domingo, 25 de novembro de 2012

Preclusão do Direito de Impugnação derivado da Aceitação de Acto Administrativo


Artigo 56.º
Aceitação do acto
1 - Não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado,
expressa ou tacitamente, depois de praticado.
2 - A aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de
facto incompatível com a vontade de impugnar.
3 - A execução ou acatamento por funcionário ou agente não se
considera aceitação tácita do acto executado ou acatado, salvo quando
dependa da vontade daqueles a escolha da oportunidade da execução.

1.                  Preliminares
A aceitação do acto administrativo está consagrada no ordenamento jurídico português nos artigo 56.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 53.º/4 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), apresentando-se genericamente como instituto que impede o sujeito aceitante de impugnar o acto por ele aceite.
Os preceitos deste art. 56.º mantêm intacto o regime do art. 47.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA) quanto à preclusão do direito de impugnar um acto administrativo por parte de quem o tenha aceite, expressa ou tacitamente, depois de praticado – solução que se estende aos próprios pedidos de condenação à prática de acto devido, quando se tenha aceitado o acto de indeferimento. [i] 
A aceitação surge assim, como requisito negativo de interposição de recurso por parte do sujeito aceitante.
1.1              Noção de aceitação
Antes de procedermos à enunciação dos elementos que entendo fazerem parte da noção de aceitação, vamos primeiramente ver como esta tem sido tratada pela jurisprudência e doutrina.
Começando pela jurisprudência, não têm sido poucas as decisões dos tribunais administrativos que se têm socorrido da figura da aceitação do acto administrativo, nomeadamente para afirmar a falta de legitimidade processual do recorrente.
No que diz respeito à doutrina, a questão central em torno da aceitação tem sido o tratamento da sua natureza jurídica. Em Portugal, parece que tem sido entendimento dos poucos que escreveram sobre a aceitação, que esta se consubstancia numa manifestação de vontade, que traduz um acordo com um acto administrativo. Alguns optam por incluir os tipos de aceitação dentro da noção, falando numa concordância expressa ou tácita.[ii]
Outros incluem o seu principal efeito, ou seja, a preclusão do direito de impugnação[iii]. E quanto aos seus efeitos, há mesmo quem entenda que a aceitação é um acto de disposição de uma situação jurídica subjectiva que esteja na titularidade do particular.[iv]
A lei não apresenta uma noção genérica de aceitação, apenas refere as suas principais modalidades e delimita a sua função tácita. Na nossa opinião, considero que desta fazem parte dois elementos essenciais: a existência de uma manifestação de vontade e de uma concordância com o conteúdo do acto.
Consideramos que a aceitação traduz uma manifestação de vontade do sujeito aceitante, isto é, a sua aceitação consiste num comportamento com um determinado conteúdo comunicativo através do qual se exprime uma vontade do agente que é valorada pelo Direito, pelo que, na nossa humilde opinião, são de excluir os casos em que é simplesmente a lei a pressupor a existência desse comportamento.
Por outro lado, também consideramos que a aceitação constitui uma manifestação de concordância com o conteúdo de um acto administrativo, constituindo um acto positivo e não negativo, ou seja, uma adesão, conformação, um acolhimento do conteúdo.
2 – Assimilação da aceitação à figura jurídica da Renúncia[v]
Em Portugal, no que diz respeito ao Processo Civil, parece que as concepções se dividem quanto à identificação ou afastamento da aceitação e renúncia, o que decorre de diferentes interpretações do artigo 681.º do CPC, pois há quem entenda que do preceito decorre que a aceitação constitui uma renúncia posterior à impugnação, e outros entendem que a aceitação e renúncia são efectivamente institutos jurídicos diversos. Passaremos a analisar brevemente as duas teses.
2.1- A aceitação como renúncia ao direito de impugnação
Segundo esta tese, a aceitação consiste numa manifestação de vontade do sujeito no sentido de abdicar do exercício do seu direito de impugnação, que é dizer renunciar a este mesmo direito. Esta tese vingou originariamente, no entanto, com um aprofundamento do instituto, foi rapidamente rejeitada e hoje em dia, praticamente não se vislumbram opiniões a seu favor.
2.2- A aceitação como renúncia ao direito subjectivo ou interesse legítimo
Segundo esta tese, cabe referir que, ao contrário da anterior, a renúncia incide sobre uma situação substantiva que pode ser um direito subjectivo ou um interesse legítimo.
Segundo ROBERTO MARRAMA, a aquiescência consiste num negócio renunciativo do interesse legítimo, definido este como o interesse à disciplina favorável, que subsiste como juridicamente relevante à adopção do acto administrativo. Assim sendo, a aceitação da disciplina desfavorável fixada pela Administração, não é mais que uma renúncia ao interesse em questão, isto é, ao interesse legítimo.
O autor faz a distinção entre a aceitação e a renúncia ao direito de impugnação, considerando que na primeira, a intenção abdicativa é projectada em relação ao interesse legítimo, surgindo a falta do poder de impugnação como um mero efeito reflexo, enquanto que no caso da renúncia ao poder de impugnação, a intenção abdicativa é projectada em relação ao poder de impugnação, sendo a perda do interesse legítimo agora um mero efeito reflexo.[vi]
Da análise destas duas teses decorre, desde logo, uma acentuação do papel da vontade do particular, no caso de uma vontade abdicativa, de um direito de impugnação ou de uma posição jurídica subjectiva, que pode ser um direito subjectivo ou um interesse legítimo, vontade esta que conduz à perda do direito de impugnação. A diferença entre as duas reside na acentuação do direito processual na tese da aceitação como renúncia ao direito de impugnação, e do carácter substantivo na tese da renúncia a um direito subjectivo ou interesse legítimo.

3- Classificação da Aceitação quanto à forma
O critério da forma permite-nos distinguir a aceitação tácita da aceitação expressa.[vii]
Na nossa opinião, esta classificação reveste a máxima importância, desde logo porque esta classificação de aceitação, em expressa e tácita, é a única prevista pelo legislador no art. 56.º CPTA, razão pela qual há quem a inclua na própria noção de aceitação. Por outro lado, determinar o que seja a aceitação tácita é uma das questões que mais tem ocupado os tribunais no que diz respeito à aceitação.
3.1- Aceitação Expressa
A aceitação expressa do acto administrativo é aquela que resulta de uma declaração com esse objecto – feita por escrito ou oralmente, desde que devidamente comprovada -, independentemente de o autor ter consciência de que tal declaração precludia o seu direito de acção.[viii]
3.2- Aceitação Tácita
O CPTA, no seu art. 56.º, apresenta duas situações em que considera a existência de aceitação tácita. Em primeiro lugar, o seu n.º 2 dispõe que “A aceitação deriva da prática, espontânea e sem reserva de facto incompatível com a vontade de impugnar.” E no seu n.º 3 refere que “A execução ou acatamento por funcionário ou agente não se considera aceitação tácita do acto executado ou acatado, salvo quando dependa da vontade daqueles a escolha da oportunidade da execução.
Independentemente das conclusões que se possam retirar da análise destas disposições, vamos desde logo fixar uma ideia de aceitação tácita que a permite distinguir da expressa e que decorre de postulados genéricos do Direito através do quais, se separam os actos tácitos dos expressos. Assim, a aceitação tácita é aquela em que o comportamento de um sujeito do qual se deduz indirectamente uma manifestação de vontade no sentido de acolher um determinado acto administrativo.
Do artigo 56.º/2 CPTA resulta uma primeira concretização de aceitação tácita do acto, onde para além de se considerar que esta resulta de um facto incompatível com a vontade de recorrer, também se dispõe que esta deve ser espontânea e sem reserva. Trata-se de uma concretização que, por contraposição com o n.º3 referente à aceitação de funcionários e agentes, em princípio está pensada para a aceitação dos particulares, o que configura, aliás, a maior parte dos casos e que alicerça a própria consagração do instituto. Tal não nos impede, todavia, de entender que por exemplo, características como a espontaneidade e a aus^ncia de reserva devem ser respeitadas num e noutro caso. De facto, a aceitação deve ser considerada como um instituto unitário, que reveste as mesmas características independentemente dos sujeitos que a pratiquem.
3.2.1- A expressão “facto incompatível com a vontade de impugnar”[ix]
O legislador considerou que basta a prática de um facto, incompatível com a vontade de recorrer, para que se possa considerar que existe a aceitação tácita do acto. Isto parece bastante amplo. Assim, é necessário determinar qual a amplitude do comportamento do sujeito que está aqui subjacente. Ou seja, saber se o comportamento do qual se vai concluir pela existência de declaração de vontade de aceitar um acto pode consistir num mero comportamento externo ou se, pelo contrário, se exige ainda um comportamento voluntário do sujeito. Entendemos que não basta a prática de um mero facto incompatível com a vontade de recorrer para considerar que temos uma verdadeira aceitação tácita. Temos que, dessa conduta humana poder retirar uma manifestação de vontade.
Quanto à vontade de impugnar, deve ser entendido como atitude do sujeito que revela a sua intenção de se fazer valer dos mecanismos processuais de recurso que o Direito lhe confere. Portanto, nos casos do artigo 56.º/2 CPTA, o comportamento do sujeito deve ser contrário ao espírito de qualquer posterior impugnação.
Com efeito, é clara a opção do legislador em ligar a aceitação do acto administrativo ao poder de impugnação. Assim, o principal efeito desta aceitação do acto, mesmo que tácita, é a preclusão do efeito do direito de impugnação. Atendendo a isto, esta figura da aceitação tácita, artigo 56.º/2 CPTA deverá ser interpretada restritamente, na medida em que a mera prática de um facto com as características exigidas pelo legislador não consubstancia por si só uma obrigatoriedade à sujeição àquele acto, nomeadamente a um acto administrativo ilegal, quando for caso disso. Nem todos os factos incompatíveis com a vontade de recorrer se podem configurar como aceitação tácita, só aqueles a partir dos quais se possa inferir uma declaração de vontade, com o recurso ao conceito de declaração tácita.
3.3- Concretização do preceito[x]
Quais as características que um comportamento deve observar para consideramos que estamos perante um facto incompatível com a vontade de impugnar do qual decorre uma manifestação da vontade de aceitar?
Assim, a actuação do sujeito deve ser espontânea. As causas que levam um sujeito a agir de certo modo decorrem apenas de circunstâncias externas que o leve a actuar num sentido.
                Uma outra característica da conduta do particular é ocorrer sem reserva. Significa que dela deve decorrer uma vontade clara de aceitar um determinado acto administrativo, não deixando quaisquer margens para dúvidas. Esta característica decorre também do artigo 217.º CC, quando se refere a “factos que com toda a probabilidade a revelem”. Esta probabilidade tem que traduzir certeza e clareza no sentido de uma vontade de aceitar.

Concluindo, num primeiro momento devemos verificar se existe um facto incompatível com a vontade de recorrer e, num segundo momento, averiguar se desse facto decorre uma vontade de aceitar. Para chegarmos a essa conclusão é necessário atender a uma valoração objectiva. Assim, trata-se de uma valoração do estado de consciência do sujeito, em que não está em causa a real intenção deste, mas sim o que objectivamente dela decorre, tendo em conta o entendimento que o homem médio teria. Apesar dos requisitos enunciados no artigo 56.º/2 CPTA, é necessário proceder ainda a uma ponderação de valores e interesses implícitos no instituto da aceitação, admitindo-se uma interpretação restrita do mesmo.

4- Classificação da Aceitação Quanto ao conteúdo
A este respeito, separamos a aceitação global da parcial.
A aceitação global será aquela que incide sobre todos os aspectos do conteúdo de um determinado acto administrativo, enquanto que a aceitação parcial incide apenas sobre alguns aspectos desse acto.
Muitas questões podem surgir em relação à aceitação parcial, desde logo, saber se o acto objecto de tal aceitação a pode acolher. E a este respeito, importa indagar acerca da divisibilidade ou indivisibilidade do conteúdo do acto administrativo em causa. Ora, um acto será de conteúdo indivisível se o seu conteúdo for de tal modo homogéneo que não suporta qualquer divisão sem que se ponha em causa o seu sentido e finalidades, não sendo permitida consequentemente, qualquer separação dos seus diversos componentes.
Tal homogeneidade do acto leva a que uma eventual discordância em relação ao seu conteúdo só possa ocorrer face ao seu todo, pelo que uma impugnação só poderá ser feita nestes moldes e consequentemente do mesmo modo, uma eventual manifestação de concordância também só poderá ocorrer em relação à totalidade do seu conteúdo. Por outro lado, um acto será de conteúdo divisível se o seu conteúdo não for homogéneo, permitindo-se uma separação dos seus diversos aspectos, sem que se ponha em causa o sentido e finalidades que fundamentam a sua existência. E neste sentido, uma eventual manifestação de vontade de concordância ou discordância face ao conteúdo de tal acto, poderá ocorrer relativamente a cada um dos seus aspectos individualmente considerados.
Posto isto, já se vê que uma aceitação parcial do acto administrativo só poderá ocorrer, quando o seu conteúdo seja de carácter divisível.

5- Contra-fundamentos da figura da aceitação do acto administrativo
O Princípio da Legalidade que vincula a actividade administrativa[xi], e o direito de impugnação dos sujeitos aceitantes configuram-se como contra-fundamentos da figura da aceitação do acto administrativo, porque são os valores que são postos em causa aquando da sua verificação.
A perda do direito de impugnação vai contribuir para a permanência na ordem jurídica de actos administrativos ilegais, quando estes sejam inválidos, uma vez que o sujeito aceitante perde a possibilidade de recorrer deles. Por outro lado, com a aceitação também se limita expressamente o direito à impugnação de actos administrativos, direito fundamental consagrado no art. 268.º/4 CRP.

6- Razões que levam à limitação do Princípio da Legalidade
Devemos considerar como fundamentos da aceitação do acto administrativo, em primeiro lugar o valor geral da segurança jurídica. Esta postula uma certeza, estabilidade e previsibilidade na realização do Direito e consiste precisamente na tendencial estabilidade dos casos decididos, através dos actos constitutivos de direitos. A aceitação como acto com efeito preclusivo da destruição do acto aceite, contribui para a sua permanência na ordem jurídica e desse modo, permite esta estabilidade jurídica.[xii]
Em segundo lugar, consideramos também como fundamento da aceitação o princípio da boa fé. Este está previsto no artigo 266.º/2 CRP e no art. 6.º-A CPA. Decorre directamente deste último artigo que tal princípio não vincula apenas a Administração, mas também todos os particulares que se relacionem com ela (art. 6.º-A/1 CPA) sendo principalmente em relação a estes, que a boa fé é relevante como fundamento da aceitação do acto administrativo.
A boa fé deve ser configurada como um conjunto de deveres acessórios que as partes devem respeitar no âmbito de uma relação jurídica administrativa. E a este respeito, a figura da aceitação do acto administrativo, enquanto manifestação de vontade de um sujeito de concordância ao conteúdo de um acto, encontra fundamento na boa fé. Desde logo, porque o sujeito que a presta não pode agir em contrariedade com tal declaração, sob pena de se porem em causa as expectativas e investimentos de confiança que os destinatários, ou terceiros interessados, tenham feito de tal comportamento.
Sendo a Administração Pública a principal destinatária de tal act de aceitação, será primacialmente face a ela que se deverá tutelar a confiança. E neste sentido, serão ainda interesses públicos que se estão a proteger. Pelo que com o instituto da aceitação visa-se principalmente garantir o princípio da prossecução do interesse público.

6.1 – A confiança legítima e o venire contra factum proprium
Uma das mais importantes concretizações do princípio da boa fé, e em especial como sendo fundamento da figura da aceitação do acto administrativo, reside na protecção de confiança.
A propósito do instituto da aceitação, a protecção de confiança como fundamento ganha forte relevância. Desde logo, porque quando se pretende impedir que o sujeito aceitante impugne o acto aceite, se está a atender às expectativas que outros interesados teriam de que tal acto não seria destruído, e que ocorreram precisamente pela circunstância da aceitação.
Posto isto, também releva uma outra concretização da boa fé, de certa forma também ligada à protecção da confiança legítima, e que mais especificamente fundamenta a aceitação do acto administrativo. Estamos a referir-nos à proibição do venire contra factum proprium, que consiste no facto de não se permitir que adoptada uma conduta com um certo sentido, posteriormente se venha a adoptar uma outra em sentido contrário.[xiii] Trata-se de uma proibição de comportamentos contraditórios, que se justifica pelo facto de, desse modo não se frustrar a confiança e as expectativas criadas em relação ao sentido dum comportamento inicial. Ora, no caso da aceitação do acto administrativo, uma eventual impugnação do acto aceite, corresponderia a uma conduta contrária à primeiramente praticada, razão pela qual se frustrariam as expectativas daqueles que acreditaram que o sujeito aceitante não iria pôr em causa o conteúdo do acto aceite.

7- Convalidação do conteúdo do Acto administrativo: sanação do vício de acto inválido?
À primeira vista, seria de considerar que com a aceitação do acto administrativo e a consequente perda do direito de impugnação, o acto inicialmente viciado deixa de o ser, consolida-o na ordem jurídica e passa a ser tratado como válido; isto é, com a aceitação, expurgar-se-ia o vício que afectava ab initio o acto, e este, passaria a ser tratado como se nunca tivesse sido ilegal.[xiv]
Trata-se de uma ideia que assenta na sanação do acto administrativo com efeitos retroactivos devido a uma manifestação de vontade de aceitar, tal como sucederia se a Administração tivesse praticado um acto de ratificação, reforma ou conversão do acto inicial, com a única diferença de que neste último caso existe uma verdadeira expurgação dos vícios que afectavam o acto, enquanto que no primeiro, embora tal acto passe a ser tratado pelo Direito como se esses vícios tivessem sido expurgados por efeitos da manifestação de vontade de aceitar, na realidade reconhece-se que tal não sucedeu assim.
Fala-se por isso, de convalidação do conteúdo de um acto porque o acto passaria a ser tratado como se nunca tivesse sido ilegal. E, neste sentido, consideramos que uma tal orientação só ganhará relevância quando a aceitação do acto se verifique por parte de todos os interessados no acto, visto que havendo ainda a possibilidade de algum sujeito o impugnar e de, como tal, o acto vir a ser invalidade, não fazer sentido afirmar que o seu conteúdo se convalidou.
Em nossa opinião, esta tese não é de acolher. Mas para percebermos esta posição, convém primeiramente definirmos o entendimento que temos acerca da convalidação de um acto.
A convalidação consiste na supressão do vício que afecta o acto inválido, por forma a que tal acto possa passar a estar em conformidade com o Direito. Neste sentido, entendemos que uma primeira via para conceber uma sanação do acto inválido seria pela consideração da vontade do sujeito aceitante como elemento que purifica o acto viciado. A este respeito, não vemos como no Direito Público uma manifestação de vontade de aceitação de um particular que possa dispor sobre a legalidade da actuação administrativa. Na verdade, ao contrário do que acontece na confirmação do negócio jurídico anulável em que estão em causa interesses privados, na aceitação do acto administrativo está em causa a definição de interesses públicos por parte da Administração, cujo conteúdo é indisponível por vontade dos particulares. Não se perceberia assim ,que tal manifestação de vontade de aceitar tivesse uma incidência no acto administrativo de molde a convalidar o seu conteúdo.
Consideramos antes que com a aceitação, ocorre uma estabilização dos efeitos do acto: na sanação, porque o acto inicialmente iníquo deixa de o ser, e como tal não pode ser impugnado, na inopugnabilidade porque, não obstante o acto ainda estar viciado por outras razões também não pode ser impugnado.




[i] OLIVEIRA, Mário Esteves/ OLIVEIRA, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, 2004.
[ii] GOMES, Henrique Martins, A aceitação dos Actos Administrativos, DJAP, Vol. I
[iii] ANDRADE, José Carlos Vieira, A aceitação do Acto Adminsitrativo, Boletim da Faculdade – Volume comemorativo, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2003
[iv] Em Portugal é a posição de RUI DE MANCHETE, Sanação do Acto Administrativo Inválido, DJAP, Vol. III
[v] LUÍS, SANDRA LOPES, Aceitação do Acto Administrativo, AAFDL, 2006.
[vi] MANCHETE, RUI, Sanação do Acto Administrativo Inválido, DJAP, Vol III.
[vii] Sendo a aceitação do acto administrativo uma manifestação de vontade só poderia revestir as formas expressa ou tácita.
[viii] OLIVEIRA, Mário Esteves/ OLIVEIRA, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, 2004.
[ix] LUÍS, SANDRA LOPES, Aceitação do Acto Administrativo, AAFDL, 2006.
[x] PINTO, PAULO MOTA, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Coimbra, 1995
[xi] Este princípio decorre do art. 266º/2 CRP e do art. 3.º CPA. E quando o entendemos como contra-fundamento da aceitação, estamos a entendê-lo como legalidade stricto sensu, no sentido de vinculação à lei ordinária.
[xii] Neste sentido SÉRVULO CORREIA, considerando que a perda da legitimidade pela aceitação decorre da lei em homenagem ao valor da segurança jurídica, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987
[xiii] MACHADO, JOÃO BAPTISTA, Tutela da Confiança e “Venire contra factum proprium”, RLJ n.º 3725
[xiv] SANTOS BOTELHO fala numa convalidação que ocorre a propósito do decurso do prazo e da aceitação, fazendo distinção entre uma sanação ou convalidação com efeitos retroactivos que expurgaria o vício do acto, e uma sanação relativa confinada aos efeitos invalidantes do acto ilegal, sem que a própria ilegalidade intrínseca e objectiva do acto deixasse de existir. A primeira, a que apelidamos de convalidação do conteúdo do acto, é defendida entre nós por DIOGO FREITAS DO AMARAL e SÉRVULO CORREIA.

Miguel Henriques
Aluno n.º 19779

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