Na esteira de Diogo Freitas do
Amaral, a expressão separação de poderes tem um significado ambivalente no
sentido em que tem um alcance político e um alcance constitucional. O mesmo é
dizer que a separação de poderes tanto se consubstancia na arquitectura
(estruturação) de um Estado, atribuindo a uma miríade de órgãos funções que só
eles devam desempenhar, como, no plano da constitucionalidade a subtracção à
Administração pública da função judicial e aos Tribunais a função
administrativa. A separação das funções tem de traduzir-se numa separação de
órgãos.
Não nos parece que a actuação da
Administração com recurso ao poder discricionário fira o princípio da
legalidade, sendo antes um modo especial da sua configuração. Dizemo-lo já que
só há lugar a poder discricionário quando e da forma a lei administrativa o
conceda. É aliás a própria lei que atribui à Administração o poder de escolha
entre várias alternativas diferntes de decisão. A actuação da administração é
sempre circunscrita aos limites impostos por lei, logo à partida por o seu
fundamento ser emanado duma norma jurídica, norma essa que deverá ter uma
densidade normativa tal que permita antecipar a actuação administrativa,
garantindo deste modo a tão necessária segurança jurídica.
Sob um outro ponto de vista, é
legítimo questionar se o escrupuloso cumprimento da lei por parte da
Administração importa automaticamente o respeito pelos direitos subjectivos e
dos interesses legalmente protegidos dos particulares. O exercício do poder
administrativo, ainda que balizado no campo da discricionariedade, pode e deve
ser visto como um instrumento de realização do direito. A Administração não é
uma “entidade” susceptível de ofender os direitos dos particulares, assim como
o Contencioso Administrativo não se esgota numa concepção de tutela desses
mesmos direitos, como se de um escudo se tratasse. A lei administrativa é hoje
ingrediente de um bolo que vincula a Administração, bolo esse onde convivem
princípios constitucionais, direito internacional, direito europeu, etc.
Cabe partir da letra do 3º/1 CPTA, do
qual se retira que os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela
Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da
conveniência ou oportunidade da sua actuação, pelo respeito do princípio da
separação de poderes. Ainda assim, note-se que existe uma proximidade
estrutural entre acto administrativo e sentenças, já que em ambos os casos se
define e aplica Direito a um caso concretamente considerado.
Uma sentença substitutiva é emanada
pela função jurisdicional produzindo efeitos pré-estabelecidos por norma
jurídica e pela primeira determinados. Trata-se, assim, de um instrumento
através do qual os tribunais administrativos substituem a Administração
Pública, praticando, através de uma permissão normativa, actos em matérias
sobre as quais a competência primária pertence à Administração e assumindo esse
acto o suprimento da omissão de prática de um acto administrativo ou a sua
revogação.
Repetimos: esta “actividade
substitutiva” circunscreve-se aos domínios de estrita vinculação jurídica. A
faculdade de suprir a omissão de uma conduta administrativa de um órgão
competente para tal não atinge o princípio da separação de poderes. Aliás se
assim fosse, a intervenção dos Tribunais Administrativos não poderia abarcar a
anulação de actos administrativos, mas antes a proclamação de sentenças
declarativas reconhecendo a existência de vicio (s) em dado acto e remetendo
para o seu autor ( a Administração) a faculdade de o anular. Para mais, a
natureza substitutiva da decisão judicial não significa necessariamente que a
função judicial tome as vestes de administradora. Na verdade, e como bem
observa Luís Felipe Colaço Antunes, sendo o facto administrativo posterior à
norma e a sentença posterior a este último, a decisão judicial adquire natureza
substitutiva.
A sentença substitutiva não tem como
efeito único constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. É nossa
convicção que torna a tutela jurisdicional mais efectiva, já que é uma tarefa
de reconhecimento do que a lei administrativa impõe de forma abstracta.
Sem comentários:
Enviar um comentário