domingo, 25 de novembro de 2012

Um Sumário sobre a Sumariedade



Este texto terá como objetivo a análise específica do conceito da Sumariedade como característica fundamental da tutela cautelar. 
Porém, antes de nos debruçarmos sobre essa característica de um modo mais aprofundado, é necessário reter algumas ideias que facilitem uma compreensão algo mais ampla da questão. Assim, partiremos de uma decomposição generalista do tema, para depois sim, podermos gradualmente aprofundar o nosso objeto a algo muito mais concreto e particular.
Assim sendo, se este tema tem como alicerce orientador a tutela cautelar, será pois proveitoso começar por dizer qual a base da mesma, ou seja, o que é isso e para que razão existe tutela cautelar. Qual sua utilidade e finalidade?
Como primeiro ponto assente, podemos antes de mais afirmar que se existe tutela cautelar, será evidentemente porque existem determinados processos que carecem dessa mesma tutela. É portanto o caso dos processos cautelares, figura basilar deste tema e na qual incidirá grande parte deste texto.

Para termos um ponto mais sólido de comparação, vamos também fazer uma brevíssima descrição do que eram os processos cautelares antes das mudanças consumadas com as revisões constitucionais de 1989 e em especial de 1997. 
Antes destas revisões, os processos cautelares consistiam somente na suspensão da eficácia do ato, do mesmo modo que os meios cautelares se encontravam consagrados numa categoria genérica de meios processuais acessórios. Ainda para mais, o objeto do processo cautelar consignava-se unicamente a atos administrativos e de efeito positivo. Isto levava à impossibilidade de inclusão tanto de normas, como de atos negativos num processo cautelar.
Relativamente ao seu conteúdo, os processos cautelares só podiam ser empregados para efeitos conservatórios, nunca para providências antecipatórias.
Finalmente, no que tocava aos critérios para a sua permissão, era estritamente necessário que não fosse possível reparar o dano proveniente da execução do ato, ou seja, que houvesse uma irreparabilidade do dano. No entanto, a providência cautelar apenas seria decretada se com esta não existisse um prejuízo grave para o interesse público.
Tal como foi supramencionado, foi essencialmente a partir da revisão constitucional de 1997 que se pôde contemplar uma modificação estrutural dos processos cautelares. A grande principal diferença é que com esta revisão constitucional, a Constituição da República Portuguesa passou a consagrar expressamente a proteção cautelar adequada como uma dimensão do princípio da tutela judicial efetiva dos direitos dos administrados, no seu artigo 268º, nº4. Este foi um marco que começou a ser construído pela revisão de 1989. Foi a partir desta data que se começaram a suspender alguns atos que, embora com efeitos positivos, eram atos em si negativos. Por outro lado, também surgiram alguns casos em que foi feita uma ponderação entre o dano previsível que seria decorrente da demora de uma decisão e a gravidade do prejuízo para o interesse público. Temos inclusivamente situações em que foram aplicadas providências cautelares não especificadas, ou em que foi reconhecida a sua aplicabilidade, com base no princípio constitucional da tutela judicial efetiva.


Se foi após a revisão constitucional de 1997 que se começou realmente a falar sobre uma “proteção cautelar adequada”, então é certo que deveremos encontrar a mesma noutros diplomas que não apenas a Constituição da República Portuguesa.
Efetivamente, se atentarmos no artigo 112º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), este diz-nos no seu nº1 que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. Depois, o nº2 do artigo 112º do CPTA mostra-nos um elenco das situações que, com as suas devidas alterações e nos casos em que se revelem adequadas, podem consistir em providências cautelares.
Ora, a primeira questão que se deve colocar neste ponto é saber qual será a finalidade última de um processo cautelar. Em termos muito resumidos, podemos dizer que estes processos servem para assegurar a utilidade de um processo principal que normalmente será muito mais longo que um processo cautelar. Por outras palavras, podemos afirmar que as providências cautelares não são mais do que uma prevenção contra as vicissitudes que advêm da morosidade de uma ação principal. E só assim poderia ser. Não faria qualquer sentido que um sujeito fosse prejudicado ainda antes de se chegar à conclusão se tinha ou não razão num caso que necessitasse de um certo tempo para ser encontrada justiça.
É precisamente no decorrer dessa precaução contra os inconvenientes de um processo moroso, que podemos vislumbrar as características típicas das providências cautelares. São elas a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade. Não obstante o tema do trabalho se centrar especificamente na característica da sumariedade, creio ser relevante fazer uma breve análise aos outros dois conceitos. Afinal, para compreendermos figura da providência cautelar como um todo, é necessário ter uma noção mínima de todas as suas características. Do mesmo modo que para aprofundar uma característica em concreto, é inevitável conhecer em geral a realidade em que esta se insere.



A primeira característica fundamental da tutela cautelar, mencionada supra, é a da instrumentalidade.
A instrumentalidade traduz-se na ligação ou no vínculo existente entre o processo principal e o processo acessório. Este último encontra-se sempre dependente do primeiro.
A justiça não é realizada através de um mecanismo instantâneo, onde um indivíduo vê o seu caso examinado num espaço de tempo bastante curto. Por muito aprazível ao pensamento que esse ideal seja, a verdade é que as pretensões da parte que tem legitimidade ativa têm de ser analisadas. Existe todo um procedimento que não pode ser magicamente tornado mais célere. Todavia, se me for permitida a analogia, embora não seja magia, podemos admitir que o procedimento cautelar é um truque de ilusionismo que faz transparecer a ideia de que a sentença foi dada no preciso instante em que o autor interpôs o seu pedido. Ou se quisermos, nas palavras de CHIOVENDA, a tutela cautelar terá como objetivo “fingir que a sentença é ditada no momento em que foi entregue a demanda”.
É evidentemente por a razão acima descrita que tem obrigatoriamente de haver instrumentalidade entre o processo principal e o processo acessório, ou a providência cautelar. Se vamos “fingir” que houve uma sentença ditada no mesmo instante em que a ação é proposta, isso quer necessariamente dizer que estamos a aparentar algo baseado numa realidade bastante concreta. Em última análise, tal como afirma ALBERTO DOS REIS, a tutela cautelar é “destinada a dar tempo a que a justiça realize a sua obra”.
No fundo, o processo acessório nasce somente para poder oferecer eficácia prática à providência definitiva, ou ao processo principal se quisermos. É nessa perspetiva que a garantia tutelar é em primeiro lugar instrumental. Trata-se de uma medida de segurança que admite à partida de que a ação principal será eventualmente dada como existente.

A segunda característica de que falaremos com um certo espírito de brevidade será a da provisoriedade. Tendo em conta o que foi dito acerca da figura da instrumentalidade, será fácil imaginar como é que a provisoriedade ganha relevo neste panorama.
Se o processo acessório é instrumental em relação ao processo principal, será uma questão de lógica concluir que assim que for ditada uma sentença a existência de uma providência cautelar deixa de fazer qualquer sentido. É nesse sentido que uma providência cautelar será também provisória.
Assim, a provisoriedade deve apenas subsistir somente durante o tempo em que tem utilidade, ou seja, durante o tempo em que está a cumprir a sua função. Tal como defende CALAMANDREI, a providência cautelar é mesmo “geneticamente provisória”, pois inerentemente à sua natureza encontra-se já existente a ideia de que está “destinada a deixar de existir”.
Ainda relativamente à provisoriedade, temos também uma parte da doutrina que tem um pensamento ligeiramente diferente do que foi supramencionado, defensor da ideia de que a decisão cautelar é totalmente dependente da decisão elaborada no processo principal. Deste modo, a decisão provisória, ou o processo acessório, são qualificados como “uma decisão sujeita a condição resolutiva”.
Finalmente, temos uma linha de pensamento cujo raciocínio argumentativo parte dos efeitos que se verificam com o surgimento do processo acessório. O principal defensor desta doutrina será TOMMASEO, que sustenta que a própria natureza da tutela cautelar pressupõe a falta de qualidade da decisão para produzir efeitos definitivos quanto ao mérito da questão. Quer isto dizer que todos os efeitos originados pela providência cautelar têm uma essência qualitativamente provisória, devendo portanto ser passíveis de poder ser revertidos, na medida em que a decisão está sujeita a ser revogada por outra decisão provisória ou afastada pela decisão do processo principal.
Em suma, a providência cautelar nunca poderá ser definitiva quanto ao mérito da causa, visto que a sua própria natureza impede a mesma de declarar a existência do direito acautelado. A providência cautelar não traz justiça, não resolve o problema do autor de forma definitiva, nem é esse o seu objetivo. O que temos é um juízo de valor assente num cálculo lógico e probabilístico, que irá defender um certo interesse enquanto não é tomada uma decisão de mérito relativamente a esse mesmo interesse, no processo principal.


Após uma breve análise às características da instrumentalidade e da provisoriedade, vamos agora proceder a um exame um pouco mais pormenorizado da última característica da tutela cautelar, sendo ela a da sumariedade.

Podemos começar por dizer que, segundo alguns autores, esta será a característica mais importante da tutela cautelar, na medida em que será a sumariedade que verdadeiramente distingue o processo cautelar do processo principal.
Como já foi mencionado algumas vezes neste texto, o procedimento que o juiz adota quando se depara com um processo que envolve a aplicação de uma tutela cautelar, é assente numa apreciação provisória e sumária da lide. Essencialmente porque ao decretar uma providência cautelar, o juiz apenas elaborou uma apreciação baseada em juízos de verosimilitude. Por outras palavras, em termos de prova é somente realizada uma sumaria cognitia sobre a lide. Tendo a providência cautelar o objetivo de “anular” o fator tempo presente no processo principal, é certo que para além de ter uma relação de intrumentalidade e de ser provisória, a providência cautelar teria necessariamente de ser feita de um modo sumário.
A meu ver, o pensamento acima descrito faz todo o sentido. Uma providência cautelar é uma forma de tutela urgente. Isso implica que haja obrigatoriamente uma decisão muito mais rápida, tendo como ponto de comparação uma ação principal. Deste modo, parece-me evidente que o juiz apenas realize um estudo superficial e nitidamente mais célere sobre o mérito da decisão. Se assim não fosse, uma providência cautelar não teria a sua razão de existência. Sendo decretada de um modo fugaz, a tutela cautelar cumpre assim a sua função, que é a de prevenir que a parte que supostamente tem razão no processo venha a ser prejudicada.
Por outro lado, argumenta ANSELMO DE CASTRO que se o juiz se dedicasse a um estudo mais exaustivo ou cuidado do processo acessório, que este “só traria inconvenientes, pois nesse caso o processo seria tão moroso como a ação principal, ficando, assim, frustrados os objetivos prosseguidos através dos procedimentos cautelares”. É preciso recordar que o juiz nunca decide quanto ao mérito da causa. Este apenas assegura um determinado direito, na expetativa que o mesmo venha a ser definitivamente declarado como existente na respetiva ação principal.  
É neste patamar que poderemos falar sobre o grau de prova necessário para que uma providência seja decretada. Tal como foi já mencionado anteriormente, o juiz deve decidir através do recurso a uma análise minimalista e superficial. Foi igualmente mencionado, supra, que o mérito da causa deve ser olhado tendo como base uma argumentação estabelecida na verosimilhança. Quer isto dizer que o grau de prova que basta para que seja decretada uma providência cautelar assenta na simples justificação.
Creio que essa medida também faz sentido. Se fosse necessária uma prova strictu sensu estaríamos a entrar no campo de uma verdadeira ação principal, pelo que o conceito de tutela cautelar estaria mais uma vez a ser desvirtuado. Se não bastasse uma simples justificação, ou por outras palavras, a demonstração da existência provável do direito alegado, então a tutela cautelar seria imediatamente destituída da celeridade que faz parte da sua essência. O mesmo seria dizer que deixaria de haver sumariedade.
É por essa razão que a doutrina portuguesa aceita que durante o processo cautelar “o juiz deve ter a certeza da existência provável do direito alegado”. A palavra--chave aqui é “provável”, pois havendo somente uma certeza por si só, então estaríamos uma vez mais no campo da ação principal. Assim, terá de haver algo próximo a uma certeza quanto à produção do dano, em conjunção com um juízo de probabilidade sobre a existência do direito. O mesmo será afirmar que o juiz da ação acessória deverá decretar o procedimento cautelar com base num trabalho sumário e no periculum in mora, assim como averiguar a aparência do direito, ou seja elaborar uma cognição sumária do processo.

Toda esta linha de pensamento leva a que seja conveniente apreciar com maior exatidão o conceito de “cognição sumária”, visto que é nessa ideia que assenta a característica da sumariedade.  
De acordo com a doutrina em geral, este tipo de cognição engloba um tipo de instrução em que tanto os conhecimentos dos factos como as fontes a que o juiz tem acesso são mais esbatidas. É por esse motivo que nos parágrafos acima se fala de uma análise mais superficial e menos aprofundada do mérito da causa. É precisamente por este cariz menos aprofundado e mais acelerado que a cognição cautelar é um tipo de tutela com cognição sumária. Para além de serem defendidos os interesses de uma parte, assentes numa condição probabilística e justificativa, a cognição sumária defende também uma decisão que tem especialmente em conta tanto o pressuposto da economia processual, como o carácter urgente da providência cautelar.
Mas podemos dizer ainda mais sobre a cognição sumária, mais concretamente sobre a cognição cautelar.
Primeiramente, não existe qualquer decisão antecipada relativamente ao que foi demandado pelo autor, visto que não há igualmente qualquer acolhimento do pedido da providência cautelar no processo principal. A tutela cautelar funciona como algo autónomo que tem apenas como função precaver o autor de ver os seus direitos lesados devido ao fator tempo. Como já foi dito, a ação acessória é bem distinta da ação principal, tendo como ponto comum a relação de instrumentalidade, já discutida no início deste texto. O que temos verdadeiramente é uma proteção contra todos os prejuízos que possam advir da morosidade do processo principal.
Em segundo lugar, toda a valoração do perigo é feita pelos cálculos probabilísticos do juiz, ou dizendo de outro modo, este deverá sustentar a cognição cautelar através de um fumus boni iuris. A providência cautelar forma-se, pois, com a verificação do periculum in mora, sendo decretada a mesma sem certezas da existência do direito acautelado, mas com a probabilidade de que o mesmo existirá.

Em jeito de conclusão, a ideia base que podemos retirar deste breve estudo, é que a característica da sumariedade assenta essencialmente numa certa aparência de um direito, e que essa aparência será pautada por um raciocínio de verosimilhança e de probabilidade, realizado pelo juiz a quem compete decidir sobre a tutela cautelar da parte. Os conceitos supramencionados terão, porém, de ser entendidos tendo sempre em linha de conta a instrumentalidade e a provisoriedade da providência cautelar.
Por outro lado, é igualmente importante reter a ideia de que a sumariedade, estando assente num raciocínio probabilístico, dá assim essência à tutela cautelar. Pegando humildemente nas palavras de CALAMANDREI, “no dia em que a existência do direito não for já uma hipótese, mas uma certeza jurídica, a providência cautelar esgotará a sua função”. Essa probabilidade será depois confirmada ou desmistificada dentro do processo principal, mas até lá, a mesma funcionará como um facto que protege os direitos da parte supostamente lesada. É por essa razão que me parece que a sumariedade será a característica fundamental da tutela cautelar. É certo que sem o seu carácter instrumental ou provisório, uma providência cautelar perderia grande parte da sua força. Mas é também inegável, repito, a meu ver, que sem a sumariedade, uma providência cautelar seria completa e totalmente desvirtuada, pois perderia a sua única função: a de proteger um indivíduo a tempo de não ser lesado injustamente.


Miguel Luis SantosVieira,
Nº16792



BIBLIOGRAFIA:

Monografias, Artigos e Teses

ALMEIDA, Mário Aroso de; Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010. 

ANDRADE, José Carlos Vieira de; A Justiça Administrativa (lições), 10ª Edição, Almedina, 2009.

FONSECA; Isabel Celeste M.; Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo : a propósito da urgência na realização da justiça, 2002

FONSECA, Isabel Celeste M.; Processo temporalmente justo e urgência : contributo para a autonomização da categoria da tutela jurisdicional de urgência na justiça administrativa, Coimbra Editora, 2009

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