De
uma jurisdição de poderes limitados ao plano de uma tutela executiva – uma
exigência do princípio da tutela jurisdicional efectiva
“O contencioso administrativo, coloca (…) à
disposição de quem tenha obtido uma decisão jurisdicional com força de caso
julgado as formas processuais adequadas para fazer valer essa decisão de obter
a sua execução, isto é, a sua materialização no campo dos factos – é o plano da
tutela executiva. O princípio da tutela jurisdicional efectiva no plano
executivo supõe que todo o tipo de providências de execução possam ser
adoptadas pela jurisdição administrativa, que também neste plano deixa de ser,
como muito claramente era até aqui, uma jurisdição de poderes limitados”
DIOGO FREITAS DO AMARAL
e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA in “Grandes Linhas
da Reforma do Contencioso Administrativo”[1]
Um breve parêntesis: neste trabalho o meu primeiro e único objectivo será o de enunciar, de forma sintetizada, a passagem dos poderes limitados da jurisdição administrativa a um efectivo reconhecimento da tutela executiva. Como tal não tratarei o processo administrativo executivo de forma exaustiva, sendo minha intenção apenas proceder a uma introdução ao tema.
Outrora, os poderes que eram reconhecidos ao exercício da jurisdição administrativa bastavam-se com a anulação e com a declaração de nulidade da actuação administrativa, uma jurisdição limitada como bem notam os ilustres Professores supra citados.
Outrora, os poderes que eram reconhecidos ao exercício da jurisdição administrativa bastavam-se com a anulação e com a declaração de nulidade da actuação administrativa, uma jurisdição limitada como bem notam os ilustres Professores supra citados.
Ora, o excerto de texto primeiramente citado neste post justifica-se pois antes
da reforma do contencioso administrativo, não se legitimavam os tribunais desta jurisdição
com meios susceptíveis de executar deveres e obrigações que sobre a
Administração impendiam. A única solução que se atestava era exigir-se uma indemnização
por incumprimento – a Administração tinha a prerrogativa de não cumprir o que
previamente era declarado por um tribunal. Deitando mão a uma expressão que ouvi,
salvo erro, no meu 2º ano de licenciatura numa outra disciplina (não
administrativa) era como se “tivéssemos uma
arma descarregada apontada à cabeça de um sujeito”, neste caso a
Administração, que tendo o dever de agir, embora incorresse em
responsabilidade, podia optar por não o fazer. Citando MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[2], “a impugnação não tinha, pois, de assegurar,
por exemplo, a restituição de uma coisa em risco de perecer, pois bastaria
assegurar ao interessado uma indemnização pela perda da coisa”.
Esta
limitação inconsequente que vigorava impunha-se em sinal do princípio da separação
de poderes que pretendia impedir intromissões ilegítimas dos tribunais. Como já
foi supra referido, nomeadamente no primeiro parágrafo do presente texto, a intervenção
que se permitia aos tribunais era somente uma intervenção negativa por se
entender que se fosse permitida uma pronúncia positiva acerca da actuação administrativa
se colocaria em risco o exercício da discricionariedade administrativa[3].
Segundo
os ensinamentos do PROFESSOR VASCO PEREIRA DA SILVA, toda esta situação referida supra reconduz-se a um
trauma da «infância difícil» do Direito Administrativo Português, sendo que o
dogma da separação de poderes tinha uma amplitude mais extensa do que o devido.
Tornou-se
imperioso traçar uma fronteira entre o que viola e o que não viola o poder discricionário
da Administração. Deste modo, a lógica do CPTA só não admite (salvo excepções)
que os tribunais se substituam à Administração em definições primárias. Deste
modo, entende-se que uma correcta interpretação do princípio da separação de
poderes não obsta a que se possa proceder à execução forçada de decisões jurisdicionais
contra a Administração.
Dúvidas
não podem subsistir de que o direito dos particulares a obterem uma acção, um
direito que se encontra constitucionalmente consagrado como se conclui da conjugação
do artigo 20º n.º 4 e 268º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa[4], exige
uma efectividade que se obtém através de uma execução, isto é, através de uma
última garantia que visa garantir, por seu turno, o cumprimento de uma tutela
declarativa[5].
Nas
palavras de PEDRO MACHETE[6], “
«executar» significa etimologicamente fazer aquilo que se contém numa coisa principal.
De acordo com um significado jurídico corrente, a execução corresponde à actividade
de realizar qualquer coisa já existente em abstracto”. Compreendido
deste modo, frisa MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[7] que
o processo executivo se dirige “a obter a
execução do Direito, através da adopção, pelo próprio juiz, por funcionários
judiciais ou por outras entidades ao serviço do tribunal, de providências
destinadas a colocar a situação de facto existente em conformidade com o
Direito que foi declarado”.
Assim, o direito de acção é dirigido
ao Estado, dotado de jus imperii para
uma efectiva protecção dos direitos fundamentais dos seus cidadãos.
No âmbito do artigo 2º n.º1 do CPTA o
princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende a possibilidade de fazer
executar uma decisão bem como no seu (do CPTA) artigo 3º n.º 1 e n.º 3 concede
a última palavra aos tribunais da jurisdição administrativa “a última palavra
sobre (…) a satisfação daqueles direitos”[8].
O processo executivo no âmbito do
Direito Administrativo encontra-se regulado nos artigos 157º e seguintes do
CPTA.
Enfim, especificamente nos termos
dos artigos 164º n.º 4 alínea c) e 167º n.º 6, hoje o CPTA permite que uma condenação
compreenda medidas de execução no âmbito de um processo executivo, permitindo a
um beneficiário de uma sentença obter a adequada tutela executiva - assim permitindo que ficassem
ultrapassadas confusões dogmáticas passadas.
Ana
Miranda
n.º
19457
BIBLIOGRAFIA:
DIOGO
FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª
Edição.
MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA – Manual de Processo
Administrativo, 2012
SITIOGRAFIA:
http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/e-livro_CA_completo.pdf
- E-book “Temas e Problemas de Processo
Administrativo”
[1] Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, p. 55
[3] Idem,
idem.
[4] Reflectidos nos artigos 2º n.º 1
e 4º n.º 3 do Código de Processo Civil
[5] Na tutela declarativa deve
considerar-se que, contudo, “os tribunais
administrativos deverão ter (…) maior cuidado para não ficarem aquém, mas também
para não irem além, no exercício dos novos poderes que o CPTA lhes confere” –
Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida in obra supra citada, pp. 56.
Ou seja, nunca esquecendo a linha que separa desde que ultrapassada a confusão entre
a função de julgar e administrar.
[6] In E-book “Temas e Problemas
de Processo Administrativo” (sob coordenação do Professor Doutor Vasco
Pereira da Silva), pp. 165.
[7] In “Manual de Processo
Administrativo”, 2012, pp. 499
[8] Pedro Machete, in obra supra citada (e-book), pp. 167
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