sábado, 24 de novembro de 2012

Uma breve introdução ao processo administrativo executivo - uma superação da incorrecta interpretação do dogma da separação de poderes



De uma jurisdição de poderes limitados ao plano de uma tutela executiva – uma exigência do princípio da tutela jurisdicional efectiva

“O contencioso administrativo, coloca (…) à disposição de quem tenha obtido uma decisão jurisdicional com força de caso julgado as formas processuais adequadas para fazer valer essa decisão de obter a sua execução, isto é, a sua materialização no campo dos factos – é o plano da tutela executiva. O princípio da tutela jurisdicional efectiva no plano executivo supõe que todo o tipo de providências de execução possam ser adoptadas pela jurisdição administrativa, que também neste plano deixa de ser, como muito claramente era até aqui, uma jurisdição de poderes limitados” 

DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”[1]

            Um breve parêntesis: neste trabalho o meu primeiro e único objectivo será o de enunciar, de forma sintetizada, a passagem dos poderes limitados da jurisdição administrativa a um efectivo reconhecimento da tutela executiva. Como tal não tratarei o processo administrativo executivo de forma exaustiva, sendo minha intenção apenas proceder a uma introdução ao tema.

             Outrora, os poderes que eram reconhecidos ao exercício da jurisdição administrativa bastavam-se com a anulação e com a declaração de nulidade da actuação administrativa, uma jurisdição limitada como bem notam os ilustres Professores supra citados. 

            Ora, o excerto de texto primeiramente citado neste post justifica-se pois antes da reforma do contencioso administrativo, não se legitimavam os tribunais desta jurisdição com meios susceptíveis de executar deveres e obrigações que sobre a Administração impendiam. A única solução que se atestava era exigir-se uma indemnização por incumprimento – a Administração tinha a prerrogativa de não cumprir o que previamente era declarado por um tribunal. Deitando mão a uma expressão que ouvi, salvo erro, no meu 2º ano de licenciatura numa outra disciplina (não administrativa) era como se “tivéssemos uma arma descarregada apontada à cabeça de um sujeito”, neste caso a Administração, que tendo o dever de agir, embora incorresse em responsabilidade, podia optar por não o fazer. Citando MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[2], “a impugnação não tinha, pois, de assegurar, por exemplo, a restituição de uma coisa em risco de perecer, pois bastaria assegurar ao interessado uma indemnização pela perda da coisa”. 

           Esta limitação inconsequente que vigorava impunha-se em sinal do princípio da separação de poderes que pretendia impedir intromissões ilegítimas dos tribunais. Como já foi supra referido, nomeadamente no primeiro parágrafo do presente texto, a intervenção que se permitia aos tribunais era somente uma intervenção negativa por se entender que se fosse permitida uma pronúncia positiva acerca da actuação administrativa se colocaria em risco o exercício da discricionariedade administrativa[3]

            Segundo os ensinamentos do PROFESSOR VASCO PEREIRA DA SILVA, toda esta situação referida supra reconduz-se a um trauma da «infância difícil» do Direito Administrativo Português, sendo que o dogma da separação de poderes tinha uma amplitude mais extensa do que o devido. 

            Tornou-se imperioso traçar uma fronteira entre o que viola e o que não viola o poder discricionário da Administração. Deste modo, a lógica do CPTA só não admite (salvo excepções) que os tribunais se substituam à Administração em definições primárias. Deste modo, entende-se que uma correcta interpretação do princípio da separação de poderes não obsta a que se possa proceder à execução forçada de decisões jurisdicionais contra a Administração.

            Dúvidas não podem subsistir de que o direito dos particulares a obterem uma acção, um direito que se encontra constitucionalmente consagrado como se conclui da conjugação do artigo 20º n.º 4 e 268º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa[4], exige uma efectividade que se obtém através de uma execução, isto é, através de uma última garantia que visa garantir, por seu turno, o cumprimento de uma tutela declarativa[5]

            Nas palavras de PEDRO MACHETE[6], «executar» significa etimologicamente fazer aquilo que se contém numa coisa principal. De acordo com um significado jurídico corrente, a execução corresponde à actividade de realizar qualquer coisa já existente em abstracto”. Compreendido deste modo, frisa MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[7] que o processo executivo se dirige “a obter a execução do Direito, através da adopção, pelo próprio juiz, por funcionários judiciais ou por outras entidades ao serviço do tribunal, de providências destinadas a colocar a situação de facto existente em conformidade com o Direito que foi declarado”.

            Assim, o direito de acção é dirigido ao Estado, dotado de jus imperii para uma efectiva protecção dos direitos fundamentais dos seus cidadãos.

          No âmbito do artigo 2º n.º1 do CPTA o princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende a possibilidade de fazer executar uma decisão bem como no seu (do CPTA) artigo 3º n.º 1 e n.º 3 concede a última palavra aos tribunais da jurisdição administrativa “a última palavra sobre (…) a satisfação daqueles direitos”[8].

         O processo executivo no âmbito do Direito Administrativo encontra-se regulado nos artigos 157º e seguintes do CPTA.
           
          Enfim, especificamente nos termos dos artigos 164º n.º 4 alínea c) e 167º n.º 6, hoje o CPTA permite que uma condenação compreenda medidas de execução no âmbito de um processo executivo, permitindo a um beneficiário de uma sentença obter a adequada tutela executiva - assim permitindo que ficassem ultrapassadas confusões dogmáticas passadas.

Ana Miranda
n.º 19457

BIBLIOGRAFIA:
DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª Edição.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – Manual de Processo Administrativo, 2012

SITIOGRAFIA:
http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/e-livro_CA_completo.pdf - E-book “Temas e Problemas de Processo Administrativo”


           


[1] Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, p. 55  
[2] In “Manual …” op. cit., 2012, pp. 508
[3] Idem, idem.
[4] Reflectidos nos artigos 2º n.º 1 e 4º n.º 3 do Código de Processo Civil
[5] Na tutela declarativa deve considerar-se que, contudo, “os tribunais administrativos deverão ter (…) maior cuidado para não ficarem aquém, mas também para não irem além, no exercício dos novos poderes que o CPTA lhes confere” – Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida in obra supra citada, pp. 56. Ou seja, nunca esquecendo a linha que separa desde que ultrapassada a confusão entre a função de julgar e administrar.
[6] In E-book “Temas e Problemas de Processo Administrativo” (sob coordenação do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva), pp. 165.
[7] In “Manual de Processo Administrativo”, 2012, pp. 499
[8] Pedro Machete, in obra supra citada (e-book), pp. 167

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