Este texto terá como objetivo a análise
específica do conceito da Sumariedade como
característica fundamental da tutela cautelar.
Porém, antes de nos debruçarmos sobre
essa característica de um modo mais aprofundado, é necessário reter algumas
ideias que facilitem uma compreensão algo mais ampla da questão. Assim,
partiremos de uma decomposição generalista do tema, para depois sim, podermos
gradualmente aprofundar o nosso objeto a algo muito mais concreto e particular.
Assim sendo, se este tema tem como
alicerce orientador a tutela cautelar, será pois proveitoso começar por dizer
qual a base da mesma, ou seja, o que é isso e para que razão existe tutela
cautelar. Qual sua utilidade e finalidade?
Como primeiro ponto assente, podemos antes
de mais afirmar que se existe tutela cautelar, será evidentemente porque
existem determinados processos que carecem dessa mesma tutela. É portanto o
caso dos processos cautelares, figura basilar deste tema e na qual incidirá
grande parte deste texto.
Para termos um ponto mais sólido de
comparação, vamos também fazer uma brevíssima descrição do que eram os
processos cautelares antes das mudanças consumadas com as revisões
constitucionais de 1989 e em especial de 1997.
Antes destas revisões, os processos
cautelares consistiam somente na suspensão da eficácia do ato, do mesmo modo
que os meios cautelares se encontravam consagrados numa categoria genérica de
meios processuais acessórios. Ainda para mais, o objeto do processo cautelar
consignava-se unicamente a atos administrativos e de efeito positivo. Isto
levava à impossibilidade de inclusão tanto de normas, como de atos negativos
num processo cautelar.
Relativamente ao seu conteúdo, os
processos cautelares só podiam ser empregados para efeitos conservatórios,
nunca para providências antecipatórias.
Finalmente, no que tocava aos critérios
para a sua permissão, era estritamente necessário que não fosse possível
reparar o dano proveniente da execução do ato, ou seja, que houvesse uma
irreparabilidade do dano. No entanto, a providência cautelar apenas seria
decretada se com esta não existisse um prejuízo grave para o interesse público.
Tal como foi supramencionado, foi
essencialmente a partir da revisão constitucional de 1997 que se pôde
contemplar uma modificação estrutural dos processos cautelares. A grande
principal diferença é que com esta revisão constitucional, a Constituição da
República Portuguesa passou a consagrar expressamente a proteção cautelar
adequada como uma dimensão do princípio da tutela judicial efetiva dos direitos
dos administrados, no seu artigo 268º, nº4. Este foi um marco que começou a ser
construído pela revisão de 1989. Foi a partir desta data que se começaram a
suspender alguns atos que, embora com efeitos positivos, eram atos em si
negativos. Por outro lado, também surgiram alguns casos em que foi feita uma
ponderação entre o dano previsível que seria decorrente da demora de uma
decisão e a gravidade do prejuízo para o interesse público. Temos
inclusivamente situações em que foram aplicadas providências cautelares não
especificadas, ou em que foi reconhecida a sua aplicabilidade, com base no
princípio constitucional da tutela judicial efetiva.
Se foi após a revisão constitucional de
1997 que se começou realmente a falar sobre uma “proteção cautelar adequada”,
então é certo que deveremos encontrar a mesma noutros diplomas que não apenas a
Constituição da República Portuguesa.
Efetivamente, se atentarmos no artigo
112º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), este diz-nos
no seu nº1 que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos
tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das
providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem
adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
Depois, o nº2 do artigo 112º do CPTA mostra-nos um elenco das situações que,
com as suas devidas alterações e nos casos em que se revelem adequadas, podem
consistir em providências cautelares.
Ora, a primeira questão que se deve
colocar neste ponto é saber qual será a finalidade última de um processo
cautelar. Em termos muito resumidos, podemos dizer que estes processos servem para
assegurar a utilidade de um processo principal que normalmente será muito mais
longo que um processo cautelar. Por outras palavras, podemos afirmar que as
providências cautelares não são mais do que uma prevenção contra as
vicissitudes que advêm da morosidade de uma ação principal. E só assim poderia
ser. Não faria qualquer sentido que um sujeito fosse prejudicado ainda antes de
se chegar à conclusão se tinha ou não razão num caso que necessitasse de um
certo tempo para ser encontrada justiça.
É precisamente no decorrer dessa
precaução contra os inconvenientes de um processo moroso, que podemos
vislumbrar as características típicas das providências cautelares. São elas a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade. Não obstante o tema do trabalho se centrar
especificamente na característica da sumariedade, creio ser relevante fazer uma
breve análise aos outros dois conceitos. Afinal, para compreendermos figura da
providência cautelar como um todo, é necessário ter uma noção mínima de todas
as suas características. Do mesmo modo que para aprofundar uma característica
em concreto, é inevitável conhecer em geral a realidade em que esta se insere.
A primeira característica fundamental da
tutela cautelar, mencionada supra, é a da instrumentalidade.
A instrumentalidade traduz-se na ligação
ou no vínculo existente entre o processo principal e o processo acessório. Este
último encontra-se sempre dependente do primeiro.
A justiça não é realizada através de um
mecanismo instantâneo, onde um indivíduo vê o seu caso examinado num espaço de
tempo bastante curto. Por muito aprazível ao pensamento que esse ideal seja, a
verdade é que as pretensões da parte que tem legitimidade ativa têm de ser
analisadas. Existe todo um procedimento que não pode ser magicamente tornado
mais célere. Todavia, se me for permitida a analogia, embora não seja magia,
podemos admitir que o procedimento cautelar é um truque de ilusionismo que faz
transparecer a ideia de que a sentença foi dada no preciso instante em que o
autor interpôs o seu pedido. Ou se quisermos, nas palavras de CHIOVENDA, a
tutela cautelar terá como objetivo “fingir que a sentença é ditada no momento
em que foi entregue a demanda”.
É evidentemente por a razão acima
descrita que tem obrigatoriamente de haver instrumentalidade entre o processo
principal e o processo acessório, ou a providência cautelar. Se vamos “fingir”
que houve uma sentença ditada no mesmo instante em que a ação é proposta, isso
quer necessariamente dizer que estamos a aparentar algo baseado numa realidade
bastante concreta. Em última análise, tal como afirma ALBERTO DOS REIS, a
tutela cautelar é “destinada a dar tempo a que a justiça realize a sua obra”.
No fundo, o processo acessório nasce
somente para poder oferecer eficácia prática à providência definitiva, ou ao
processo principal se quisermos. É nessa perspetiva que a garantia tutelar é em
primeiro lugar instrumental. Trata-se de uma medida de segurança que admite à
partida de que a ação principal será eventualmente dada como existente.
A segunda característica de que
falaremos com um certo espírito de brevidade será a da provisoriedade. Tendo em
conta o que foi dito acerca da figura da instrumentalidade, será fácil imaginar
como é que a provisoriedade ganha relevo neste panorama.
Se o processo acessório é instrumental
em relação ao processo principal, será uma questão de lógica concluir que assim
que for ditada uma sentença a existência de uma providência cautelar deixa de
fazer qualquer sentido. É nesse sentido que uma providência cautelar será
também provisória.
Assim, a provisoriedade deve apenas
subsistir somente durante o tempo em que tem utilidade, ou seja, durante o
tempo em que está a cumprir a sua função. Tal como defende CALAMANDREI, a
providência cautelar é mesmo “geneticamente provisória”, pois inerentemente à
sua natureza encontra-se já existente a ideia de que está “destinada a deixar
de existir”.
Ainda relativamente à provisoriedade,
temos também uma parte da doutrina que tem um pensamento ligeiramente diferente
do que foi supramencionado, defensor da ideia de que a decisão cautelar é
totalmente dependente da decisão elaborada no processo principal. Deste modo, a
decisão provisória, ou o processo acessório, são qualificados como “uma decisão
sujeita a condição resolutiva”.
Finalmente, temos uma linha de
pensamento cujo raciocínio argumentativo parte dos efeitos que se verificam com o surgimento do processo acessório. O
principal defensor desta doutrina será TOMMASEO, que sustenta que a própria
natureza da tutela cautelar pressupõe a falta de qualidade da decisão para
produzir efeitos definitivos quanto ao mérito da questão. Quer isto dizer que
todos os efeitos originados pela providência cautelar têm uma essência
qualitativamente provisória, devendo portanto ser passíveis de poder ser
revertidos, na medida em que a decisão está sujeita a ser revogada por outra
decisão provisória ou afastada pela decisão do processo principal.
Em suma, a providência cautelar nunca
poderá ser definitiva quanto ao mérito da causa, visto que a sua própria
natureza impede a mesma de declarar a existência do direito acautelado. A
providência cautelar não traz justiça, não resolve o problema do autor de forma
definitiva, nem é esse o seu objetivo. O que temos é um juízo de valor assente
num cálculo lógico e probabilístico, que irá defender um certo interesse
enquanto não é tomada uma decisão de mérito relativamente a esse mesmo
interesse, no processo principal.
Após uma breve análise às
características da instrumentalidade e da provisoriedade, vamos agora proceder
a um exame um pouco mais pormenorizado da última característica da tutela
cautelar, sendo ela a da sumariedade.
Podemos começar por dizer que, segundo
alguns autores, esta será a característica mais importante da tutela cautelar,
na medida em que será a sumariedade que verdadeiramente distingue o processo
cautelar do processo principal.
Como já foi mencionado algumas vezes
neste texto, o procedimento que o juiz adota quando se depara com um processo
que envolve a aplicação de uma tutela cautelar, é assente numa apreciação
provisória e sumária da lide. Essencialmente porque ao decretar uma providência
cautelar, o juiz apenas elaborou uma apreciação baseada em juízos de
verosimilitude. Por outras palavras, em termos de prova é somente realizada uma
sumaria cognitia sobre a lide. Tendo
a providência cautelar o objetivo de “anular” o fator tempo presente no
processo principal, é certo que para além de ter uma relação de
intrumentalidade e de ser provisória, a providência cautelar teria
necessariamente de ser feita de um modo sumário.
A meu ver, o pensamento acima descrito
faz todo o sentido. Uma providência cautelar é uma forma de tutela urgente.
Isso implica que haja obrigatoriamente uma decisão muito mais rápida, tendo
como ponto de comparação uma ação principal. Deste modo, parece-me evidente que
o juiz apenas realize um estudo superficial e nitidamente mais célere sobre o
mérito da decisão. Se assim não fosse, uma providência cautelar não teria a sua
razão de existência. Sendo decretada de um modo fugaz, a tutela cautelar cumpre
assim a sua função, que é a de prevenir que a parte que supostamente tem razão
no processo venha a ser prejudicada.
Por outro lado, argumenta ANSELMO DE
CASTRO que se o juiz se dedicasse a um estudo mais exaustivo ou cuidado do
processo acessório, que este “só traria inconvenientes, pois nesse caso o processo
seria tão moroso como a ação principal, ficando, assim, frustrados os objetivos
prosseguidos através dos procedimentos cautelares”. É preciso recordar que o
juiz nunca decide quanto ao mérito da causa. Este apenas assegura um
determinado direito, na expetativa que o mesmo venha a ser definitivamente
declarado como existente na respetiva ação principal.
É neste patamar que poderemos falar
sobre o grau de prova necessário para que uma providência seja decretada. Tal
como foi já mencionado anteriormente, o juiz deve decidir através do recurso a uma
análise minimalista e superficial. Foi igualmente mencionado, supra, que o
mérito da causa deve ser olhado tendo como base uma argumentação estabelecida
na verosimilhança. Quer isto dizer que o grau de prova que basta para que seja
decretada uma providência cautelar assenta na simples justificação.
Creio que essa medida também faz
sentido. Se fosse necessária uma prova strictu
sensu estaríamos a entrar no campo de uma verdadeira ação principal, pelo
que o conceito de tutela cautelar estaria mais uma vez a ser desvirtuado. Se
não bastasse uma simples justificação, ou por outras palavras, a demonstração
da existência provável do direito alegado, então a tutela cautelar seria
imediatamente destituída da celeridade que faz parte da sua essência. O mesmo
seria dizer que deixaria de haver sumariedade.
É por essa razão que a doutrina
portuguesa aceita que durante o processo cautelar “o juiz deve ter a certeza da
existência provável do direito alegado”. A palavra--chave aqui é “provável”,
pois havendo somente uma certeza por si só, então estaríamos uma vez mais no
campo da ação principal. Assim, terá de haver algo próximo a uma certeza quanto
à produção do dano, em conjunção com um juízo de probabilidade sobre a
existência do direito. O mesmo será afirmar que o juiz da ação acessória deverá
decretar o procedimento cautelar com base num trabalho sumário e no periculum in mora, assim como averiguar
a aparência do direito, ou seja elaborar uma cognição sumária do processo.
Toda esta linha de pensamento leva a que
seja conveniente apreciar com maior exatidão o conceito de “cognição sumária”,
visto que é nessa ideia que assenta a característica da sumariedade.
De acordo com a doutrina em geral, este
tipo de cognição engloba um tipo de instrução em que tanto os conhecimentos dos
factos como as fontes a que o juiz tem acesso são mais esbatidas. É por esse
motivo que nos parágrafos acima se fala de uma análise mais superficial e menos
aprofundada do mérito da causa. É precisamente por este cariz menos aprofundado
e mais acelerado que a cognição cautelar é um tipo de tutela com cognição
sumária. Para além de serem defendidos os interesses de uma parte, assentes numa
condição probabilística e justificativa, a cognição sumária defende também uma
decisão que tem especialmente em conta tanto o pressuposto da economia
processual, como o carácter urgente da providência cautelar.
Mas podemos dizer ainda mais sobre a
cognição sumária, mais concretamente sobre a cognição cautelar.
Primeiramente, não existe qualquer decisão
antecipada relativamente ao que foi demandado pelo autor, visto que não há
igualmente qualquer acolhimento do pedido da providência cautelar no processo
principal. A tutela cautelar funciona como algo autónomo que tem apenas como
função precaver o autor de ver os seus direitos lesados devido ao fator tempo.
Como já foi dito, a ação acessória é bem distinta da ação principal, tendo como
ponto comum a relação de instrumentalidade, já discutida no início deste texto.
O que temos verdadeiramente é uma proteção contra todos os prejuízos que possam
advir da morosidade do processo principal.
Em segundo lugar, toda a valoração do
perigo é feita pelos cálculos probabilísticos do juiz, ou dizendo de outro
modo, este deverá sustentar a cognição cautelar através de um fumus boni iuris. A providência cautelar
forma-se, pois, com a verificação do periculum
in mora, sendo decretada a mesma sem certezas da existência do direito
acautelado, mas com a probabilidade de que o mesmo existirá.
Em jeito de conclusão, a ideia base que
podemos retirar deste breve estudo, é que a característica da sumariedade
assenta essencialmente numa certa aparência de um direito, e que essa aparência
será pautada por um raciocínio de verosimilhança e de probabilidade, realizado
pelo juiz a quem compete decidir sobre a tutela cautelar da parte. Os conceitos
supramencionados terão, porém, de ser entendidos tendo sempre em linha de conta
a instrumentalidade e a provisoriedade da providência cautelar.
Por outro lado, é igualmente importante
reter a ideia de que a sumariedade, estando assente num raciocínio probabilístico,
dá assim essência à tutela cautelar. Pegando humildemente nas palavras de
CALAMANDREI, “no dia em que a existência do direito não for já uma hipótese,
mas uma certeza jurídica, a providência cautelar esgotará a sua função”. Essa
probabilidade será depois confirmada ou desmistificada dentro do processo
principal, mas até lá, a mesma funcionará como um facto que protege os direitos
da parte supostamente lesada. É por essa razão que me parece que a sumariedade
será a característica fundamental da tutela cautelar. É certo que sem o seu carácter
instrumental ou provisório, uma providência cautelar perderia grande parte da
sua força. Mas é também inegável, repito, a meu ver, que sem a sumariedade, uma
providência cautelar seria completa e totalmente desvirtuada, pois perderia a
sua única função: a de proteger um indivíduo a tempo de não ser lesado
injustamente.
Miguel Luis SantosVieira,
Nº16792
BIBLIOGRAFIA:
Monografias, Artigos
e Teses
ANDRADE, José Carlos
Vieira de; A Justiça Administrativa (lições), 10ª Edição, Almedina, 2009.
FONSECA; Isabel Celeste
M.; Introdução ao estudo
sistemático da tutela cautelar no processo administrativo : a
propósito da urgência na realização da justiça, 2002
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