição muito forte para a
efectividade da condenação à prática do acto devido, pois tendo em conta a sua
construção no artigo 169.º do CPTA, é fácil perceber que faz com que os
titulares dos órgãos, cujo património fica afecto ao cumprimento desta
obrigação[5] tenham mais atenção e
maior cuidado face às situações em causa e se sintam mais compelidos a cumprir
as obrigações determinadas pela sentença condenatória.
Quanto ao poder de substituição surge-nos
apenas na fase executiva, artigo 167.º, n.º 6 do CPTA. A aplicação deste
preceito pressupõe que a Administração não tenha cumprido voluntariamente a
sentença, nos termos do artigo 162.º, n.º 2 do CPTA, trata-se de uma situação
de desrespeito por parte da Administração face ao Tribunal, em que os direitos
dos particulares permanecem por satisfazer.
Posto isto, resta-nos saber quais as armas
que o particular tem ao seu dispor, a resposta a esta pergunta está contida em
dois preceito do instituto de execução, no que à acção de condenação de acto
devido diz respeito, artigos 164.º, n.º4, alínea c) e 167.º, n.º 6 do CPTA.
Neste âmbito, o CPTA determina que o
particular apenas pode requerer a execução forçada do acto legalmente devido no
caso do conteúdo desse acto ser estritamente vinculado.
Nestes casos, o juiz, nos termos do artigo
167.º, n.º 6 do CPTA, substitui-se à Administração na prática do acto
legalmente devido, produzindo a sentença do Tribunal os efeitos do acto
legalmente omitido. Esta substituição surge como uma necessidade de forma a
assegurar tanto a integridade constitucional como a garantia da legalidade do
actividade administrativa, pois não nos podemos esquecer que é aos órgãos do
poder judicial que compete zelar pela integridade do sistema e pelo retorno ao
equilíbrio rompido.
Assim, como podemos ver esta substituição tem
uma dupla função, a primeira é a de garantir a defesa dos direitos dos
particulares e a segunda diz respeito ao reequilíbrio dos poderes, através da
reposição da legalidade e defesa da autoridade judicial, sendo que esta função
em nada antagoniza como princípio da separação de poderes, como é facilmente
perceptível, visto que estas ainda são atribuições decorrentes da função
jurisdicional, bem como tal decisão não retira qualquer legitimidade ou poder à
Administração, pois é indefensável um poder discricionário por parte da
Administração de incumprir as decisões judiciais.
Quanto ao princípio da separação de poderes
pode-se mesmo dizer o poder de pronúncia do juiz em sede de sentença
substitutiva resulta como sendo uma das suas exigências, na medida em que, este
princípio neste âmbito funciona como uma limitação da substituição e não como
uma recusa da mesma. Cumpre mais uma vez, aludir para a importância destas
sentenças para reequilibrar os poderes do Estado, na medida em que elas só são
necessárias se houver um prévio incumprimento de uma sentença judicial por
parte da Administração, pelo que o juiz, ao se pronunciar nesta sede acaba por
não substituir à Administração, exercendo uma função administrativa, mas antes
continua a exercer uma função jurisdicional, para defesa da legalidade da
actividade administrativa.
Não podemos deixar de analisar o problema do
perigo do activismo judicial, que decorre do aumento dos poderes de pronúncia
do juiz, no entanto em face do que já foi dito, parece que estamos apenas
perante uma ameaça em potencial, que não deve pôr em causa toda esta construção
do sistema de controlo, até porque a sua concretização no nosso sistema não se
afigura como uma realidade a temer.
Apesar, do Tribunal se poder socorrer da
sentença substitutiva, não se pode esquecer que esta tem de ter uma relação de
coerência com a sentença a executar. O juiz no uso do poder de substituição
deve atender à necessidade da medida à sua razoabilidade e à proporcionalidade,
sendo estas exigências um limite funcional ao poder de substituição.
Quanto ao problema da execução das sentenças
de condenação à prática de acto devido discricionário o CPTA é omisso, no
entanto estas sentenças não podem deixar de ter uma resposta em sede de
execução de sentenças.
A este propósito avançam-se duas soluções:
- A primeira, com base na opcionalidade, isto
é com “(…) a passagem do prazo para o cumprimento espontâneo a Administração
perderia a opcionalidade, perderia a liberdade de escolha e passaria a campo
vinculado, actuando o incumprimento como condição resolutiva; e, por outro
lado, tendo o incumprimento administrativo colocado em causa o equilíbrio de
poderes, deverá o Tribunal estar autorizado a reequilibrar o sistema em nome da
correcta concretização constitucional.”[6];
- A segunda, consagra a perpetuação do
deferimento tácito, sendo que os defensores desta posição entendem que a
anterior é inaceitável, porque amplia em demasia os poderes do juiz passando
este a imiscuir-se numa função que não é sua por direito, assim sendo concluem
ser esta solução o último resquício da protecção dos direitos dos particulares.
Funcionando este instituto, a Administração não dando cumprimento no prazo
devido à sentença de condenação, veria actuar o mesmo, oferecendo dessa forma a
concretização do direito do particular.
V- Conclusão:
O pedido de condenação à prática do acto
devido, surge-nos como uma das formas que permite uma tutela efectiva dos
direitos dos particulares, no âmbito do Contencioso Administrativo.
O objecto do processo identifica-se com a
pretensão do particular, artigo 66.º, n.º 2 do CPTA.
Esta acção, tem como principal finalidade a
protecção dos direitos e interesses dos particulares, mas não deixa de ter uma
função pedagógica exercendo uma constrangimento sobre a Administração
importando que esta tenha uma maior consciência e preocupação de forma a
assegurar uma melhor administração.
De modo a satisfazer todas as necessidades
dos particulares o acto de recusa deve ser entendido de forma lata, de maneira
a incluir, não só os casos de recusa expressa, mas também os actos que não
satisfazem total ou parcialmente, a pretensão do particular.
O núcleo dos actos em virtude dos quais se
recorre a este pedido diz respeito sobretudo aos casos de actos decorrentes da
Administração Constitutiva, sendo que nos casos da Administração Agressiva,
esta tutela só se justifica se houver necessidade de contrariar a incerteza e a
insegurança jurídicas.
No que respeita aos poderes de pronúncia do
juiz é notório o aumento dos mesmos.
Estando em causa, a condenação à prática de
um acto vinculado, o juiz tem o poder de indicar o conteúdo do acto a praticar,
a não ser que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, tal se mostre
manifestamente impossível.
Se por outro lado estivermos perante um acto
discricionário, o juiz vê os seus poderes de pronúncia limitados, mas não
excluídos, uma vez que nestes casos o juiz não pode desrespeitar o princípio da
separação de poderes, podendo contudo, apreciar da legalidade do acto.
Em ambos os casos, o juiz é obrigado a
proceder a uma apreciação material do caso e Administração vê a sua conduta
necessária.
A condenação à prática do acto devido não
assegura só por si a tutela efectiva dos direitos dos particulares, na medida
em que a Administração depois de condenada e uma vez que a sentença em sede
declarativa não tem força executiva, pode continuar a incumprir a sentença.
Face a esta realidade, existem dois meios auxiliares que permitem assegurar
esta efectividade, o primeiro em sede declarativa, através da estipulação de
uma sanção pecuniária compulsória e o segundo em sede executiva, através da
figura da sentença de substituição.
A sanção pecuniária compulsória tem uma
finalidade preventiva impondo um constrangimento sobre o titular do órgão
incumpridor a cujo património é afecta a sanção pecuniária.
O poder de substituição surge como
consequência, da não actuação espontânea da administração, no âmbito do
processo de execução, sendo que apenas pode ser utilizado quando se esteja
perante actos legalmente devidos com conteúdo estritamente vinculado.
Este poder, surge face a um incumprimento da
Administração de uma decisão judicial e portanto de um desrespeito pela função
jurisdicional, assim, este poder tem como objectivo reequilibrar o equilíbrio
do sistema e defender a legalidade, valendo a sentença como acto administrativo
legalmente devido.
Finalmente, ainda que, à partida a
substituição do acto administrativo pela sentença pudesse culminar numa
ingerência do poder judicial nas atribuições do poder administrativo e portanto
configurar uma violação do princípio da separação de poderes, tal construção
não se afigura possível dada a limitação da possibilidade de substituição aos
actos estritamente vinculados, ou seja já resultava da lei que a Administração
deveria actuar naquele sentido, pelo que a actuação do Tribunal apenas visa
repor a legalidade da actuação administrativa, pelo que esta ainda é uma das
funções que cabem nas atribuições do poder judicial.
VI – Bibliografia:
·
Almeida, Mário Aroso de, “ Manual de Processo
Administrativo”, Almedina, Coimbra 2012;
·
Andrade, José Carlos Vieira de, “ A Justiça
Administrativa”, 11.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011;
·
Cadilha, António, “ Os poderes de pronúncia
jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites
funcionais da justiça administrativa”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia - Volume II - Coimbra Editora, 2011;
·
Pires, Rita Calçada, “O Pedido
de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização
Administrativa?”, 1.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006;
·
Silva, Vasco Pereira da, “O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2009.
Joana Filipa Pinto Martins Guerra
Correia, subturma 6, n.º 18657
[1]
ANDRADE, JOSÉ VIEIRA DE, “ A Justiça Administrativa”, 11.ª Ed.,
Almedina, Coimbra, 2011, p. 202.
[2] ALMEIDA, MÁRIO AROSO
DE, “ Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra 2012; p. 328
[3] “ Tal problemática
aponta para o facto de, ao iniciar-se o processo, ainda se permitir que o
infractor se arrependa e cumpra com o seu dever, como que dando a possibilidade
de remissão pelo mal que fez. E mais, está o legislador, consciente que o
pecador pode resolver cumprir deforma ilegal e por tal abre portas ao ofendido
para que este possa continuar a defender-se de actuações indevidas.” – PIRES,
RITA CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto
Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª
Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.91
[4]“ (…) apesar de a norma libertar a
Administração das malhas da vinculação, concedendo-lhe poderes discricionários
quanto ao conteúdo favorável do acto devido, na prática face ao caso concreto,
é certo que apenas uma e só uma, poderá ser a opção do ente administrativo
Calçado Pires.” - PIRES,
RITA CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto
Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª
Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.95
[5] “A figura da sanção
pecuniária compulsória, de matriz francesa, (…), foi assim adoptada no
ordenamento jurídico português. Porém, com a importante alteração de que as astreintes portuguesas recaem sobre o património pessoal do titular do
órgão incumpridor e não sobre o património público, o que favorece a maior
efectividade da figura, tal como do instituto que pretende assegurar, no nosso
caso, a condenação da Administração à prática de acto devido.” – PIRES, RITA
CALÇADA, O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido -
Desafiar a Modernização Administrativa?”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.104
[6] PIRES, RITA CALÇADA, O Pedido
de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido - Desafiar a Modernização
Administrativa?”, 1.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 110
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