domingo, 25 de novembro de 2012

Sentenças substitutivas: O chapéu de chuva da discricionariedade, violando o princípio da separação de poderes?




Na esteira de Diogo Freitas do Amaral, a expressão separação de poderes tem um significado ambivalente no sentido em que tem um alcance político e um alcance constitucional. O mesmo é dizer que a separação de poderes tanto se consubstancia na arquitectura (estruturação) de um Estado, atribuindo a uma miríade de órgãos funções que só eles devam desempenhar, como, no plano da constitucionalidade a subtracção à Administração pública da função judicial e aos Tribunais a função administrativa. A separação das funções tem de traduzir-se numa separação de órgãos.
Não nos parece que a actuação da Administração com recurso ao poder discricionário fira o princípio da legalidade, sendo antes um modo especial da sua configuração. Dizemo-lo já que só há lugar a poder discricionário quando e da forma a lei administrativa o conceda. É aliás a própria lei que atribui à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferntes de decisão. A actuação da administração é sempre circunscrita aos limites impostos por lei, logo à partida por o seu fundamento ser emanado duma norma jurídica, norma essa que deverá ter uma densidade normativa tal que permita antecipar a actuação administrativa, garantindo deste modo a tão necessária segurança jurídica.
Sob um outro ponto de vista, é legítimo questionar se o escrupuloso cumprimento da lei por parte da Administração importa automaticamente o respeito pelos direitos subjectivos e dos interesses legalmente protegidos dos particulares. O exercício do poder administrativo, ainda que balizado no campo da discricionariedade, pode e deve ser visto como um instrumento de realização do direito. A Administração não é uma “entidade” susceptível de ofender os direitos dos particulares, assim como o Contencioso Administrativo não se esgota numa concepção de tutela desses mesmos direitos, como se de um escudo se tratasse. A lei administrativa é hoje ingrediente de um bolo que vincula a Administração, bolo esse onde convivem princípios constitucionais, direito internacional, direito europeu, etc.

Cabe partir da letra do 3º/1 CPTA, do qual se retira que os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação, pelo respeito do princípio da separação de poderes. Ainda assim, note-se que existe uma proximidade estrutural entre acto administrativo e sentenças, já que em ambos os casos se define e aplica Direito a um caso concretamente considerado.
Uma sentença substitutiva é emanada pela função jurisdicional produzindo efeitos pré-estabelecidos por norma jurídica e pela primeira determinados. Trata-se, assim, de um instrumento através do qual os tribunais administrativos substituem a Administração Pública, praticando, através de uma permissão normativa, actos em matérias sobre as quais a competência primária pertence à Administração e assumindo esse acto o suprimento da omissão de prática de um acto administrativo ou a sua revogação.

Repetimos: esta “actividade substitutiva” circunscreve-se aos domínios de estrita vinculação jurídica. A faculdade de suprir a omissão de uma conduta administrativa de um órgão competente para tal não atinge o princípio da separação de poderes. Aliás se assim fosse, a intervenção dos Tribunais Administrativos não poderia abarcar a anulação de actos administrativos, mas antes a proclamação de sentenças declarativas reconhecendo a existência de vicio (s) em dado acto e remetendo para o seu autor ( a Administração) a faculdade de o anular. Para mais, a natureza substitutiva da decisão judicial não significa necessariamente que a função judicial tome as vestes de administradora. Na verdade, e como bem observa Luís Felipe Colaço Antunes, sendo o facto administrativo posterior à norma e a sentença posterior a este último, a decisão judicial adquire natureza substitutiva.

A sentença substitutiva não tem como efeito único constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. É nossa convicção que torna a tutela jurisdicional mais efectiva, já que é uma tarefa de reconhecimento do que a lei administrativa impõe de forma abstracta.

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