A ação de condenação da Administração à prática
do ato administrativo devido:
Mudança
de um Psicanalista Francês para um Psicanalista Alemão
- 1 Introdução
Inicio a minha análise ao tema com uma rápida
sumarização da modalidade descrita no título: a mesma será concisa, pois
pretendo cingir-me à análise sobre o conflito entre o modelo «francês tradicional»,
e o modelo alemão das «ações para cumprimento de um dever»
(«Verpflichtungsklage»)1, no âmbito da discussão pública sobre a reforma do
Direito Contencioso Administrativo.
A ação de condenação da Administração à prática de ato administrativo devido encontra-se prevista e regulada nos artigos 66º e seguintes do CPTA. É possível caracterizá-la como uma modalidade de ação administrativa especial, decorrente do Princípio de tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares em face da Administração, de acordo com o artigo 268º/4 da CRP.
A ação de condenação da Administração à prática de ato administrativo devido encontra-se prevista e regulada nos artigos 66º e seguintes do CPTA. É possível caracterizá-la como uma modalidade de ação administrativa especial, decorrente do Princípio de tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares em face da Administração, de acordo com o artigo 268º/4 da CRP.
- 2 Influência histórica das 2 Potências do Direito
Até à Reforma Constitucional de 1997, o Contencioso
Administrativo em Portugal viveu marcado pelo denominado figurino francês, ele
próprio sem conseguir sair da sombra da Revolução Francesa e da pesada herança
da separação de Poderes que adveio dos ideais defendidos pela mesma. Na base
dessa influência, o carácter intocável da Administração é exacerbado pela
limitação dos meios processuais acessíveis aos particulares em litígios com a
Administração2. Dessa forma, até recentemente se viu o Contencioso Administrativo
em Portugal funcionar tendo como base o recurso direto de anulação, que seria
apenas admitido, e de forma limitada:
- No domínio das ações (em matéria dos contratos e de responsabilidade)
- No âmbito do contencioso de anulação, através da malograda figura do “ato tácito de indeferimento”, cujo alcance limitado tem sido alvo de inúmeras criticas na doutrina constitucional Portuguesa.
Eis que surge na Alemanha, no pós-Segunda Guerra
Mundial (como resposta à ocupação militar estrangeira de território alemão),
uma alternativa viável ao «ato fingido»3 (uma referência à ficção da utilidade
do ato tácito de indeferimento) do modelo francês: a ação de condenação da
Administração, também denominada de “Vornahmeklage” ou “Verpflichtungsklage”.
Este novo modelo retira também da influência doutrinária de Jellinek, que havia criticado a
inutilidade da anulação de atos negativos, assim como a inércia que advém da
prática da mesma.
- 3 Portugal salta do Divã Francês para o Divã Alemão
É
com a Constituição de 1976 (assim como as revisões constitucionais de 1982,
1989 e 1997) que Portugal começa a analisar a capacidade efetiva do modelo
francês, e a procurar alternativas que permitam ao Contencioso Administrativo
resolver as suas lacunas, tanto “antigas” como “atuais”, através da introdução
de um contencioso de plena jurisdição.
Desde logo, com a revisão constitucional de 1982 e a reforma do Contencioso Administrativo de 1984-85, surge um novo meio processual que funciona de forma a complementar o já existente recurso directo de anulação e restantes acções tradicionais: a ação para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 69º da LEPTA. Visava esta nova ação assegurar a tutela efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas, e permite pela primeira vez ao particular optar entre o clássico recurso de anulação do indeferimento tácito ou intentar a ação de reconhecimento de direitos, algo que lhe estava anteriormente vedado pelo Contencioso Administrativo.
Mas é com a discussão pública à volta da revisão
constitucional de 1997 que se levanta verdadeiramente a questão essencial que
adveio da evolução constitucional que se iniciou em 1976: a determinação da
prática de atos administrativos legalmente devidos como componente essencial do
princípio de tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares
em face da Administração, conforme consagrada no artigo 268º, nº4 da CRP,
levantou a questão de se saber se nesta situação, o legislador (neste caso, o
Professor Sérvulo Correia) deveria:
- Optar pela criação de uma simples ação declarativa acompanhada de medidas compulsórias, Seria a solução mais em conformidade com o modelo francês, pois embora garantisse o cumprimento de um ato por parte da Administração, não consistia numa condenação per se, continuando o sistema de não-subordinação da Administração.
· Consagrar uma verdadeira e própria ação
condenatória inspirada no já referido «Verpflichtungsklage».
Deste confronto de doutrinas, prevaleceu a doutrina
alemã, que havia sido aliás a principal fonte de inspiração do nosso
legislador4. Nasce então a ação de condenação à prática do ato devido,
consagrada nos artigos 66º e seguintes do CPA (como modalidade de ação administrativa
especial). Tal corresponde à um importante passo em frente por parte do
Contencioso Administrativo nacional, que consegue resolver uma lacuna que advêm
do nascimento deste ramo do Direito, garantindo que o “novo centro” passa a ser
o respeito pela lei fundamental – a Constituição.
Vem esta problemática também demonstrar que, no que
diz respeito a assuntos de psicanálise, a escola germânica tem de facto
primazia sobre a escola francesa.
João
Nunes dos Santos, nº18549
Bibliografia:
·
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo,
2010
·
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, 2009
·
CPTA, CRP, CPA
Notas de Rodapé:
1 - cuja tradução literal é "Tomar Ação"
2- Caso Blanco, disponível para consulta no site do Conselho de Estado Francês
3- sobre o tema, ler a mordaz crítica de Ledda, «Agonia e Morte Ingloriosa dell' Interesse Legittimo»
4- Sérvulo Correia / Bernardo Ayala / Rui Medeiros, «Estudos de Direito Processual Administrativo», Lex, Lisboa, 2002, páginas 171 e 172
Nota: Este artigo foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico
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