domingo, 25 de novembro de 2012

Mudança de um Psicanalista Francês para um Psicanalista Alemão

 A ação de condenação da Administração à prática do ato administrativo devido:

Mudança de um Psicanalista Francês para um Psicanalista Alemão



  1. Introdução

Inicio a minha análise ao tema com uma rápida sumarização da modalidade descrita no título: a mesma será concisa, pois pretendo cingir-me à análise sobre o conflito entre o modelo «francês tradicional», e o modelo alemão das «ações para cumprimento de um dever» («Verpflichtungsklage»)1, no âmbito da discussão pública sobre a reforma do Direito Contencioso Administrativo.

A ação de condenação da Administração à prática de ato administrativo devido encontra-se prevista e regulada nos artigos 66º e seguintes do CPTA. É possível caracterizá-la como uma modalidade de ação administrativa especial, decorrente do Princípio de tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares em face da Administração, de acordo com o artigo 268º/4 da CRP.



  1. Influência histórica das 2 Potências do Direito 



Até à Reforma Constitucional de 1997, o Contencioso Administrativo em Portugal viveu marcado pelo denominado figurino francês, ele próprio sem conseguir sair da sombra da Revolução Francesa e da pesada herança da separação de Poderes que adveio dos ideais defendidos pela mesma. Na base dessa influência, o carácter intocável da Administração é exacerbado pela limitação dos meios processuais acessíveis aos particulares em litígios com a Administração2. Dessa forma, até recentemente se viu o Contencioso Administrativo em Portugal funcionar tendo como base o recurso direto de anulação, que seria apenas admitido, e de forma limitada:

  •  No domínio das ações (em matéria dos contratos e de responsabilidade)


  •  No âmbito do contencioso de anulação, através da malograda figura do “ato tácito de indeferimento”, cujo alcance limitado tem sido alvo de inúmeras criticas na doutrina constitucional Portuguesa.


Eis que surge na Alemanha, no pós-Segunda Guerra Mundial (como resposta à ocupação militar estrangeira de território alemão), uma alternativa viável ao «ato fingido»3 (uma referência à ficção da utilidade do ato tácito de indeferimento) do modelo francês: a ação de condenação da Administração, também denominada de “Vornahmeklage” ou “Verpflichtungsklage”. Este novo modelo retira também da influência doutrinária de Jellinek, que havia criticado a inutilidade da anulação de atos negativos, assim como a inércia que advém da prática da mesma.



  1.  Portugal salta do Divã Francês para o Divã Alemão




É com a Constituição de 1976 (assim como as revisões constitucionais de 1982, 1989 e 1997) que Portugal começa a analisar a capacidade efetiva do modelo francês, e a procurar alternativas que permitam ao Contencioso Administrativo resolver as suas lacunas, tanto “antigas” como “atuais”, através da introdução de um contencioso de plena jurisdição.

Desde logo, com a revisão constitucional de 1982 e a reforma do Contencioso Administrativo de 1984-85, surge um novo meio processual que funciona de forma a complementar o já existente recurso directo de anulação e restantes acções tradicionais: a ação para reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 69º da LEPTA. Visava esta nova ação assegurar a tutela efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas, e permite pela primeira vez ao particular optar entre o clássico recurso de anulação do indeferimento tácito ou intentar a ação de reconhecimento de direitos, algo que lhe estava anteriormente vedado pelo Contencioso Administrativo.

Mas é com a discussão pública à volta da revisão constitucional de 1997 que se levanta verdadeiramente a questão essencial que adveio da evolução constitucional que se iniciou em 1976: a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos como componente essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares em face da Administração, conforme consagrada no artigo 268º, nº4 da CRP, levantou a questão de se saber se nesta situação, o legislador (neste caso, o Professor Sérvulo Correia) deveria:

  •  Optar pela criação de uma simples ação declarativa acompanhada de medidas compulsórias, Seria a solução mais em conformidade com o modelo francês, pois embora garantisse o cumprimento de um ato por parte da Administração, não consistia numa condenação per se, continuando o sistema de não-subordinação da Administração.

·       Consagrar uma verdadeira e própria ação condenatória inspirada no já referido «Verpflichtungsklage».


Deste confronto de doutrinas, prevaleceu a doutrina alemã, que havia sido aliás a principal fonte de inspiração do nosso legislador4. Nasce então a ação de condenação à prática do ato devido, consagrada nos artigos 66º e seguintes do CPA (como modalidade de ação administrativa especial). Tal corresponde à um importante passo em frente por parte do Contencioso Administrativo nacional, que consegue resolver uma lacuna que advêm do nascimento deste ramo do Direito, garantindo que o “novo centro” passa a ser o respeito pela lei fundamental – a Constituição.

Vem esta problemática também demonstrar que, no que diz respeito a assuntos de psicanálise, a escola germânica tem de facto primazia sobre a escola francesa.



João Nunes dos Santos, nº18549




Bibliografia:
·         Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2010
·         Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009
·         CPTA, CRP, CPA


Notas de Rodapé:

1 - cuja tradução literal é  "Tomar Ação"
2-  Caso Blanco, disponível para consulta no site do Conselho de Estado Francês 
3-  sobre o tema, ler a mordaz crítica de Ledda, «Agonia e Morte Ingloriosa dell' Interesse Legittimo»
4- Sérvulo Correia / Bernardo Ayala / Rui Medeiros, «Estudos de Direito Processual Administrativo», Lex, Lisboa, 2002, páginas 171 e 172


Nota: Este artigo foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico


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